A morte de Brandon Lee - maldição da família de Bruce Lee?

Brandon Lee foi o filho primogênito do astro das artes marciais, Bruce Lee com sua única esposa, a Linda Emery. Os pais de Brandon se conheceram em 1963 enquanto Linda participava das aulas de kung fu de Bruce. O casal se apaixonou e ficou junto até a morte de Bruce, misteriosa igual ao do filho, em 1974. Nesse ínterim, Linda e Bruce também tiveram a pequena Shannon Lee. Mas de acordo com a crença, por ser mulher, Shannon não sofreria da maldição da família Lee, que recaia apenas aos homens da linhagem. Não está entendendo nada? Calma que vamos explicar! 

Bruce Lee nasceu em Hong Kong, no dia 27 de novembro de 1940, durante o ano do Dragão e na hora do Dragão, um dos signos do horóscopo chinês. Segundo o jornal SFGate, uma pessoa do signo Dragão é supostamente: "sem medos, cheias de vitalidade, energia, espírito indomável e estão destinados à grandeza. Sucesso pode vir como um meteoro, de repente se esvaindo e caindo na Terra." Lembra e muito Bruce Lee, certo? Nascer na hora e no ano do Dragão potencializam ainda mais essa possibilidade de grandeza. 

Você, leitor, pode não acreditar em horóscopos, em destino ou maldições, mas o importante é que a família Lee acreditava e isso pode ter selado tanto o destino de Bruce quanto de seu filho Brandon. 

Brandon Lee: morte acidental ou maldição de família?
Toda a superstição da família Lee, ou melhor, da família Cheun, ocorreu quando Li e Grace, pais de Bruce, perderam seu primeiro filho em 1937, três meses após o nascimento. Isso, na superstição chinesa, não era um bom sinal e quando Grace ficou grávida novamente, eles rezavam para que fosse uma menina. Isso porque espantaria os maus espíritos que teriam levado o primogênito da primeira vez. 

Segundo o livro Bruce Lee: A Life de Matthew Polly, Grace e Li adotaram Phoebe (que ou seria uma órfã ou a filha que Li teve fora do casamento; que seria mais provável). Graças à boa sorte, Grace deu à luz Agnes e logo depois ficou grávida de Peter. Mesmo assim, preocupados com uma possível maldição na família, eles deram roupas de menina para o recém-nascido, um apelido de menina e até furaram a orelha dele para enganar o "demônio que caçava meninos". 

Quando Bruce nasceu, em 27 de setembro de 1940,  enquanto Grace acompanhava Li, um cantor de ópera famosa, em turnê pelos Estados Unidos. O garoto nasceu no "ano do dragão, mês do porco, o dia do cachorro e a hora do dragão" e estava, portanto, destinado à grandeza inevitável. De volta à Hong Kong, na China, ele foi chamado de San Foi, ou seja Pequena Fênix, por sua avó paterna para afastar os maus espíritos que rondavam os meninos naquela idade (como o costume chinês demandava). Logo depois, nasceu Robert, seu irmão mais novo. 

Bruce Lee e seu filho, Brandon Lee
Mesmo assim, Bruce Lee ficou doente com cólera e tão fraco que seus pais temiam perdê-lo. A doença foi tão grave que ele não conseguia andar direito até completar quatro anos de idade. Mais velho, ele foi mandado para os EUA aos 18 anos de idade, após continuar a entrar em brigas feias, com membros de gangues e por ser pego fugindo com seus amigos de um roubo de uma loja. Dizem que ele foi pego, também, brigando com um dos filhos do membro das Tríades (Mafia Chinesa) e isso corroboraria a teoria de conspiração que ele teria sido morto pela mafia. Segundo a revista Vibe, o professor de Bruce afirmou: "Eu descobri que ele tinha pego uma briga com um dos filhos do chefe das Tríades." Infelizmente, os motivos pelos quais Bruce foi mandado para os Estados Unidos divergem. 

Independente do que o levou para lá, Bruce partiu para Los Angeles onde ele conheceu sua esposa, Linda Emery. E foi no país que ele morreu, aos 32 anos de idade. As circunstâncias de sua morte não eram suspeitas: Lee foi achado inconsciente na casa de Betty Ting Pei, sua amante, e teria morrido por um edema cerebral depois de seu cérebro inchar (isso já havia ocorrido sete meses antes e Lee estava se recuperando sem tomar as medidas necessárias). O produtor Raymond Chow do Operação Dragão (Enter de Dragon, 1973; o filme mais famoso de Lee) afirmou ter sido após uma reação adversa à aspirina que tomava, embora a autópsia dissesse apenas "morte por acidente".  

Muito se especulou sobre sua morte: ele teria sido morto, envenenado por Betty (que posteriormente se casou com uns dos chefes da tríade, Charles Heung em 1976) ou por alguém da máfia chinesa (afinal ele teria fugido de Hong Kong por causa delas.) No entanto, inúmeros dublês de Bruce no filme Operação Dragão (Enter The Dragon, 1973) pertenciam às gangues e o respeitavam imensamente, como fontes afirmam. Mas com a morte de seu filho, Brandon Lee, também de uma maneira intrigante, a pergunta permaneceu: seria a família Lee, ou melhor os homens Lee, amaldiçoados?

Bruce Lee e seu filho treinando artes marciais juntos em 1966                                   Divulgação
Brandon Lee, nascido em 1 de fevereiro de 1965, resolveu seguir uma carreira no cinema assim como seu famoso pai. Muito bonito, alto e charmoso, Brandon era um galã mais tradicional que Bruce, que por ser chinês nunca teve grandes possibilidades em filmes norte-americanos como seu filho, que embora descendente de Lee tinha feições não tão "marcantemente chinesas". Claro que, o fato de ser o filho do astro Bruce Lee também o ajudava a ganhar mais possibilidades de papeis, especialmente em filmes de ação e luta.

Brandon começou sua carreira em 1985, com apenas 20 anos de idade, no filme Crime Killer e o filme O Corvo  (The Crow, 1994) seria seu terceiro papel como protagonista, depois das películas de ação Missão Resgate (Laser Mission, 1989) e Rajada de Fogo (Rapid Fire, 1992). A verdade era que o filme O Corvo (The Crow, 1994) era um pequeno filme, adaptado das HQs O Corvo de James O'Barr, e não se esperava que fizesse um grande sucesso. O filme ganhou status cult exatamente pela morte horrível de Lee no set de filmagens.

O Corvo (The Crow, 1994), filmado no estúdios Carolco, em Wilmigton, Carolina do Norte, EUA, foi considerado um set "amaldiçoado" por inúmeros participantes das filmagens. Isso porque, trabalhando longas horas, sem as doze horas de descanso entre as sessões de trabalho, como relata a People Magazine, muitos se apoiavam em drogas, como cocaína, para se manterem acessos e ligados no que estava acontecendo. E não foi só isso, acidentes aconteciam sempre nos bastidores: um carpinteiro no set foi severamente queimado quando ele se apoiava em fios de alta tensão. Depois, um escultor insatisfeito resolveu retaliar e destruir o estúdio no qual construíam a decoração dos cenários.

Um outro membro da equipe escorregou e fincou uma chave de fenda em sua mão. Segundo o jornal Jornal do Brasil, um assessor de imprensa tinha se envolvido em um acidente de carro e vários cenários foram destruídos por um trator. Acidentes comuns que podem acontecer em qualquer local de trabalho, certo? Mas aquelas que acreditavam que existia uma maldição com a família Lee viram esses sucessivos incidentes como sinais certeiros de que os membros homens da família Lee estavam sob muita má sorte.

Alex Proyas, diretor do filme, Brandon Lee e Sofia Shinas no set de O Corvo (The Crow, 1994) 
O acidente fatal de Brandon Lee, durante o set de filmagens, aconteceu em 31 de março de 1993 quando gravavam a seguinte cena: um flashback que explicava como o personagem de Brandon, o rockstar Eric Draven, havia morrido e decidido voltar dos mortos para se vingar. Na cena, o Fun Boy, vivido por Michael Massee, atiraria em Draven. Até aí procedimento normal. Para ficar com o som mais realista possível, os membros da equipe de filmagem decidiram usar uma arma de verdade.

Para isso, eles resolveram fazer o seguinte: usariam balas sem pólvora, de verdade, para o close-up. Quando a cena de close-up tinha terminado, eles substituíram as balas pelas de festim para a cena da morte de Brandon, ao longe. O problema é que uma das balas de verdade ficou alojada dentro do tambor da arma. Quando Michael Massee foi atirar então, ativou o gatilho, e a bala presa foi projetada e perfurou o abdômen de Brandon. A cena da morte não foi incluída no filme, por fazer parte do inquérito de seu falecimento. Michael, que faleceu em 2016, ficou tão traumatizado pela morte do colega  e por ter sido ele quem puxou o gatilho, que parou de atuar por um ano.

Brandon Lee ficou mais de seis horas em cirurgia em um hospital local, na Carolina do Norte, EUA, mas não resistiu e faleceu no dia 31 de março de 1993, às 13h04. Ele tinha apenas 28 anos de idade e se casaria dali algumas semanas, em 17 de abril de 1993, com sua noiva, a roteirista Eliza Hutton. O escândalo foi tanto que vários especialistas e membros de sets disseram, na época, ser inacreditável permitirem balas de verdade em um set de filmagens: "é uma regra cardinal não ter munição de verdade no set."

Assim, inúmeras teorias de conspiração sobre a morte de Brandon Lee surgiram: ele teria sido morto pelas Tríades Chinesas (Máfia) que não queriam que o legado de Bruce, após morto, retornasse a ter sucesso nas telas. Que alguém teria implantado a bala, de propósito, para matar o ator e por fim, que a pessoa teria usado a cena de Jogo de Morte (Game of Death, 1978) estrelado por Bruce para planejar a morte de Brandon.



Isso porque, o mais bizarro é que o fato de Brandon ter sido morto por uma bala de verdade em um set de filmagens, aconteceu com seu pai Bruce, ou melhor seu personagem, no filme Jogo de Morte (Game of Death, 1978), lançado quatro anos depois da morte de Bruce em 1973. O ator começou a gravar o filme em 1972, mas foi liberado para trabalhar em outro. Assim, ficou decidido aproveitar as cenas já gravadas e lançar Jogo da Morte, para capitalizar na morte de Lee. No filme em questão, Bruce interpretava Billy Loo, uma grande estrela de filmes de kung fu que forjou sua morte para descobrir quem o queria morto.

Em O Jogo da morte (Game of Death, 1978), o personagem quase é morto quando uma arma que teria balas de festim foi substituída por balas reais durante a gravação do filme. Ele assim acaba levando um tiro real, mas que felizmente não é fatal. Bruce, ou melhor, Billy sobrevive neste caso e decide buscar vingança pelo ocorrido. Uma coincidência arrepiante com a morte de Brandon na vida real, não é mesmo? Praticamente idêntica!

Outro fato que deu ainda mais munição para a teoria da Maldição de Lee foi a cinebiografia Dragão - A História de Bruce Lee (Dragon: The Bruce Lee Story, 1993), lançado dois meses após a morte de Brandon. O filme, que se prende muito à teoria da maldição, tem uma cena em especial que parece ser um aviso. Nela, Bruce luta contra um demônio imaginário que o assombra desde que nasceu. No final do filme, a criatura parece criar interesse no filho de Bruce, Brandon, e a estrela consegue derrotá-lo no cemitério, sob a lápide de seu túmulo, como uma espécie de premonição. Infelizmente, não foi isso que aconteceu na vida real e Brandon teve um fim trágico, assim como seu pai.



Portanto, fica a questão: será que existe realmente uma maldição na família Lee que afeta apenas os homens da família? Shannon Lee, filha de Bruce e Linda, deu um rolar de olhos quando perguntada sobre a "maldição" em entrevista com o The Guardian, em 2012. Linda, sua esposa, já afirmou que preferia se lembrar do legado de Bruce e não sua morte. Curiosamente, ela casou-se de novo duas vezes, a última em 1991 com um homem também chamado Bruce. 

A suposta maldição, no entanto, não atingiu os irmãos de Bruce, Robert e Peter. Seu irmão mais velho, Peter Lee, morreu aos 68 anos de idade. Robert continua vivo, aos 69 anos de idade e já fez uma cinebiografia baseado em seu irmão, chamado Bruce Lee, Meu Irmão (My Brother, Bruce Lee), lançado em 2010. Mas fica o questionamento: será que a maldição, assim como mostra o filme Dragão- A História de Bruce Lee, apenas atingiria Bruce e seu filho Brandon? 

A filha mais nova de Bruce, Shannon, casou-se em 1994 com o advogado Ian Kreasler e com ele teve apenas uma filha, chamada Wren, que nasceu em 2003. A teoria de que apenas Bruce Lee e seus descendentes homens diretos teriam uma maldição não poderá ser provada (para quem acredita) já que Shannon não teve um filho homem. 

Bruce, Brandon e Linda em tempos mais felizes 
De acordo com as evidências de ambas as mortes, do pai Bruce e do filho Brandon, as duas foram acidentais e qualquer teoria de conspiração pareceria banal neste caso. Mas a morte precoce e as coincidências estranhas, como morrerem jovens, antes do lançamento de seus filmes de maior sucesso e em acidentes sob circunstâncias um tanto estranhas; especialmente de Brandon; nos fazem pensar: existe uma maldição assombrando Bruce Lee e seus descendentes homens? Improvável? Possível?  

Nunca se saberá de fato, no entanto, são apenas especulações. O que se sabe é que Bruce e Brandon Lee foram enterrados lado a lado e permanecem, tanto em morte quando em legado cinematográfico, ligados para sempre. Com ou sem a maldição da família Lee.


A minissérie Anne de Green Gables X A série Anne With an E da Netflix

*spoilers sobre a trama de ambas as (mini)séries - não diga que não avisamos! 
**colocamos os pontos positivos e negativos de ambas as (mini)séries ao final de cada análise


A história de órfã Anne Shirley, que com sua imaginação e língua solta consegue conquistar toda a comunidade de Avonlea (um local fictício no Canadá) continua a envolver inúmeros leitores, sejam jovens ou mais velhos, há 110 anos. 

A autora canadense Lucy Maud Montgomery lançou o primeiro livro da saga Anne de Green Gables em 1908 e foi um sucesso tão incrível que mais cinco livros se seguiram (todos focados em Anne) acompanhando desde a infância da pequena ruiva e sardenta aos 11 anos de idade até ela se tornar uma dama completa, ao lado de sua família adotiva, os irmãos Marilla e Matthew Cuthbert, e amigos como Diana Barry e seu amor Gilbert Blythe. 

Um clássico da literatura, Anne de Green Gables ganhou uma adaptação para as telonas em 1934, com uma atriz chamada Anne Shirley vivendo a ruivinha e Tom Brown como Gilbert Blythe. A saga de livros fez tanto sucesso no Canadá, afinal a história toda se passa por lá, que o livro ganhou um filme televisivo em forma de musical em 1956 e um em 2016, com a participação de Martin Sheen. 

Os pontos fortes e fracos em cada uma das séries
Mas a versão que fez os telespectadores se apaixonarem por Anne de Green Gables foi a minissérie de 1985, com Megan Follows como Anne e Jonathan Crombie (Descanse em paz) como Gilbert. Agora, com a série Anne With An E de 2017 na Netflix, muitas pessoas estão redescobrindo essa belíssima história. E fica o questionamento: quais são os pontos fortes e fracos de cada uma delas? Por que Anne de Green Gables de 1985 ficou marcado no coração de muitos?  E Anne With An E é mesmo muito sombrio? A ideia nesta matéria é analisar essas duas famosas séries e não colocá-las em um embate. 

A história de ambas as (mini)séries é a seguinte: Anne Shirley é uma órfã ruiva, desajeitada e bastante imaginativa que acaba sendo adotada, por acidente, pelos irmãos Marilla e Matthew Cuthbert da fazenda Green Gables, em Avonlea. Esperando um menino para ajudar nas tarefas, os dois ficam surpresos mas logo se afeiçoam tanto à Anne que não conseguem mandá-la de volta. Assim, Anne tem um lar finalmente, porém não sem suas atribulações do dia a dia. 

Anne de Green Gables (1985, 1987, 2000) 

A minissérie Anne de Green Gables (no Brasil traduzida como Os Amores de Anne) foi lançada em 1985, com quatro episódios na televisão canadense. O sucesso foi tão grande que logo veio uma continuação em 1987 e por fim outra em 2000 (mas que não segue a história dos livros). 

Nela, a atriz Megan Follows venceu mais de 3 mil candidatas para interpretar a ruivinha Anne e todo o seu talento mostra como conseguiu tal feito: com 16 anos na vida real, ela conseguia transitar muito bem entre as cenas que ainda era uma criança e nas quais era uma jovem adolescente. Mas, convenhamos, a Anne de Megan é bonita até demais para acreditarmos que assim como nos livros, ela fosse ridicularizada por sua aparência, apesar de seus cabelos ruivos, considerados nada atraentes na época. Com a progressão da narrativa, seus cabelos escurecem e seus olhos também e, portanto, Megan representa muito bem uma Anne mais velha, mas não a órfã desajeitada e ansiosa que conhecemos de primeira. 

A química entre os atores também ajudou muito!
A atriz consegue, no entanto, demonstrar com maestria a perspicácia e imaginação de Anne, e assim entendemos como todos os moradores de Avonlea se espelham na pequena órfã. Mas é Jonathan Crombie  (tão destinado ao papel que até sua mãe se chama Ann Shirley Crombie) como Gilbert Blythe que eleva a minissérie, especialmente a continuação de 1987 que deixa muito a desejar. Um grande ator, assim como Megan, Jonathan é considerado o Gilbert favorito dos fãs do livro e isso tem uma ótima explicação. 

Crombie, que morreu aos 48 anos de idade em 2015 por uma hemorragia no cérebro, conseguiu mostrar uma vulnerabilidade do personagem e seu amor pela personagem de Anne, com uma progressão tão orgânica (com o limitado tempo que tinha) que não conseguimos não nos apaixonar por sua interpretação. Um porém, no entanto, é que no primeiro Anne de Green Gables (1985), ele tinha 18 anos de idade e estava um pouco velho para interpretar um adolescente, mas com o seu talento e a química eletrizante com Megan, o telespectador até consegue relevar esse fato.

Jonathan Crombie foi escolhido, a dedo, também pela diretora de elenco após ser visto atuando em uma peça de escola. Kevin Sullivan, o produtor das três Annes, afirma: "Nós o conhecemos e ele foi escolhido. Foi uma tempestade perfeita, tudo se encaixou." Isso porque, o ator trouxe uma doçura e uma qualidade sonhadora em Gilbert que faz com que nos apaixonemos pelo personagem. Jonathan nos faz acreditar que ele ama Anne de verdade e o amamos em troca por isso.  

Na adaptação de 1985 temos um Matthew Cuthbert, vivido por Richard Farnsworth, muito fiel ao personagem dos livros. Quieto e tímido, ele é o primeiro a se apaixonar por Anne e, apesar de sua natureza introspectiva, demonstra o amor que sente por sua filha da melhor maneira que pode. Matthew não ganha muito destaque na minissérie e os fãs não conseguem se engajar o quanto poderiam com esse senhor adorável como fazem nos livros, o que é uma pena. 

Richard Fansworth e Colleen Dewhurst como os irmãos Matthew e Marilla
É Colleen Dewhurst com sua rígida, mas lá no fundo amável Marilla, que consegue capturar todas as nuances da personalidade da personagem, desde sua relutância em aceitar Anne até amá-la como se fosse sua própria filha. Com sua voz rouca, reconfortante, Colleen criou uma Marilla difícil de esquecer para quem quer que assista a minissérie. A Rachel Lynde de Patricia Hamilton também é outro acerto e mostra como pessoas tão diferentes de nós na superfície podem ser "espíritos amigos" lá no fundo. 

Um ponto super positivo na minissérie de 1985 é como ela segue, fielmente, a narrativa do primeiro livro de Anne. Temos todos os pontos mais importantes: o passado da órfã, seu deslumbre com Avonlea, a acusação de roubo, o seu tão amado vestido com mangas bufantes, tingir o cabelo de verde (embora o corte tenha ficado bonito demais) e o começo de sua linda amizade com sua 'amiga do peito', Diana Barry. 

Uma curiosidade é que a atriz que interpreta Diana Barry na minissérie canadense é Schuyler Grant que estava cotada para interpretar Anne, por indicação de sua tia-avó Katharine Hepburn. Foi decidido, no entanto, que seria melhor uma nativa para interpretar o papel. Schuyler então ficou com o papel de Diana. Hepburn também declinou a chance de interpretar Marilla na série. 

Diana e Anne Shirley: amigas do peito para sempre
Algo que também ajuda é que na minissérie de 1985, o início do romance entre Anne e Gilbert é muito bem desenvolvido: temos a cena da corrida em dupla (algo que para mim fez falta na série Anne With an E já que foi uma ótima preparação para o flerte entre os dois), a provocação entre eles com Gilbert a chamando de 'Cenoura' e Anne retaliando ao quebrar a lousa em sua cabeça (cena que na série de 2017 não acontece exatamente desta forma). Isso compensa, um pouco, a falta de tempo que Gilbert tem na sequência de 1987.  

Por falar em Anne de Green Gables: The Sequel de 1987 (ou Os Amores de Anne 2) ela sofre com um grande defeito: a condensação dos livros Anne de Avonlea, Anne da Ilha e Anne de Windy Poplars em uma minissérie de quatro episódios.

Deve-se admitir: os primeiros dois episódios começaram com o pé direito. Nossa ruivinha aparece como professora, mais madura, e seu relacionamento com Gilbert é delineado com delicadeza pelas belas paisagens de Avonlea ao fundo. Uma pena que tudo muda bruscamente quando ela recusa seu pedido de casamento (em uma das cenas mais românticas da televisão especialmente com a mudança de voz, em súplica, do ator, mesmo sendo bem similar As Mulherzinhas) e se muda para a cidade, para ensinar em uma academia para jovens ricas. 

No livro, Anne e Gilbert passam por esse momento de distância, mas isso acontece na faculdade que os dois vão juntos, quando a ruivinha se apaixona por Roy, seu ideal de homem. E não por um homem mais velho, que poderia ser seu pai como Morgan Harris na minissérie de 1987. Isso porque, na minissérie, eles fizeram o seguinte: no livro Anne de Avonlea, a personagem dá aulas à um pupilo chamado Paul, que lhe impressiona com sua imaginação e criatividade. Ele tem um pai, Stephen Irving, que está sempre longe e continua apaixonado por sua antiga namoradinha do colégio. 

Uma mudança desnecessária à trama
Até aí tudo bem! O problema é que, ao meu ver, resolveram mesclar a história e unir o útil ao (não tão) agradável, descartando Roy e colocando Morgan Harris como seu pretendente. Calma que explico: Paul "se torna" na versão de 1987 uma menina chamada Emmelinne Harris e seu pai, o mais velho Morgan Harris, que se apaixona por Anne. O telespectador fica quase em dois episódios na vida de Anne no internato/escola com a dinastia Pringle e nem a adição da personagem Katherine Brooke, vivida por Rosemary Dunsmore, ajuda a fazer com que você se envolva com essa parte da minissérie. 

Se os fãs dos livros de Anne de Green Gables reclamam das mudanças "mais sombrias" da série da Netflix, talvez se esqueceram das histórias recortadas na minissérie, que são um desserviço a narrativa simples mas cativante da vida de Anne Shirley.  O final da minissérie chega com uma satisfação, porque não se deriva muito do original (amém!) e nossos amados Gilbert e Anne ficam finalmente juntos. 

Por que não nos deixaram apenas com as duas primeiras versões (mesmo que os dois juntos sejam ótimos)?
É como respirar fundo depois de ficar afundando em horas de narrativas sem sentido em dois episódios anteriores (quem achou que era uma boa ideia toda essa história da dinastia Pringle assim mastigada sendo que Anne só ensina nesse internato depois de se formar?) que poderia ter sido evitado se seguissem com os livros na adaptação. A minissérie de 2000, a Anne de Green Gables: The Continuing Story então, se afasta COMPLETAMENTE dos livros colocando nosso casal favorito na Primeira Guerra Mundial. 

Kevin Sullivan, o produtor que trouxe Anne para as telinhas, fez um excelente trabalho com a minissérie de 1985, um médio em 1987 e um terrível trabalho em 2000. Se fosse encarado como uma minissérie à parte, funcionaria, mas ao continuar da onde a de 1987 parou, ela se torna um fracasso completo. 

Anne de Green Gables (1985, 1987, 2000), por fim, é aquela série nostálgica que você assiste com um sorriso no seu rosto, mas não é a versão definitiva dos livros embora chegue bem perto. A primeira minissérie se aproximou da perfeição e a segunda, apesar de se alongar e juntar três livros em uma série só, tem cenas memoráveis entre nossos protagonistas favoritos, mas a ganância de Kevin Sullivan não deveria tê-lo deixado fazer a versão de 2000. Nossa Anne e Gilbert favoritos (só meus? Tudo bem...) mereciam melhor!

                                     

Pontos positivos: as grandes atuações (em especial, Megan Follows, Jonathan Crombie e Collen Dewhurst), manter a narrativa fiel aos livros com a minissérie de 1985 que foi excepcional (menos os de 1987 e 2000), a construção do romance entre Gilbert e Anne e, por fim, o desabrochar dela em uma grande mulher.

Pontos negativos: A junção de três livros na minissérie de 1987 (com adição desnecessária de Emmmeline e Morgan Harris), a versão do ano 2000 (que não segue os livros) e as similaridades, nas telinhas, com As Mulherzinhas (especialmente no primeiro pedido de casamento de Gilbert para Anne na ponte).


Anne With An E (2017 -)

A série Anne With an E, ou apenas Anne no Canadá, estreou em 2017 e logo foi recebida com uma torcida de nariz dos fãs antigos da minissérie de 1985, que não achavam que esta versão conseguiria se igualar ao original. Pois ela não se iguala, exatamente por ir para uma direção completamente diferente da anterior.

A Anne nesta série não é a menina sempre alegre e otimista que os fãs e leitores estão acostumados. Ela sofre de estresse pós-traumático depois de enfrentar inúmeros abusos em casas em que ficava trabalhando, é muito mais sensível em questão ao sentimentos e de conseguir se abrir para as pessoas. Não é aceita de uma vez, de braços abertos por Avonlea, e demora até que Diana vire realmente sua "amiga do peito".

A atriz Amybeth McNult, foi escolhida especialmente pelos produtores da série assim como Megan Follows e se encaixa extremamente bem no papel, especialmente com a descrição no primeiro livro, no qual Anne não se considera tão bela quanto as outras amigas. Amybeth (que é uma jovem adorável!) não é de uma beleza dentro dos padrões da sociedade e quando interpreta uma Anne insegura, o telespectador consegue entender isso e admirar a personagem por sua língua solta, grande imaginação e charme. Seu talento também chama atenção e ela interpreta a personagem com uma força interna incrível.

Anne e Gilbert com muita química na nova versão também
Ao lidar com todos esses problemas, a Anne que conhecemos nos livros e na minissérie se torna mais densa e assim a série não é tão animada quanto poderia. Mas isso não é necessariamente um problema. Anne With An E tenta humanizar a fictícia Avonlea e trazer os personagens mais perto da realidade do telespectador, em 2018. Mesmo que nem sempre a série da Netflix seja bem-sucedida nesta tarefa.

Lucas Jade Zumann interpreta Gilbert Blythe nesta adaptação e é também um jovem talentoso. Ele se encaixa perfeitamente na descrição do livro de Lucy Montgomery sobre o personagem que o descreve como tendo: "olhos marotos e castanho-claros e a boca retorcida em um sorriso provocador". Lucas é um Gilbert para uma nova geração de garotas se apaixonarem e isso não é ruim! Mais pessoas podem descobrir a maravilha de Anne de Green Gables e "perfeição" de Gilbert. Mas Lucas, infelizmente, não traz a vulnerabilidade e doçura do Gilbert de 1985 e isso faz muita falta para quem já assistiu a minissérie ou leu o livro.

Outro porém é que em Anne With An E, Gilbert se impulsiona a fazer com que Anne o note simplesmente por ela dizer que não poderia falar com ele. No livro e na minissérie de 1985, essa cena funciona bem melhor: o jovem não consegue admitir que uma menina não lhe dê atenção. Assim, sua arrogância vai sendo aos poucos desconstruída por sua convivência com Anne, algo que não acontece na série de 2017! Nela, Gilbert é caridoso, bondoso e não conseguimos entender a relutância da ruivinha, que uma hora age apaixonada e na outra parece odiá-lo de novo. No livro e na minissérie de 1985, o amor entre eles desabrocha de uma maneira mais orgânica (isso pode mudar, afinal a série ainda tem tempo para focar nesse romance).

A história de Gilbert, aliás, muda na série: seu pai morre logo na primeira temporada e o personagem decide viajar ao mundo para conhecer mais sobre si mesmo. No meio do caminho, trabalhando em barcos, ele faz amizade com Sebastian, vivido de forma impecável por Dalmar Abuzeid, um jovem negro que sonha em firmar uma vida além do trabalho braçal para os outros. A adição de diversidade em Anne With an E é muito bem-vinda e lidar com o assunto do racismo é essencial. Além disso, a série lida com sexualidade, feminismo e homofobia, o que torna o mundo de Anne, que nos livros é extremamente idealizado, mais multifacetada e também mais real.

Diversidade é um grande trunfo em Anne with An E, mas poderia ser melhor trabalhado
A série quer educar o telespectador sobre esses assuntos, o que a produtora Moira Walley-Beckett (da série Breaking Bad) já admitiu ser um de seus objetivos, e isso é válido para trazer novos valores para as crianças que assistem Anne With an E, desconstruindo os preconceitos dos telespectadores no processo.

O único problema é a forma como Moira insere esses importantes assuntos na série: é tudo de uma vez, preto no branco, de uma forma em que não abre debates para conversar sobre o que é exposto e desconstruir, aos poucos, os preconceitos apresentados. Um exemplo: na segunda temporada, quando Diana Barry (Dalila Bela) descobre que sua tia Josephine Baker é homossexual, ela fica chocada e chateada (afinal ela foi criada em um lar bem tradicional) e quando ela expõe sua preocupação para Anne e Cole (Cory Grüter-Andrew), que também se descobre homossexual,  eles dizem: "Não deveríamos ficar feliz por ela ter achado alguém que a fez se sentir bem?" e "Existem tantas outras possibilidades [de amor], não deveríamos ficar felizes?" ao que Diana se cala.

Sim, a lição é válida e completamente verdadeira, mas não vemos como Diana lida com isso e como ela aprende a entender uma realidade que não é a sua, vemos apenas o começo e o fim de sua resolução. Isso porque, já no próximo episódio Diana aparece totalmente à vontade com a revelação e o telespectador não vê o processo pelo qual ela passou para entender isso. Preconceitos demoram para serem desconstruídos, requerem disposição, ensinamento e uma mente aberta, e a série Anne With An E se beneficiaria e muito ao mostrar as etapas da desconstrução dos preconceitos e mostrar que, leva tempo, mas não é impossível (algo que fez muito bem, por exemplo, com a chegada da moderna professora Miss Stacey ao mostrar o processo de aceitamento da vila com a forasteira). A série se beneficiaria em mostrar, também, como ações e não só palavras podem desconstruir preconceitos e como se chega à essa conclusão, sem simplesmente dar uma resposta pronta para sua audiência. Mas essa é apenas uma sugestão de uma telespectadora assídua da série.

Anne With an E, aliás, poderia em desmembrar os preconceitos, pouco a pouco, e mostrar como, no fundo, são tão banais que nenhuma sociedade, em qualquer época, poderia sequer pensar em mantê-los ativos. A história de Sebastian, por exemplo, exemplifica isso, especialmente quando vemos sua mãe e como ela ainda luta contra o racismo, a escravidão e o preconceito e o que pode ser feito, estruturalmente para acabar com isso. Um passo de cada vez. Mas importantes e necessários.

Matthew e Marilla 
Um trunfo da série Anne With An E, no entanto, foi o aprofundamento da relação de Anne com Matthew, vivido aqui por R.H Thompson. Nesta adaptação, Matthew continua tímido e introspectivo, mas o telespectador vê mais da interação dele com os habitantes de Avonlea, a forma com a qual ele ama Anne e sua irmã Marilla e como faz de tudo para protegê-las. Assim, Matthew ganha maior destaque e um enredo só dele, fazendo com que se torne um dos personagens mais amáveis da nova versão de Anne.

Geraldine James é outra joia no elenco, ao interpretar a dura mas lá no fundo, amável Marilla. Ela exibe mais suas vulnerabilidades, diferente da Marilla de Colleen, o que se afasta um pouco da personagem dos livros. Contudo, Geraldine transforma a personagem com uma atuação própria, o que deixa pouco para lhe comparar com a da versão de 1985. Uma decisão sábia ao dar seu toque na série.

Outro ponto forte da série é que em Anne With an E, o telespectador consegue saborear mais a imaginação fértil de Anne, que a cada episódio começa com alguma das aventuras ou ideias da ruivinha, que dão ou não certo. A adição e o aprofundamento de personagens como Cole (apesar de usar o estereótipo de menino sensível e artista como sendo pistas de que seria homossexual),  Sebastian, o ajudante Jerry (Aymeric Jett Montaz), e de Jeannie (Brenda Bazinet) deram maior dimensão para o universo de Anne e dos personagens, já fixados nele e abrem um leque de possibilidades animador.

Algumas inserções na narrativa de Anne With An E como o corte de cabelo de Anne (que ficou bem mais realista após a tintura) e o vestido de mangas bufantes foram feitas com maestria (e melhor do que na minissérie), enquanto outras como a lousa sendo esbofetada em Gilbert (em uma forma mais violenta do que engraçada) e a morte de John Blythe (pai de Gilbert), mudam um pouco da essência e naturalidade dos personagens que já conhecemos.

Anne With An E já foi renovada para uma terceira temporada, que estreia em 2019 na Netflix, e continua a unir a realidade do telespectador com a nostalgia de Anne de Green Gables, mostrando que a esperança pode existir até nos momentos mais difíceis.

Nem sempre a série acerta com a dosagem entre a ingenuidade do mundo de Anne e a crueldade do mundo real, mas a alma da nossa ruivinha favorita está, definitivamente, nessa versão e merece ser assistida, mesmo que você ainda ame a minissérie de 1985. Como telespectadora da série também, tenho fé que ela consiga acertar essas arestas ao decorrer das temporadas. E se não, bom ainda temos uma Anne para amarmos, independente de suas mudanças.
                                       

Pontos positivos: a escalação de Amybeth e de R.H Thompson nos papéis,  a adição de novos personagens como Sebastian e Jerry (que já existe no livro Anne de Green Gables, mas sem aprofundamento como na série), a intenção de trazer assuntos atuais como feminismo e sexualidade ao mundo de Anne (mesmo que nem sempre seja bem-sucedido) e a positividade de Anne até nos momentos mais sombrios, que é incrivelmente admirável e inspirador.

Pontos negativos: Na série há sempre um ponto de ação (sem um momento de monotonia como acontece em cidades pequenas ou de lidar com coisas banais do dia-a-dia) que se diverge muito da extraordinária simplicidade de Avonlea dos livros.  Poderia tratar com mais profundidade, desmembrando pouco a pouco (sem o modo didático demais) os preconceitos e assuntos como sexualidade e LGBTQfobia. Muitas vezes a série fica com uma atmosfera contemporânea demais e isso tira um pouco o encanto de Green Gables, que é descrita quase como um sonho nos livros.



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