O filme Em Compasso de Espera (1973) é construído de tal maneira que, a cada cena, temos uma nova situação do racismo sendo lidada pelo protagonista Jorge, vivido pelo ator e cineasta Zózimo Bulbul. Quer um exemplo? Logo no primeiro lance do filme vemos Jorge com dois adolescentes, filhos de sua chefe Ema, interpretada por Elida Gay Palmer, que pedem para que ele vá embora da praia porque pega mal para eles serem vistos com um negro.
Soa como um absurdo? Pois prepare-se: a partir daí as situações de racismo ficam cada vez piores, ainda mais quando Jorge se apaixona pela branca Cristina, vivida por Renée de Vielmond, da qual a mãe quando vê os dois juntos em um restaurante, exclama: "Não acredito que você se rebaixou a tal ponto e começou a sair com negros."
A cena de clímax do filme na praia, então, é de cortar e indignar qualquer coração.
A cena de clímax do filme na praia, então, é de cortar e indignar qualquer coração.
Divulgação/Gif |
De acordo com o autor João Carlos Rodrigues, escritor do livro O Negro Brasileiro e o Cinema, o filme é uma "obra importante sobre o negro brasileiro e sua cultura."
Compasso de Espera (1973), aliás, foi filmado em 1969, mas só estreou nos cinemas quatro anos depois, engolido pela popularidade das pornochanchadas, recebendo exibições maiores em cinemas nacionais apenas em 1976. A crítica, no entanto, amou o filme, que foi um dos primeiros a tratar do assunto do racismo velado no país com tanta ênfase, considerando-o de extrema importância para a cultura do país.
O filme Compasso de Espera (1973) conta a história de Jorge, um negro dividido entre os mundos dos negros e dos brancos. Ele teve a sorte de ser apadrinhado por um homem branco rico, que o ajudou a se dar bem na vida profissional. Publicitário, ele lança seu segundo livro de poesias com muito sucesso e conhece uma moça branca chamada Cristina, por quem ele se apaixona perdidamente, apesar de estar em um relacionamento complicado com sua chefe, Ema, uma mulher branca mais velha.
Pouco a pouco, Jorge vai percebendo que não pertence à nenhum dos dois mundos: seus amigos negros, interpretados por Antonio Pitanga e Rosa Maria, e sua família, em especial sua irmã, consideram que ele deu às costas às suas origens enquanto que, seus conhecidos brancos desejariam que ele fosse, no exterior, mais como eles, ou seja, branco.
O filme foi lançado quatro anos depois de sua filmagem, em uma justificativa que o diretor Antunes Filho, em seu primeiro esforço cinematográfico, confessa que foi pelo fato do filme ser em preto e branco:
Zózimo Bulbul, no entanto, conta em entrevista em 1988 replicada na revista Crioula da USP em 2012, que o culpado foi a ditadura brasileira, que não admitia que existia preconceito racial no Brasil:
Vale lembrar que o drama de Jorge que namora com uma mulher branca no filme é bem próximo da vida real de Zózimo, que ficou casado até sua morte em 2013 com a figurinista Biza Vianna. Os dois, inclusive, criaram o Encontro de Cinema Negro do Brasil, África e Caribe, que exibe filmes de cineastas negros no Rio de Janeiro.
Por si só, Zózimo Bulbul foi um grande benfeitor do cinema e da televisão negra no Brasil: foi o primeiro negro a se tornar protagonista de novela em Vidas em Conflito da TV Excelsior em 1969, além de dirigir filmes como Abolição (1988) - disponível na íntegra pela internet - e o curta-metragem Alma no Olho (1974).
No entanto, quem dirigiu o filme Compasso de Espera (1973) foi um diretor branco, o Antunes Filho. Ele já afirmou que o assunto da questão racial lhe interessava muito e que procurou conversar com atores e realizadores negros para ter maior propriedade para falar sobre o assunto. Foi assim, segundo a revista Crioula da USP, que Zózimo se envolveu no projeto do filme, ao contar sobre sua má-experiência como produtor no cinema:
O diretor, aliás, conta em entrevista à Noel Carvalho no XXIX Encontro Anual da ANPOCS, que a teoria de Florestan Fernandes de que apenas teríamos uma democracia quando houvesse igualdade racial no Brasil foi um grande estopim para o seu filme:
É por isso, aliás, que Antunes Filho revelou que o filme é todo carregado pelo diálogo:
O filme foi muito debatido pela sociedade negra. Em matéria do Jornal Brasil em 1976, intitulado A Xilogravura Interracial em Compasso de Espera, o cineasta Sérgio Santeiro disse que ficou chocado ao constatar que Zózimo Bulbul especialmente, já que o processo de dublagem no cinema brasileiro daquela época era padrão, havia sido dublado por Roberto Maia, um dublador branco. Segundo ele, era
Antunes também fez questão de afirmar que seu propósito não era encontrar uma solução para esse problema do preconceito através de seu filme e sim "colocar e discutir."
Mesmo assim, os telespectadores negros da época não deixaram barato. Afirmaram que existe sim racismo no Brasil e questionaram a escolha de Zózimo Bulbul como protagonista, perguntando por que não foi escolhido um negro da favela, além de afirmarem que o diretor não tinha a propriedade de tratar de um assunto negro, sendo que ele era branco e assim não poderia entender o que se passava com eles.
Antunes, no entanto, quis deixar claro que seu intuito era começar o debate:
Apesar de alguns percalços no meio do caminho, Compasso de Espera, há mais de 40 anos depois de seu lançamento, continua mais atual do que nunca. Infelizmente.
Compasso de Espera (1973), aliás, foi filmado em 1969, mas só estreou nos cinemas quatro anos depois, engolido pela popularidade das pornochanchadas, recebendo exibições maiores em cinemas nacionais apenas em 1976. A crítica, no entanto, amou o filme, que foi um dos primeiros a tratar do assunto do racismo velado no país com tanta ênfase, considerando-o de extrema importância para a cultura do país.
O filme Compasso de Espera (1973) conta a história de Jorge, um negro dividido entre os mundos dos negros e dos brancos. Ele teve a sorte de ser apadrinhado por um homem branco rico, que o ajudou a se dar bem na vida profissional. Publicitário, ele lança seu segundo livro de poesias com muito sucesso e conhece uma moça branca chamada Cristina, por quem ele se apaixona perdidamente, apesar de estar em um relacionamento complicado com sua chefe, Ema, uma mulher branca mais velha.
Pouco a pouco, Jorge vai percebendo que não pertence à nenhum dos dois mundos: seus amigos negros, interpretados por Antonio Pitanga e Rosa Maria, e sua família, em especial sua irmã, consideram que ele deu às costas às suas origens enquanto que, seus conhecidos brancos desejariam que ele fosse, no exterior, mais como eles, ou seja, branco.
Uma das melhores cenas do filme, no qual sua irmã Zefa confronta o novo jeito de ser de Jorge Divulgação |
Se o filme foi rodado em preto e branco e por causa disso entra na ronda da discriminação regida por alguns exibidores, não foi somente por exigências orçamentárias. Houve sobretudo uma opção determinada pelo tema e, também, por que não, por razões estéticas. - em entrevista para o jornal Diário de Pernambuco em 1972.
Zózimo Bulbul, no entanto, conta em entrevista em 1988 replicada na revista Crioula da USP em 2012, que o culpado foi a ditadura brasileira, que não admitia que existia preconceito racial no Brasil:
Mandamos pra censura no final de 70. Veio a ameaça de prisão. Diziam que no Brasil não tinha preconceito racial. Eu fui enfrentar o negócio para ver até onde ia. 1971, 1972, 1973 eu consegui que o Afonso Arinos assistisse ao filme no Cinema Um, aqui no Rio de Janeiro, numa sessão à meia-noite. Ele e o pessoal do Pasquim. Fiz uma seção privada para eles. Eu disse que o ministro Falcão implicou com o filme, mas o filme já tinha passado pelo SNI, pelo serviço secreto do Exército. Cada vez que a gente ligava para Brasília, para saber onde estava o filme, ele estava numa instância não se sabe onde.
Renée e Zózimo no set de filmagem de Compasso de Espera USP/Revista Crioula |
Por si só, Zózimo Bulbul foi um grande benfeitor do cinema e da televisão negra no Brasil: foi o primeiro negro a se tornar protagonista de novela em Vidas em Conflito da TV Excelsior em 1969, além de dirigir filmes como Abolição (1988) - disponível na íntegra pela internet - e o curta-metragem Alma no Olho (1974).
No entanto, quem dirigiu o filme Compasso de Espera (1973) foi um diretor branco, o Antunes Filho. Ele já afirmou que o assunto da questão racial lhe interessava muito e que procurou conversar com atores e realizadores negros para ter maior propriedade para falar sobre o assunto. Foi assim, segundo a revista Crioula da USP, que Zózimo se envolveu no projeto do filme, ao contar sobre sua má-experiência como produtor no cinema:
Fui jantar um dia e estava contando essa história para o Antunes Filho. Ele me disse: 'Cara, é perfeito esse negócio. Eu estou com um roteiro aqui. Vamos sentar. Vamos ler esse roteiro.' Conseguimos algum dinheiro e fizemos um filme chamado Compasso de Espera, em 1970. Esse filme ficou pronto, também em 1970. É um filme em preto-e-branco. Eu descobri Renée (a Cristina do filme), um dia no meio da rua.
O diretor teatral Antunes Filho em seu primeiro e único filme para o cinema Divulgação |
É o único filme brasileiro que tenta, de maneira acertada ou não, colocar em questão o negro de verdade, sem fazer folclore. (...) Me interessava por esse problema. Como colocar o problema. Eu tinha questões muito bonitas, questões profundas que o Florestan Fernandes tinha colocado e que me influenciaram muito. (...). Me baseei muito em Florestan Fernandes. (...) E eu acabei mexendo com um certo problema que não interessava mexer, que é o problema do negro."Voltando ao filme, fica claro perceber Jorge está em uma encruzilhada desde o início: um negro com um maior nível de educação, em uma elite "superior" à que nasceu, ele teve inúmeros privilégios que seus amigos nunca tiveram. Isso não significa, no entanto, que seria aceito pelos seus padrinhos e pelo mundo branco que habita: ele ainda é negro, ainda sofre racismo, não importa seu nível na escala social.
É por isso, aliás, que Antunes Filho revelou que o filme é todo carregado pelo diálogo:
A verborragia é qualidade negativa de uma geração em crise, que não podendo ou não conseguindo agir, deitava falação pelos botequins da vida." Isso exemplifica muito bem a personagem de Zózimo Bulbul: ele deixava que os outros destilassem o preconceito nele e não revidava, apenas falando do preconceito ao invés de lutar contra ele, com medo de perder sua posição na sociedade em que se encontrava. - em entrevista ao Jornal do Brasil, 1976.
O filme foi muito debatido pela sociedade negra. Em matéria do Jornal Brasil em 1976, intitulado A Xilogravura Interracial em Compasso de Espera, o cineasta Sérgio Santeiro disse que ficou chocado ao constatar que Zózimo Bulbul especialmente, já que o processo de dublagem no cinema brasileiro daquela época era padrão, havia sido dublado por Roberto Maia, um dublador branco. Segundo ele, era
Uma expressão verbal de um branco na pele de um negro e isso me chocou.Antunes Filho, no entanto, foi rápido ao refutar essa ideia, revelando que Zózimo estava ocupado com outras filmagens e não pode participar da dublagem, coisa que era essencial para o filme e a personagem que, segundo o diretor, "era de um português empolado, intencional, o que representa a defesa de um personagem inseguro, marginalizado que não se lança à ação e engana à si mesmo."
Antunes também fez questão de afirmar que seu propósito não era encontrar uma solução para esse problema do preconceito através de seu filme e sim "colocar e discutir."
Mesmo assim, os telespectadores negros da época não deixaram barato. Afirmaram que existe sim racismo no Brasil e questionaram a escolha de Zózimo Bulbul como protagonista, perguntando por que não foi escolhido um negro da favela, além de afirmarem que o diretor não tinha a propriedade de tratar de um assunto negro, sendo que ele era branco e assim não poderia entender o que se passava com eles.
Divulgação |
Este filme é um dos poucos do terceiro mundo a tentar um levantamento sociológico do negro não escravo, vivendo em uma sociedade industrial, capitalista e sofisticada. Revela a doença de uma geração insegura, com personagens que estão sempre no papel de quem se justifica, pede desculpas e o que é pior, se engana com as palavras. - Jornal do BrasilJorge é realmente só palavras, apenas mudando seu discurso no final, disposto a quebrar as correntes que o prendem a sociedade branca elitista. Mas até isso vem com seu preço, mostrando que não importa como o negro queira superar o preconceito e o racismo, as barreiras eram ainda intransponíveis.
Apesar de alguns percalços no meio do caminho, Compasso de Espera, há mais de 40 anos depois de seu lançamento, continua mais atual do que nunca. Infelizmente.
Olá, gostaria de saber qual a referência das falas do Zózimo Bulbul?
ResponderExcluirAbraço
Olá, Rafael, tudo bom?
ExcluirAs falas de Zózimo foram retiradas da revista da USP, Crioula, que é uma publicação científica dos alunos de Letras! Aqui está o link: http://www.periodicos.usp.br/crioula/article/viewFile/57858/60904 que também creditamos na matéria!
Muito obrigada por nos escrever e desculpe a demora! Abraços e volte sempre!