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Assim Caminha a Humanidade em Gigante, livro de Edna Ferber

Uma obra de ficção (ou talvez não) sobre texanos que perpetuam preconceitos contra os mexicanos, que trabalham para eles. Além do mais, tratam as mulheres como acessórios lindos e brilhantes. Uma sociedade tão diferente e completamente alienada dos Estados Unidos que habita, o Texas sempre foi tão grande quanto complexo. E a autora Edna Ferber parecia entender muito bem isso. 

Edna Ferber era uma escritora e jornalista de sucesso                                           Divulgação
Apesar do choque inicial, principalmente na época do lançamento de Gigante (Giant, de Edna Ferber) em 1952, ao saber-se que sua autora era uma mulher que havia nascido em Michigan, nos Estados Unidos e nunca havia sequer visitado o Texas, o livro foi um sucesso estrondoso. Alguns anos depois, em 1956, seu livro tomou forma em um filme estrelado por Elizabeth Taylor, Rock Hudson e o falecido James Dean chamado Assim Caminha a Humanidade (Giant, 1956), lançado depois da morte de Dean que foi em 30 de setembro de 1955.

Mas ao contrário do que se pensa, Edna Ferber era uma mulher de fibra e não se intimidava nem com suas críticas e nem com os estúdios de Hollywood: "Eu escrevi o livro Gigante. Eu escrevi como queria escrever. Não foi escrita com a ideia de ser lançada como um filme. Eu nunca a escrevi desse modo." Apesar disso, inúmeras das histórias de Edna chegaram às telonas como ShowBoat (1926), Cimarron - A Jornada da Vida (1920), a peça No Teatro da Vida, além de Saratonga Trunk (Mulher Exótica) que foi estrelado por Ingrid Bergman e Gary Cooper. 

Edna Ferber nasceu em 15 de agosto de 1885 e assim que se formou do colégio já começou a trabalhar para jornais em Wisconsin, nos Estados Unidos. Seu primeiro livro foi publicado em 1911, aos 26 anos de idade, chamado Dawn O'Hara. E, apesar de uma longa lista de histórias em seu currículo, o seu trabalho mais famoso hoje em dia é justamente Gigante por unir as três das maiores estrelas do cinema em um filme só. 

James Dean e Elizabeth Taylor em cena do filme Assim Caminha a Humanidade (1956)                   Divulgação
Gigante de Edna Ferber conta a história de Leslie Lyntton, no filme vivida por Taylor, uma garota de sociedade dos EUA que pode não ser uma beldade, mas tem inteligência, elegância e astúcia de sobra. Assim ela chama atenção de Bick Benedict, no filme interpretado por Rock Hudson, um grande e forte fazendeiro do Texas que com seu jeito macho e simples de ver o mundo, acaba atraindo Leslie, principalmente do modo apaixonado que ele fala de sua terra. O casamento acontece rapidamente e logo Leslie descobre que a vida no Texas, nos Estados Unidos é feito de distâncias e distâncias sem fim. 

A distância dos ricos com os mexicanos, de quem a terra foi roubada, a distância entre os empregados, em especial Jett Rinker, vivido por James Dean no filme Assim Caminha a Humanidade (1956), um faz-tudo que se apaixona por Leslie e de quem sua infelicidade e ganância o corrói. 

Vale lembrar que essa é uma história bem diferente do que os texanos estavam acostumados a verem sobre si nas telonas, afinal John Wayne os representava de modo durão e justo, sempre enaltecendo seu estilo de vida. Após o lançamento de Gigante, Edna recebia ameaças de mortes constantes de pessoas certas de que ela ameaçava o estilo de vida da população. Até a Warner Bros, produtora do filme, ficou preocupada pelas similaridades representadas com a realidade de diversas pessoas que o livro retratava. 

De acordo com o livro Edna Ferber's Hollywood: American Fictions of Gender, Race, and History de J. E. Smyth, a família Benedict foi inspirada pela família Kleberg, uma das mais influentes do Texas. A família construiu o King Ranch, conhecido como Reata no livro de Ferber, e o fez crescer e chegar ao número de mais de 2,400 km² de extensão. A família também foi responsável por colocar uma estação de trem no sul do Texas. 

Já a figura de Jett Rink foi baseada no milionário do petróleo Glenn McCarthy, que já com 26 anos de idade tinha duas perfurações de petróleo no Texas e como a personagem do livro, ele sonhava muito querendo construir um grande hotel na sua cidade, um sonho que ele alcançou, mas não sem consequências. 

A família Kleberg e Glenn McCarthy - inspirações de Edna                 Divulgação/Montagem 
Mas em entrevista para o The Mike Wallace Interview em 1957, Glenn ficou um pouco relutante em concordar com as semelhanças do livro e sua vida pessoal: "É um pouco como minhas experiências...bem, não é minha opinião de que Ferber escreveu minha vida no livro, mas é a opinião de vários amigos meus em Hollywood. Eu não gostei do livro, achei que foi oportunista."  

O livro, no entanto, era sim inspirado em Glenn McCarthy. A autora, conhecida por escrever livros que descreviam ou tratavam de pessoas marginalizadas ou com uma história mais ficcionalizada, estava de olho na relação de amor e ódio que as pessoas tinham com o Texas. 

Assim quando Glenn McCarthy, que ao nascer pobre, achou petróleo e construiu com todo seu dinheiro um hotel no Texas, o Shamrock, chamando várias estrelas como Carmen Miranda e Errol Flynn para inauguração e fazendo uma festança; inclusive mostrando um filme que havia produzido; a oportunidade e o debate era bom demais para Edna Ferber deixar passar.  Afinal: o Texas era uma gigante contradição - produzia cowboys justiceiros e machistas, que queriam que tudo permanecesse igual, e homens do petróleo que desperdiçavam e muito seu dinheiro, sem pensar em consequências. 

O hotel que Glenn tanto queria construir em 1949                                          Divulgação
A linguagem do livro de Edna não é nada informal. A escritora gasta muito tempo falando sobre o clima do Texas, que como sabe-se é quente e seco, e é nisso que ela peca. Talvez tenha sido uma tática para demonstrar com a vida no Texas é árdua e um tanto monótona, mas para o leitor isso mais parece uma tática de preencher algumas páginas a mais sem muito esforço. 

O romance de Leslie e Bick não parece convincente. Os dois não tem nada em comum e, apesar de algumas surpresas no meio do caminho da vida a dois, parecia que a noiva tinha muito mais química com o tio de seu marido, apesar dele ser anos mais velho do que ela.  Leslie e Bick discutem por tudo, o tempo todo e não concordam em nada ao que diz respeito ao Texas - se ela quer ajudar os mexicanos a terem uma melhor condição de vida, ele manda para que ela não se meta, se ela quer transformar a casa, ele também não deixa. 

Mas, apesar de todas as contradições entre os relacionamentos amorosos em Gigante, o forte do livro é como ele lida com o preconceito. Desde o filho mais velho de Bick, o  franzino Jordan.  apaixonando-se e casando com uma mexicana, até Judy, uma jovem independente que quer desvendar o mundo e proteger àqueles com menos oportunidades do que ela, a família Benedict tinha tudo para dar errado, mas deu certo. É isso que torna o livro Gigante de Edna Ferber tão especial.  
"Assim que eles saíram da lanchonete, ainda conseguiam escutar a voz do homem e da mulher em disputa: 'Você é louco, Floyd, apenas a mãe e o menino eram mexicanos, não os outros.' Ah, a mais velha tinha cabelos negros e era muito magra. Ela não me engana.' (página 395 do livro Gigante de Edna Ferber)
A família Benedict representa, no livro de Edna, portanto, o Texas, um estado tão grande com inúmeras conflitos, que tinha tudo para dar errado, mas deu muito certo. Já Jett Rink representa a ambição do Estado e como ela, em grandes quantidades, sem um âncora, pode levar à destruição. Os Benedicts são o exemplo do modo de vida texano antigo e Jett Rink, o novo, o excitante e o destrutivo, por fim. 

O melhor do livro de Edna Ferber é que ela não mostra os Benedict ou Jett Rink como certo ou errado e vice/versa. Os dois tem suas falhas extremas, como o racismo, a ganância e a superioridade texana. Todos fazem parte de uma sociedade patriarcal que tenta reprimir a mente curiosa e pensante de Leslie, ingênua na vida, mas sagaz nos livros. 

Gigante, livro de Edna Ferber é uma daquelas histórias que fica com você bem depois de sua leitura. Seja amando ou odiando o livro, a verdade é que Edna teve a coragem de retratar o Texas e o preconceito dos EUA contra os imigrantes antes de muitos outros. Infelizmente, essa é uma pauta que continua mais atual do que nunca e a obra da escritora merece ser mencionada neste discussão. 

Um livro denso, com inúmeras contradições e ensinamentos, Gigante é uma história para ser digerida aos poucos, mas ah, é um dos melhores livros para começar discussões e debates sobre raça e privilégio, algo de extrema importância, hoje e sempre. 


INFORMAÇÕES SOBRE O LIVRO 


Livro: Gigante
Autora: Edna Ferber 
Páginas: 409 

Onde comprar? 
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Mercado Livre: (clique aqui) 



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