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Um papo com Agles Steib

 O home office me tornou uma noveleira de carteirinha! A última novela que havia assistido foi em 2007, quando odiei o final de  'Pé na Jaca', da TV Globo, e prometi que nunca mais veria outro folhetim. Chega 2020 e, com ela, a pandemia da Covid-19. Trabalhando de casa, me rendi ao canal Viva e todas as suas séries e novelas. 

Em 2023, ainda no esquema home office, peguei a reprise de 'Senhora do Destino' e comecei a seguir Agles Steib no Instagram. Assim, surgiu a oportunidade de conversar com ele, que interpretou Maikel Jackson das Neves, filho de Rita de Cássia - grande papel de Adriane Lessa - na novela. Aos 40 anos de idade, nascido em 9 de agosto de 1983, o ator está cada vez mais focado em voltar com tudo para as telinhas, buscando papeis desafiadores. 

Conversamos por vídeo e pude perceber como ele estava feliz de falar sobre seus projetos. Morando atualmente no Rio de Janeiro, onde nasceu, Agles vive uma renascença em sua carreira. Participando da série 'Use Sua Voz', da HBO Max como advogado, ele compartilha alguns vídeos de bastidores em seu Instagram, extremamente orgulhoso e aproveitando para divulgar todo o seu talento. 

Agles Steib                                                 Reprodução/Arquivo Pessoal

Agles Steib é seu nome artístico - o sobrenome é em homenagem à um de seus padrastos, que o ajudou financeiramente: "Ele ajudou a minha mãe quando eu era pequeno. Morei na Suíça aos 12 anos de idade, então ele foi um camarada que ajudou muito a minha família e sou muito grato. Por isso coloquei em homenagem a ele". O nome verdadeiro de Agles, uma junção do nome do pai dele e da mãe, é Agles Barbosa Barros. 

A carreira do artista começou, inclusive, através da mãe, Leonete Carol, que trabalhava como maquiadora na extinta TV Manchete. O pai dele era da área militar. Depois, Leonete migrou como freelancer para a TV Globo: "Ela me incentivou desde pequeno, eu a acompanhava nas festas artísticas e isso foi me inspirando. Eu resolvi estudar, meter a cara nos estudos e hoje em dia, graças a Deus, sou essa pessoa guerreira e trabalhadora. Que valoriza a carreira e desde pequeno eu me inspiro em artistas como Charlie Chaplin, Grande Otelo, Oscarito". Agles é tão fã de Chaplin que, em 2004, escreveu um curta metragem chamado 'Chaplin Brasileiro', que contou com a presença de Stepan Nercessian e o filho, Pedro. 

A carreira de Agles iniciou-se como comediante, disputando alguns festivais e investindo em um tipo de humor "mais escrachado e corporal". O ator, atualmente, visa a direção, para produzir as próprias ideias e seus trabalhos: "Ganhei o prêmio de Melhor Direção, fui premiado com Raticidas, eu satirizei com mensagem de paz, mas era uma comédia. Tive o Ireneu de 'Sai da Porta Deolinda'. Eu vim do mundo clown, dos espetáculos". 

Agles em 'Sai da Porta Deolinda' 

Além de atuar nas quatro esferas da atuação: cinema, teatro, televisão e publicidade, Agles também se aventurou na dublagem e pensa em voltar para essa área no futuro. "Tenho vontade de fazer dublagem, adoro um desenho animado, acho que futuramente...a dublagem é difícil porque exige que o ator leia muito, tem que ler, com o tempo, seguir tudo certinho. Tem a coisa da expressão labial, mas eu almejo sim, tudo que leva a arte, a interpretação eu quero fazer". 

Em 2017, Agles criou a 'Steib Produções', na qual produziu diversos tipos de filmes, curtas e esquetes, porém ele enfrentou problemas com a chegada da pandemia da Covid-19: "Eu tive uma queda na pandemia com a produtora. Fiquei ruim financeiramente, fiquei sem trabalho, sem dinheiro, mas graças a Deus hoje tem dois meses que eu atualizei, estamos voltando. Vamos voltar a fazer curta metragens. Deus me devolveu a produtora e estamos planejando novos caminhos". O artista aproveitou para me contar sobre o seu futuro filme 'Magarça', que fala sobre os centros de recuperação no Rio de Janeiro. 

"É um documentário, estou roteirizando ainda. Ganhamos prêmio de Melhor Roteiro e Melhor Ator com um média metragem chamado 'Cidade Refúgio', um filme que eu tenho diversas parcerias. Magarça é uma continuação, mostrando a obra dos missionários que combatem a marginalidade espiritualmente, sem violência", afirmou Agles - que se preocupa com o viés social em todos os seus projetos: "Eu vou legendar, vai para festivais". 


Cristão, Agles também faz esquetes voltadas para esse público, porém acredita que a arte deve ser universal: "Arte é arte, não misturo a religião com a minha obra. (...) Eu acho que sou um camarada que o ser humano não tem o poder de querer consertar as pessoas, só Deus conserta as feridas da alma. Acho que a violência deve ser combatida com amor, não violência com violência". 

Confortável em nosso bate-papo, aproveitei para perguntar sobre a passagem dele pela Bolívia. Em 2021, ele foi para lá e ficou quase um ano, em busca de novas oportunidades: "Acabei indo pra lá, tentei algumas coisas, fiz testes de produção e trabalhei com restaurante, a grande verdade é que fui tentar algo fora. Eu tinha alguns familiares perto do Acre e fui pra lá, queria conhecer Peru, fiquei por um ano, mas não deu nada certo. Nada como eu esperava. Para viajar você precisa ir calçado, não é chegar só". 

Pergunto se ele conseguiu algum teste e ele confirma que sim, mas nada que vingou. Em entrevista para a revista Quem, no ano passado, Agles dividiu momentos tensos que passou no país: "Fui comprar um refrigerante para o Ano Novo e já tinha passado da hora que o comércio fecha por lá. O taxista viu que eu não falava muito bem espanhol e me indicou um mercadinho, falou: 'ali vende tudo'. Chegando lá, tinham mais de 20 pessoas que começaram a passar a mão em mim, e era um assalto. Levaram meu celular, minha carteira, tudo. Lá é um país perigoso, sem falar que ainda tem desaparecimento de pessoas para o tráfico de órgãos". O dinheiro que ele conseguia lá mal dava para sustentar as filhas dele Mariana, de 17 anos, e Maria Luiza de 6. 

Em 2022, ele tentou voltar para a Bolívia novamente e ficou cinco dias incomunicável - o que gerou diversas manchetes no Brasil. O ator voltou são e salvo para casa e tirou, dessa experiência, ainda mais fôlego para continuar com sua arte no nosso país. 
  
Mas estamos nos adiantando, afinal o começo da carreira de Agles é essencial. Ele participou de 'Linha Direta' e essas esquetes foram os primeiros papeis dele na TV Globo. O artista é bastante grato a produtora Malu Fontenelle, que ainda o chama para diversos trabalhos: "Era a escola de atores da TV Globo. A emissora tinha a Oficina da Globo, de atores que iria lançar. Mas só tinha os camaradas de olhos azuis e nunca fiz parte disso. Então eu fazia coisas mais no estilo Linha Direta, eu fiz 20, e foi ali que comecei a exercer e me deu segurança. O Fred Mayrink foi um cara que me ajudou muito, aprendi e futuramente fiquei mais bonitinho e a Globo me colocou para fazer um galã negro em Tecendo o Saber e como Maikel na 'Senhora do Destino'". 

Agles foi bastante solícito em nosso bate-papo            Reprodução/Arquivo Pessoal

Agles participou três vezes de 'Malhação' - em 1995, 2007 e 2011 - e a primeira vez esteve presente como elenco de apoio, depois como personagem e em 2011, como um traficante de drogas. Atenta, volto à conversa sobre galãs e pergunto sobre o preconceito inerente na TV, no qual protagonistas negros são escassos, algo que Steib confirma: "Depois que fiz Maikel Jackson e me deram uma namorada, que era a Bianca Comparato, a Globo me colocou como galã no 'Tecendo o Saber', no canal Futura, fiz par com a Aline Aguiar. Mas depois que cresci na academia, eles me deram perfis mais casca grossa, rústica e comecei a fazer personagens mais macabros". 

"O negro, em si, na teledramaturgia, não foge dos biótipos dos personagens. Um parâmetro que segue a sociedade porque a sociedade é tão preconceituosa quanto isso. A teledramaturgia ainda não alcançou o universo igual dos Estados Unidos, que tem seriados negros. Ainda está fraco, tem poucos personagens para negros", continua Agles, deixando sempre claro o quanto é grato pelo seu tempo na TV Globo: "Fui muito bem aproveitado lá".


Para Agles, a separação racial é real e existe, mas isso não deveria ocorrer em um mundo ideal, em especial por ele ser cristão. Indago se ele sempre foi religioso ou se teve um 'estalo' em sua vida, ao que ele abre o coração: teve uma depressão ao se ver envolvido no sucesso artístico. 

"Eu relato até no meu documentário sobre a minha vida, eu acho que o ator, essa profissão é glamourosa e delicada também, porque envolve o psique, a alma e não é uma profissão normal. Não é só isso, a arte de atuar vai muito além, você vive outra pessoa. Eu falo para aqueles que vivem mesmo o personagem e não aqueles que usufruem como uma diversão", admite Agles, que é à favor de apoio psicológico para atores: "Os atores novos se não tiverem essa preparação, não vão entender essa metamorfose, esses altos e baixos. É uma profissão disputada e confesso que hoje sou um campeão, então quando ele perde não aceita aquilo. Fiquei muito doente e me encontrei na religião, Jesus Cristo me deu uma vontade de crescer". 

Após 'Senhora do Destino', ele entrou em uma depressão e encontrou vontade de viver graças à encontrar Jesus em sua vida. "É uma profissão delicada e que exige terapia, o que exige o sucesso e como ficar ali. Nem todo mundo fica no sucesso por muito tempo, vai e volta e o artista precisa de alguém para direcionar isso. E isso não existe na nossa carreira", volta a frisar Agles, pedindo que a obrigatoriedade de psicólogos para atores fosse destaque em nossa matéria: "Deveria ter no contrato, no de cantor e o jogador de futebol também". 

Agles em 'Senhora do Destino'

A conversa com Agles, é óbvio, logo volta para 'Senhora do Destino' e seu personagem Mikael Jackson, filho de Rita, papel de Adriana Lessa, e irmão de Lady Daiane, vivida por Jéssica Sodré. Fico curiosa e indago se, na época do sucesso da novela, um psicólogo teria o ajudado. Ele me responde sem dúvidas: "Mas na época eu fui impulsionado, fui no fervor e no calor do sucesso e não me tencionei. Mas hoje eu tencionei e tenho diversos amigos, o Wilson do Cine Chance que está me levando para o meio artístico de novo. Eu sinto, hoje, essa necessidade. Posso entrar e sair tranquilo, mas antigamente por viver diversos personagens, na minha fraqueza, aquilo vem naturalmente e não entendia. O ator às vezes começa a pirar". 

Entusiasmado com o personagem Maikel Jackson, por ser fã do músico, Agles estava focado, de todo o jeito, para que o papel fosse seu: "Eu sempre fui apaixonado e quando a produtora de elenco Elaine Macedo me chamou pro teste de elenco, eu queria muito fazer. O Mikael Jackson teve um grande sucesso e a Susana Vieira me ajudou muito. Tanto que o próprio Michael acabou me conhecendo. Foi uma homenagem". Ele disputou o papel com mais de 2 mil atores negros e, na primeira vez, errou por conta do nervosismo. No segundo teste, com a ajuda de uma coach, ele foi muito bem e ficou na final, fazendo o teste de família. 
"Todos estavam com cabelo raspado e eu estava com cabelão, estilo americano. No Projac, queria falar com o Wolf Maya, eu queria até dormir lá. Quando cheguei, eles me diziam que ele não iria falar comigo, mas o encontrei sozinho no corredor e ele falou que eu estava muito 'branco' para o personagem e eu tomei um sol e voltei no Projac, sem conseguir encontrá-lo. Lá, eu vi um rapaz negro e ele me disse que fez o teste do Mikael Jackson e encontrei uma fila imensa. Fiz meu quarto teste, estava no final da fila e foi o último a fazer. Falei com a Elaine e fiz a audição, pedi uma força para Deus e não errei nada. Chegando no final, ela me disse: 'Quem sabe os últimos não serão os primeiros?'. Foi um grande presente de Deus, mudou a minha vida".  - afirma Agles sobre Senhora do Destino. 
Agles ao lado de Adriane Lessa e Jéssica Sodré                            Reprodução

Aos 20 anos de idade quando 'Senhora do Destino' estrelou, Agles jurava que estava fazendo o maior sucesso e, para testar sua popularidade, foi na balada: "Botei a bandana, que foi algo que eu coloquei pro personagem e quando eu cheguei, ninguém me reconheceu. Passava uma semana e nada. Uma vez eu tinha uma assessora que me falou de um desfile em Caxias e pediram pra mim e Jéssica ir lá. Fui desanimado, mas quando desci do carro, o pessoal da escola começou a gritar 'Agles'. O segurança teve que nos colocar em uma salinha porque era muita gente. Eu vi ali o poder da teledramaturgia e isso me deu uma base, isso foi algo fabuloso, em especial por ser parte da segunda família negra da novela no Brasil". Todos os atores mantém uma boa relação e percebi, em nossa conversa, o quanto Agles se sentia orgulhoso desse personagem tão querido. 

A maior paixão do artista é a atuação e, é exatamente por isso, que ele valoriza todos os tipos de trabalhos. Ele, inclusive, participou do longa-metragem polêmico, 'Turistas' de 2006, dirigido por John Stockwell. O filme trata sobre um esquema que ocorre no Brasil, no qual gringos são sequestrados e seus órgãos roubados. Na ocasião da estreia, diversos atores brasileiros se arrependeram de participar. Marcos Rangel, um dos atores, chegou a descrever a experiência como "desespero".

Esse não foi o caso de Steib, que interpretou Kiko ao lado de atores como Josh Duhamel e Olivia Wilde, que explica: "Foi uma oportunidade fabulosa. Um trabalho foi chamando o outro e acredito na lei da atração. Alguns americanos vieram aqui fazer um teste e existia um brasileiro, Raul Guterres, foi uma ligação do cinema internacional e nacional. Foi através dele que vieram os Mercenários, Velozes e Furiosos e alguns disseram que o filme seria algo ruim para o Brasil. E não foi isso, o diretor até ficou chateado que eu não me manifestei à favor, mas a produtora Europa Filmes não deixou por causa desses atores porque criaria um movimento e o filme não passaria aqui". 

Agles e Melissa George no filme 'Os Turistas'                         Reprodução

"Com os Turistas, eles vieram e fizeram o teste. Milhares de atores, eu fiquei na final com Jonathan Haagensen, de Cidade de Deus. Foi um filme muito disputado e me dei bem porque estudei em uma escola americana aqui no Rio e gostaram do meu sotaque. O diretor se amarrou na minha e me chamou, o que foi um grande presente. Essa coisa da lei da atração acredito, isso é bíblico, eu atrai e consegui fazer um filme americano", contou ele, falando também de sua experiência ao atuar em outro filme americano, o Lilyhammer 3: "Foi uma maravilha, mas eu já tinha sido convidado. Foi agora, depois de mais velho". 

Pergunto sobre a experiência de participar dos 'Turistas' e Agles se anima ainda mais ao falar sobre esse momento em sua vida: "Eu viajei para Bahia, São Paulo, e o plano da minha carreira era sair do Brasil. O Raul Guterres, que lançou Rodrigo Santoro, também iria me levar pra esse lado, mas acabei não indo. Por causa da questão do Brasil, eu não pensei alto e se eu pensasse como hoje, teria feito. Talvez não era pra mim", admitiu ele, que diz já ter conhecido Rodrigo Santoro - e até atuou com ele: "O Rodrigo é muto legal, muito humilde e aprendi muito com ele. Ele tem uma carreira centrada e teve esse acompanhamento. A carreira internacional, ainda não chegamos nesse patamar. Os atores de fora ganham mais e têm um acompanhamento esplêndido, certinha". 

Apesar de tantas experiências incríveis, Agles diz que, de todos os papeis que interpretou, Mikael Jackson está em seu coração: "A lei da atração...eu escutava música do Michael Jackson desde pequeno, essas coisas clássicas. Foi algo muito bacana e tinha fãs que me chamavam de Mikael". Pai, ele admite que as filhas não querem atuar e a mais velha pensa em ser médica - porém ele frisa que não as impediria de serem artistas se, um dia, quisessem. 

Agles com a mãe e a filha mais velha             Reprodução

Papo vai, papo vem, falamos sobre oportunidades na carreira e eu faço a pergunta do momento: ele prefere o novo tipo de contrato por obra da TV Globo? Agles, que saiu da emissora em 2009, garante: "Prefiro por obra porque, o meio de comunicação está tão grande, existem outros canais. Com a vinda da Netflix, de outros canais, acho legal a oportunidade para outros atores. A Globo é uma grande emissora, mas tem novas oportunidades"

Agles não está parado e já está com outros papeis engatilhados - mas pede que não sejam divulgados por enquanto. O que ele me permitiu revelar, eu descrevo a seguir: em janeiro de 2024, em data a definir, ele lançará seu primeiro livro, intitulado 'Provérbios Contemporâneos dos Sábios' com mais de 700 frases de autoria própria: "Estamos preparando a capa, falta pouco, corrigindo algumas coisas. Eu fiz uma frase que o 'sucesso é como fogos de artifício, você acende e ele estoura'". Formado em cinema pela Estácio, Agles conseguiu diversos contatos na faculdade e mantém as conexões antigas e novas, em especial na Globo que ele considera "família". 

Durante a pandemia da Covid-19, Steib trabalhou em diversas áreas e sem qualquer vergonha de admitir: em restaurantes, como vendedor de shopping - onde era reconhecido por clientes - e entregando folhetos: "No shopping era direto, no Natal, pedi para trabalhar na loja de um amigo e eles ficavam se perguntando. As pessoas julgam, mas essa profissão não dá muito dinheiro. O pessoal pensa que somos como jogadores de futebol, dá algo bacana, mas hoje eu vivo dos patrocínios. Tenho o patrocínio da academia(chamada Ellite Fitness), de uma loja de roupas, a Tiuidi, faço eventos". Ele está disponível para parcerias no Instagram @agles_steib

Agles segue em busca de novas oportunidades       Reprodução/Arquivo Pessoal

O artista também pensa em seus colegas artistas, fazendo parte do projeto 'Movie Help'"É um filme ajuda, onde eu faço um trabalho voltado à um curta metragem de cinco minutos, mais um monólogo e 12 fotos editadas. Para o ator ter um material para mostrar para os preparadores de elenco". E não para por aí: "Estou com uma associação chamada 'Foco em Artes', que é voltada para as pessoas que estão na geladeira, para que eles tenham a oportunidade de mostrarem o seu talento. O interessado vai passar pela associação e achar alguém para atuar nesse filme". 

Leviano por muitos anos com sua carreira, , como ele admite em nossa entrevista, Agles está muito mais focado e disposto a trabalhar duro para realizar suas conquistas: "Já recusei muitos papeis, mas não me arrependi". Em suas páginas oficiais, ele revive seus grandes papeis no cinema, na televisão e no teatro, divulgando todo o seu talento e potencial. 

O papo com Agles Steib me fez perceber quantos grandes atores, como ele, estão só à espreita de uma grande oportunidade. E se essa oportunidade não chega, eles fazem acontecer e vão à procura de novos meios e ideias. Agles vê, aproveita e desenvolve - e desejamos, sempre, muito sucesso! 


Agradecimentos à Agles Steib, que conversou comigo em 28 de novembro de 2023. 


O caso de Christian Aaron Boulogne, filho renegado de Alain Delon

A relação entre pais e filhos é complexa. Enquanto a mãe é uma figura que está sempre por perto, atendendo as necessidades de seus herdeiros, o pai parece uma entidade que pode entrar e sair da vida de seus descendentes, sem preocupações. Embora haja exceções, em ambas as esferas, no Brasil vê-se uma verdadeira epidemia: 470 crianças são registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento por dia, segundo levantamento de 2022. 

E este caso, tão palpável para nós, ocorreu com o francês Christian Aaron Boulogne - também conhecido com Ari Boulogne e Ari Pffägenque foi renegado a vida inteira pelo próprio pai, o astro de cinema Alain Delon. A mãe dele era a famosa Nico -anagrama de Icon -, que fez parte da banda The Velvet Underground com Lou Reed, e uma das divas mais famosas da cena musical em Nova York, nos EUA - queridinha de Andy Warhol, artista plástico que ditou tendências de arte no local até os anos 80. 

Christian, também conhecido como Ari 

O astro de cinema francês e a alemã talentosa se conheceram por acaso. De acordo com a biografia 'Nico: Life and Lies of an Icon' de Richard Witts, Nico foi convidada para participar do filme 'O Sol por Testemunha (1960)', através de seu amigo Maurice Ronet. O longa seria gravado em um iate, na ilha Ischia, na Itália. Ao chegar lá, no entanto, ela descobriu que foi substituída pela atriz Marie Laforêt, já que ela se atrasou sem dar satisfações. Quem se ofereceu para consolá-la? Alain, que a levou para viajar por algum tempo - e na ocasião ele ainda namorava Romy Schneider. 

Após alguns dias no paraíso, eles se separaram, mas se reencontraram em novembro de 1961. A jovem soube que ele estava no mesmo hotel que ela, o Saint Regis Hotel, em Nova York, nos EUA. Os dois saíram juntos, se divertiram, e depois voltaram para o quarto - aquela noite, eles conceberam o filho, Christian. Nico namorava o cineasta Nico Papatakis na época e, logo depois, se separaram de vez - embora o artista tenha a ajudado durante a gravidez. 

Em 11 de agosto de 1962, na clínica particular Belvedere, em Neuilly, Paris, na França, Christian Aaron Päffgen nasceu através de uma cesárea. Ele foi nomeado com C de Christa - nome verdadeiro de Nico - Aaron pelo A de Alain e por significar 'pequeno leão', já que ele era do signo de Leão. Alguns meses depois, Nico mandou uma carta informando o astro sobre o filho, apelidado de Ari, mas ele se recusou a tomar alguma providência - para Alain, Nico era a única responsável. Ele se casou logo depois com a modelo Nathalie, com quem teve o filho Anthony em 1964. 

Nico e Ari e, ao lado, o pai Alain Delon

No começo, especulava-se de que Nico Papatakis poderia ser o pai de Ari e que Nico, de fato, estaria apenas obcecada por Alain. À medida que o menino crescia, no entanto, ficava evidente o quanto ele era parecido com Delon - a mãe do astro, Édith Arnold, também achava. O fotógrafo e amigo da estrela, Willy Maywald, entrou em contato com a avó, que concordou em ajudar como pudesse. 

Na ocasião, Nico deixava o filho com a mãe, Margarete, que lutava contra o Parkinson e estava, aos poucos, declinando em saúde. Trabalhando como modelo e aceitando todos os bookings que pudesse, ela não tinha tempo para ficar com o filho e teve que recorrer à Édith, que concordou em cuidar de Ari enquanto Nico trabalhava. 

Em 1964, o pequeno Christian recebeu uma visita da tia, Paulaedith - parente apenas por parte de mãe de Alain - que relembrou as condições desumanas que ele fora submetido em Ibiza com a avó: "Eu cheguei e fiquei chocada. Ele era mantido em um quarto escuro e ele estava com medo, encurvado como um animal. A mãe de Nico não o deixava ir. Ela não me dava os papeis de entrada dele no país, então não podia levá-lo. Eu tive que voltar para Paris de mãos vazias. Minha mãe decidiu que tomaria às rédeas. Devo acrescentar que não foi fácil para nós, porque tivemos que pagar tudo. Nico nunca nos deu um tostão". 

Ari com a avó Edith, a mulher que o criou realmente

Edith ligou para Nico em Londres e pediu uma cópia dos papéis de entrada de Ari em Ibiza. A senhora explicou a situação e conseguiu tirar o pequeno da avó - ele estava morando agora com a família paterna na França.  Em sua autobiografia, o 'L'amour n'oublie jamais', publicado em 2001, Christian relembra sua infância atribulada, viajando para cima e para baixo com a mãe, apesar de receber o carinho e cuidado de sua avó e tia. Segundo fontes, Nico o levava para festejar com Andy Warhol em Nova York e o menino bebia dos copos com álcool, com apenas cinco anos de idade. Ali, Edith interferiu e ficou com ele permanentemente. 

No livro, Christian contou, inclusive, o encontro que teve com o pai após a morte do avô, Paul, em 1986. Juntos, no carro do astro, Alain teria deixado claro: "Você é meu amigo, você é meu amigo. Mas vou te dizer algo: você não tem os meus olhos, você não tem o meu cabelo. Você não é o meu filho, nunca será meu filho. Eu apenas dormi com sua mãe uma vez. Seu pai é de Póleon".

Apesar de nunca reconhecer, publicamente, a paternidade de Ari, Alain sabia, no fundo, que o rapaz era seu filho. Em 1969, quando o guarda-costas dele foi terrivelmente assassinado, Christian foi enviado para um local seguro, já que o assassino jurou matar Delon, a esposa, e seu filho, Anthony. A ação foi feita pelos Boulognes, que criavam Ari como um filho, mas para Nico isso provava a legitimidade da relação. Em 1965, outro guarda-costas de Alain havia sido assassinado e Nico jurava que sabia quem era o responsável - porém nunca o revelou.  

Mãe e filho em momentos mais felizes

A primeira vez que Nico admitiu que Ari era filho de Alain foi para a revista Twen, quando completou 30 anos em 1968. Ela informou, inclusive, que Christian vivia com a avó Edith e que ela, por sua vez, era contra as ações do filho. Aos 14 anos, ele foi legalmente adotado por sua avó e avô Paul Bolougne, padrasto de Alain, já que a mãe, por descuido, o havia deixado sem pátria por falta de informação jurídica - não é porque você nasce na França que é, automaticamente, francês. Dois anos depois, Ari foi enviado para uma escola militar. 

O jovem, desde aquela época, ressentia essa ação da avó, mas era ela quem cuidava dele, sem receber dinheiro nem de Alain e nem de Nico. Revoltado, ele se conectou ainda mais com Nico, com quem ele dividia o vício pela heroína, como ele contou para a coluna JDD em 2018: "Dos meus 16 anos, até a morte dela em 1988, nós dividimos a mesma droga, a mesma seringa. Era nossa maneira de ficarmos juntos". 

Ao sair da escola, Ari trabalhou como garçom, modelo e roadie, até se reunir com a mãe, com quem tinha brigas épicas. Quando Nico ainda estava com o cineasta Philippe Garrel, ele estrelou em alguns filmes experimentais ao seu lado como 'A Cicatriz Interior (1972)' e 'A Criança Secreta (1979)'. Ele a acompanhava, também, em suas turnês musicais e ambos passavam o tempo todo juntos, até dormindo na mesma cama. Essa era a maneira que ela havia encontrado de ficar mais próxima dele e compensar pelo tempo perdido - foi Nico, inclusive, quem o incentivou a se drogar, apesar dele ter resistido e tentado ajudar a mãe a se livrar do vício. 
Nico e Ari em 1981

Em 1984, Ari começou a carreira como fotógrafo em Nova York, nos EUA, e Nico e ele já haviam se reconectado, tornando-se inseparáveis. Apesar de ter sido uma mãe ausente, ela notou como a vida era difícil para Ari. De acordo com o livro de Richard Witts, já criança, ele tinha diversos surtos psicóticos e, em uma viagem com amigos da família, chegou a ameaçar se matar com uma faca. "Eu estive em clínicas psiquiátricas tantas vezes que eu nem lembro quantas pílulas, choques...Eu estive em coma, tive lesões cerebrais", relembrou o próprio Ari para Richard Witts. 

Nico faleceu em 18 de julho de 1988, quando estava em Ibiza com o filho - na ocasião, recuperando-se de seu vício em drogas mais pesadas. Ela afirmou que iria até a cidade para comprar maconha e, com a alta temperatura, sofreu queimaduras andando de bicicleta. Apesar de ter sido socorrida por um taxista, Nico teve uma hemorragia cerebral e morreu pela demora do atendimento no hospital. Durante toda essa tragédia, onde estava Alain, você se pergunta? Fingindo que Ari não existia e vivendo sua vida como uma megaestrela de cinema. 

Com a morte da mãe, Christian ficou ainda mais fora de controle, ainda mais por receber dinheiro dos royalties de músicas e filmes estrelados pela matriarca. Ele consumia uma grama de heroína por dia e chegou a ser internado diversas vezes, cometendo loucuras: "Agora, estou tentando voltar à mim mesmo. Eu não sou forte o suficiente ainda, mas um dia, quando eu for, eu vou confrontar o meu pai e farei pelo bem da minha mãe", admitiu ele em entrevista nos anos 90. 

Ari Bolougne 

Em 2001, Ari lançou o livro 'L'amour n'oublie jamais', pedindo que Alain fizesse um teste de DNA para comprovar sua paternidade. Em entrevista ao programa 'INA Arditube', ele explicou: "Eu comecei o pedido de reconhecimento aos 18 anos", mas foi persuadido pela tia a não continuar. Em comunicado através de Jean Braghini, para a publicação Le Monde naquele ano, informou que "uma ação buscando a paternidade, feita pela mãe de Ari, falhou" e que "o filho dela poderia ter feito a apelação nos dois anos que se seguiram, mas decidiu que não. Meu cliente tem senso de honra, se fosse seu filho, ele o teria reconhecido". 

Ari, após o sucesso de seu livro, não desistiu de provar que Alain era seu pai. Em setembro de 2019, ele entrou com um pedido para reconhecimento de paternidade em Orléans, na França. Segundo o advogado de Christian, Michel-Guillaume Fleury, para a revista Gala, o desejo dele era que seus filhos, Charles, nascido em 1999, e Blanche, nascida em 2006, "não fossem privados de sua descendência". Em agosto de 2020, o caso foi descartado já que a "a jurisdição francesa era territorialmente incompetente", afinal Alain vive na Suíça desde 1984. Ari entrou com uma apelação, que segue na Justiça. 

Christian Aaron Bolougne, no entanto, nunca foi devidamente acolhido por seu pai. Ele foi encontrado morto em 20 de maio de 2023, aos 60 anos de idade, em seu apartamento na rua Cambronne, na 15ª arrondissement de Paris. Uma mulher de 58 anos, chamada Yasmina Saïdi, companheira dele, foi quem o encontrou, "em avançado estado de decomposição". Ela foi detida pela polícia por acusação de homicídio culposo e por omissão de socorro, além de posse de drogas. Ela alega que estava viajando com o filho de 21 anos, enquanto vizinhos afirmam tê-la visto no local uma semana antes. Ambos, inclusive, brigavam muito, com "gritos e violência", conforme relatos de pessoas vivendo no local.  

Ari em 2022

O jornalista Bernard Pascuito, que escreve uma biografia sobre Alain Delon, conheceu Ari em junho de 2022. O homem, então uma cópia idêntica de Alain, estava agora em "desespero, destituição e em uma horrível desintegração física", informou o escritor para o site Midi Libre em maio deste ano. Segundo ele, Ari teve dois AVCs (Acidente Vascular Cerebral) ao longo de 15 anos: "Agora ele estava hemiplégico (totalmente paralisado dos dois lados do corpo). Ele falou conosco sentado no braço de uma cadeira, completamente retorcido, mal conseguia segurar o cigarro". 

Indagado na entrevista sobre o que falaria se visse Alain frente à frente, Ari afirmou para Bernard: "Eu diria para ele: 'Por que não quer falar comigo? Por que você deixou tudo isso acontecer? Eles me tiraram da minha mãe, a pessoa mais importante da minha vida, para então me rejeitarem...eu não entendo'". Ari, inclusive, tinha raiva da avó que, apesar de criá-lo, o fez ficar distante da mãe, nem entregando as cartas que Nico lhe enviava. A avó dizia que, um dia, Alain viria buscá-lo e o colocou para dormir no quarto que pertencia ao pai, com uma foto dele na cabeceira. O astro de cinema ficou 17 anos sem falar com a mãe após ela ter adotado Ari - e sempre se recusou a fazer um teste de DNA. 

Anthony Delon, filho mais velho de Alain com Nathalie, se pronunciou no Instagram após o falecimento do suposto meio-irmão. Ele postou os dizeres: "Descanse em paz, Ari. Um destino trágico, tristeza. Pensando em seus filhos esta noite". Os dois se conheceram através de Serge Gainsbourg em uma boate em Paris, quando ele tinha 18 e Anthony 16, porém nunca tiveram uma relação próxima. Anthony visitava a casa da avó, Edith, inclusive, quando Ari não estava lá. 

Postagem de Anthony sobre o meio-irmão, Ari

A morte de Christian Aaron Boulogne continua a ser investigada pela polícia. A sobrinha de Alain, Marie Soubrier Boulogne, acredita que Yasmina matou Ari por achar que tinha direito pela herança dele: "Há dez anos, ele não consumia mais metadona. Ele não tomava nada. Essa mulher o levava coisas, ela o estava drogando". 

Em sua autobiografia, dedicada ao seu filho Charles, nascido em 1999, Ari afirmou que escrevia para que ele o "amasse, meu filho. Para que você reconheça, em mim, alguém que sofreu, mas que deseja felicidade agora, uma certa harmonia. É uma luta dura em um mundo difícil". Aos 87 anos de idade, Alain segue a negar a paternidade de Ari e, em julho deste ano, os filhos dele, Anthony, Alain e Anouchka, entraram com uma denúncia contra a atual companheira, Hiromi Rollin, por assédio moral e abuso de fraqueza, após ele ter sofrido um AVC em 2019. Ela negou todas as acusações, mas foi expulsa da casa dele, que agora vive na França. 

Ari faleceu sem nunca ser reconhecido pelo pai, assim como milhares de outras pessoas ao redor do mundo. Será que um dia, Alain, o fará Justiça? 

Sessue Hayakawa e o escândalo de paternidade

Sessue Hayakawa, nascido Kintarō Hayakawa, foi o primeiro astro japonês de Hollywood. Nascido em 10 de junho de 1886, na província de Nanaura; hoje Minamibōsō; em Chiba, Japão, o ator sempre sonhou em se tornar "alguém" na vida. Desde pequeno, ele estudava inglês e, vindo de uma família abastada e bastante tradicional, ele tentou fazer parte da Marinha Japonesa. Por conta de um tímpano perfurado, Sessue não conseguiu se tornar marinheiro e tentou se suicidar por levar "desgraça à família". 


Aos 18 anos de idade, Sessue se mudou para os Estados Unidos, de acordo com a biografia Sessue Hayakawa: Silent Cinema and Transnational Stardom de Daisuke Miyao para ajudar o irmão, Otojiro, e outros imigrantes na pesca da concha abalone, pr um plano do governo de Japão para exibir sua prosperidade internacionalmente. Com ajuda de amigos, ele se inscreveu no curso de Economia Política na Universidade de Chicago para obter um visto americano. 


Após sua saída da Universidade - que é questionada já que não há registros dele como aluno - Sessue trabalhou como lavador de pratos, garçom, vendedor de sorvete e até funcionário de fábrica. Apesar do que ele revelou em sua autobiografia Zen Showed Me the Way ...: To Peace, Happiness, and Tranquility, seu começo na atuação não foi nada glamoroso. 


Sessue começou a trabalhar com a companhia japonesa de teatro de Fujita Toyo, intitulada Little Tokyo, em Los Angeles, por volta de 1912. Thomas H. Ince, produtor e diretor de cinema, ficou interessado no ator bonitão - que agora já havia adotado o nome de Sessue - e o convidou para atuar em alguns filmes mudos, certo de que grande parte do público ficaria interessado naquele visual exótico. 


Hayakawa fechou contrato com Thomas H. Ince para uma série de cinco curtas, estrelando ao lado de Tsuru Aoki, que se tornaria a futura esposa do astro, em 1913. O primeiro filme de Sessue foi o Mimi San (1914) e, naquele mesmo ano, ele se casou com Tsuru, que era o nome mais reconhecido entre o casal. Sessue, no entanto, não demorou para ultrapassar a esposa e se tornou o protagonista em filmes como The Wrath of Gods (1914) e Typhoon (1914), ganhando um contrato com o estúdio Famous Players (hoje a Paramount Pictures). Foi aí que ele se tornou uma estrela com o filme The Cheat (1915), dirigido por Cecil B. DeMille. 


Esse filme [The Cheat, 1915] foi a primeira grande onda na estrada de Sessue Hayakawa, que o tornou em menos de dois anos, o colega de estrelas sensacionais como Douglas Fairbanks, William S. Hart e Mary Pickford - Cecil B. DeMille em The autobiography of Cecil B. DeMille

 

Fannie Ward e Sessue Hayakawa em The Cheat (1915)


Em The Cheat (A Trapaça; em tradução livre), Sessue interpretava em empresário japonês sem escrúpulos, que atraia a personagem de Fannie com sensualidade e exotismo. O ator se tornou uma sensação e símbolo sexual, com grandes fãs, inclusive mulheres brancas. Na sequência, ele estrelou em mais de quinze filmes, todos como protagonista, mas, por conta da censura, Sessue nunca poderia acabar com a mulher no final. 

O ator criou sua própria produtora, a Haworth Company Pictures, em 1917, mas depois de enfrentar uma apendicite em 1921, ele decidiu dar um tempo e viajar para o Japão com a esposa, Tsuru. Ao voltar, eles se basearam em Nova York, já que Sessue queria tentar os palcos da Broadway com o vaudeville, e foi aí que ele conheceu Ruth Noble, a mãe de seu filho Yukio, que mudaria sua vida para sempre. 


De acordo com a própria Ruth Noble, ela conheceu Sessue através da esposa, Tsuru, que entrevistava atrizes para atuarem com o marido na peça The Bandit Prince, baseada em um livro escrito pelo próprio ator. Não demorou muito para que ele demonstrasse interesse em Ruth:

Nós íamos dançar e jantar depois do show. A esposa dele estava sempre presente. Eu não achava que ele queria algo sério. Ele tinha o hábito de me chamar para o seu camarim para ensaiar e aí nós começávamos a fazer amor. Eu acho que a esposa achava que eu o roubaria dela. O show fechou e eu voltei para Nova York em 1927. - testemunho de Ruth para o jornal em 1 de novembro de 1931. 

 

Ruth Noble e Sessue Hayakawa, com a esposa Tsuru e Yukio

Ruth e Sessue, que também estava hospedado em Nova York, continuaram a se ver após a peça e, segundo a jovem, ele afirmou que não poderia se divorciar de Tsuru a não ser que ela tivesse um filho. Ruth concordou e deu à luz em 31 de janeiro de 1929, no Park West Hospital, ao pequeno Alexander Hayes. Apesar disso, Sessue não se divorciou de Tsuru, mas continuou a dar dinheiro e prover para a atriz e o bebê, agora morando em Los Angeles com a esposa. 

Segundo Noble, a esposa de Sessue descobriu sobre a criança após ele mandar o recibo de uma conta, acidentalmente, para ela. Os dois brigaram, mas Tsuru logo começou a ver o bebê, até março de 1930 quando o astro foi para Japão. O casal teria, supostamente, parado de enviar dinheiro tentando forçá-la a abrir mão do menino. Sem emprego ou finanças, ela finalmente concordou em entregar o filho para Tsuru e Sessue e assinou o termo de adoção em 21 de julho de 1931:

Sem emprego ou dinheiro, eu concordei que eles levassem o menino e eles me permitiam vê-lo uma vez por semana. Eu mal podia esperar para essas visitas chegarem. Mas eles nunca me deixavam sozinha com a criança. Eles me deixavam brincar por alguns minutos, quando a esposa de Sessue interrompia. - Entrevista de Ruth Noble, 1 de novembro de 1931. 
Sessue, Tsuru e Alexandre na assinatura dos papeis de adoção do juiz Samuel Blake

A história oficial, propagada por Sessue Hayakawa, foi outra: em 26 de agosto de 1931, o jornal The Los Angeles Times, confirmou que ele, aos 45 anos de idade, e a esposa Tsuru, aos 38 anos, adotaram um menino chamado Alexander Hayes, de dois anos e meio, que morava com eles desde julho daquele ano. 

Em setembro de 1931, Sessue anunciou a adoção definitiva e a troca do nome de Alexander para Yukio, que seria filho de um amigo próximo dele, chamado Hayashi, membro de uma importante família ligada à política. Com a morte de Hayashi, o casal se ofereceu para adotar o menino para lhe dar uma vida melhor e a viúva teria concordado. Já naquela ocasião, existiam rumores de que Sessue era o pai da criança, mas seu advogado tentou abafar o caso. 

Em 16 de outubro de 1931, no entanto, o escândalo de paternidade de Sessue chegou à imprensa. Ruth entrou com um processo contra o amante para tentar reaver o filho- apesar de ter assinado um contrato abrindo mão de sua maternidade por U$4.500 e U$150 por mês por um período indefinido- após descobrir que Hayakawa pretendia levar o menino para o Japão, permanentemente: "Mas eu sou uma mãe. Eu quero quebrar esse contrato. Assim que o bebê se foi, eu o queria. É o desejo de mãe que me faz tomar essa decisão", disse Ruth. 

No dia 30 de outubro de 1931, Ruth anunciou para a imprensa, através de seu advogado, Charles H. Clark, que havia desistido de seu processo para reaver a guarda do filho. A atriz não deu nenhuma explicação, chocando à todos com a decisão, ainda mais com a proximidade do julgamento, que ocorreria no dia 3 de novembro. 

Na foto, uma parte do termo de adoção, que conta com a assinatura de Ruth 

Sessue e Tsuru, ao lado de Yukio, ainda estavam morando em Hollywood e, por enquanto, não tinham pretensões de se mudarem para o Japão. Quando Ruth soube da iminente viagem de Haykawa para sua cidade natal, em 7 de novembro de 1931, ela ameaçou não desistir do processo. Em uma manobra considerada estranha, até para a imprensa racista que a protegia por ser uma mulher branca, Ruth encontrou o ex à bordo do navio Tastu Maru, com destino ao Japão. 

Ruth entrou no navio sob o nome de Ruth Noble Darby, sobrenome de seu último marido, em Los Angeles, com a desculpa de que "queria pedir perdão" por todo o mal que lhe causou. Sessue apenas soube de sua presença no dia 9 de novembro e ela disse que o perseguiria até ser perdoada, sem intenção de desembarcar em Yokohoma, no Japão. De acordo com o jornal Nichibei Shibun, oficiais do navio afirmaram que ela tinha passagem para Yokohoma, mas desistiu e desembarcou em São Francisco - a multa foi paga por Hayakawa. 

A atriz e o astro japonês falaram com a imprensa, presente no navio, e Ruth se desculpou publicamente por ter causado danos ao ex - isso, é claro, depois de ganhar U$7 mil e U$150 por mês por três anos, totalizando R$27 mil:
Eu sinto muito ter causado toda essa dor a ele. Eu percebi que o magoei demais com toda essa publicidade, mas toda vez que eu tentei vê-lo em Hollywood, eu nunca conseguia. -Ruth Noble
Sessue e Ruth a bordo do navio, rumo ao Japão 

Em telegrama para a esposa, após Ruth deixar o navio no dia 10 de novembro, Sessue contou uma história diferente, afirmando que teve que "forçá-la a deixar a embarcação no último minuto em São Francisco" após encontrá-la escondida na segunda classe. Para a imprensa, Tsuru, esposa de Hayakawa, ainda se mostrava como a dona de casa compreensiva e perfeita:
Sessue não me magoaria. Eu sei que ele me ama. Ele não ama mais a srta. Noble. O caso deles está morto, e o bebê está começando a me amar também. Eu darei um Natal bem americano para ele. - replicado do jornal Nichibei Shunbin, 1931. 

Sessue, Tsuru e Yukio, no entanto, ainda seriam assombrados por Ruth por bastante tempo! Em dezembro de 1931, ela tentou tirar um passaporte britânico, alegando que seu último marido, Rush Darby, era de origem inglesa. Os dois se divorciaram em 1927, quando o caso da atriz com o japonês se tornou bastante sério. Ruth tentava a repatriação para embarcar livremente para o Japão em dezembro de 1931, onde Sessue ficaria até janeiro de 1932. 


Tsuru Aoki; ou Aoki Tsuruko, ficou furiosa com as tentativas de Noble em cercar o marido, tentando mantê-lo sempre perto dela. Em testemunho para os jornalistas, em dezembro de 1931, a atriz afirmou que Ruth estava tentando desfazer o seu lar. Tsuru conta que não sabia do affair do marido, embora suspeitasse que algo estava errado, e apenas descobriu quando Yukio tinha pouco mais de seis meses, após Sessue mandar a nota de um rádio que comprou para Ruth, para ela, por engano. 

Ruth Noble e Alexander Hayes, agora chamado de Yukio Hayakawa 

Tsuru confrontou o marido, que revelou o affair, e ela o convenceu a diminuir a pensão de U$1500 para apenas U$450 por mês. Do Japão, eles enviavam U$100 por mês para Ruth, mas quando eles retornaram em meados de 1931 para os EUA, decidiram pagar U$4.500, de uma vez, para que ela lhes desse a custódia de Yukio, e mais U$150 por três anos:


Eu estou rezando por alívio das maquinações dessa mulher, que parece estar tentando fazer o pior para desfazer o meu lar. Eu sei do affair entre ela e meu marido há anos [...] Sinto muito pelo affair entre eles, mas tenho certeza que ele me ama e apenas a mim. O caso dele com Ruth está acabado, mas ela ainda tenta conquistá-lo - Tsuru para o jornal Nichibei Shibun, 1931. 

 

Em junho de 1932, Tsuru e Yukio, agora com quatro anos de idade, se mudaram permanentemente para o Japão, reencontrando Sessue que, apesar de afirmações, não retornou do país após dois meses. Um mês depois, em 13 de julho de 1932, Ruth desembarcou no Japão, disposta a reconquistar a guarda de seu filho. 


A sra. Rush Darby se encontrou com Hayakawa para demandar um novo plano de custódia do filho e um acordo financeiro para ela e Yukio. Os jornais relataram que Ruth se encontrou com os advogados do ator e retornou aos EUA, no dia 28 de julho, sem ter visto Yukio, que era legalmente de Sessue e da esposa, Tsuru. Na ocasião, o ator afirmou que Ruth estava "bêbada" e pediu que, para o bem da criança, que ela os deixasse em paz. 

Tsuru e Sessue nos anos 1930

As indiscrições de Sessue continuaram, apesar do perdão de Tsuru. Em 2 de abril de 1933, a atriz Midorisan, de apenas 19 anos, deu à luz uma menina e se recusou a revelar quem era o pai. A jovem ficou hospedada -de maneira suspeita -em uma casa em Omori, cedida por Hayakawa, a mesma em que Yoshiko, primeira filha de Sessue, e, dois anos depois, Fujiko, moravam. Elas foram adotadas já que Tsuru, ao que tudo indica, não podia ter filhos naturalmente.  


Sessue e Tsuru viveram o mais harmonicamente possível durante todos os anos seguintes, com o ator retornando ocasionalmente aos holofotes em filmes como Feras que Foram Homens (Three Came Home, 1950), A Ponte do Rio Kwai (1957); pelo qual foi indicado como Melhor Ator Coadjuvante no Oscar; e O Rei dos Mágicos (The Geisha Boy, 1958). 


O casal achava que o pior havia passado, até que em 6 de janeiro de 1961, quando Yukio já tinha 32 anos de idade, Ruth entrou com um processo contra Sessue por U$500 mil. Ela o nomeou, novamente, como pai de seu filho, e alegou que ele não havia lhe pago a quantia que combinaram após o contrato de adoção. Ela ainda pediu os adicionais U$15,180 que lhe era devido, afirmando que o ex e Tsuru não cumpriram o combinado, no qual Ruth poderia ver o filho uma vez por semana, levando-o para o Japão sem seu aval.


Eu nunca mais vi a criança. [Quando fui para o Japão em 1932] Hayakawa me pressionou para deixar o país. [...] Com a quebra de contrato de Sessue, no qual não pude ver meu filho, eu não tive a companhia, amor, afeição e companhia de minha criança...infelizmente. - Ruth Noble para o jornalista Alfred Albelli ao Daily News, 1961. 

 

O caso foi a julgamento em abril de 1962, quando Tsuru já havia morrido, e o juiz negou o pedido de Ruth, afirmando que o prazo já havia expirado para que ela pedisse qualquer residual de um acordo de adoção feito em 1931. 

Sessue Hayakawa nos anos 1950

Yoshiko, filha mais velha de Sessue e Tsuru (conhecida como Reiko Eliott), em sua autobiografia de 2004, intitulada Don't Come Back! A Love Story, publicada postumamente por seu marido, Rob Eliott, revelou que Yukio se mudou para os Estados Unidos nos anos 70, com a esposa e o filho, já que era um cidadão americano. Ele não seguiu os passos do pai e também nunca mais teve contato com a mãe, Ruth. Ao que tudo indica, ele tinha uma relação bem difícil com o pai -já que era o queridinho da mamãe- e com a morte de Tsuru, e o novo casamento de Sessue, a relação entre eles se deteriorou muito. Tanto que com a morte do ator, em 1973, ninguém da família concordava com um enterro. 

Yukio Hayakawa faleceu em Los Angeles, California, EUA, no dia 13 de janeiro de 2001 aos 72 anos de idade. Com uma relação quebrada com o pai e mãe verdadeiros, Yukio encontrou em Tsuru, por pior que fossem as circunstâncias, o verdadeiro amor materno. 




Harold Lockwood - o astro interrompido pela Gripe Espanhola

Harold Lockwood não é um ator conhecido pelo público de hoje. Mas em uma realidade um pouco mais distante, na década de 1910, ele atuava constantemente como protagonista em filmes. Ele tinha tudo: porte, beleza e talento. Atuou ao lado de grandes atrizes como Mary Pickford, Marguerite Clark e Pauline Curley e foi votado em 1917 como o "Homem mais Bonito do Cinema" pela revista Photoplay. 

Harold Adna Lockwood nasceu em 12 de abril de 1888 (como consta em seu registro militar) em Newark, New Jersey, o jovem tinha um plano de carreira muito bem traçado pelo seu pai, William Lockwood: ele deveria se tornar um comerciante. No entanto, a verdadeira vocação de Harold era ser ator e sua mãe Jennie Hartshborne Lockwood concordava com o filho, já que ele havia atuado muito bem em diversas peças infantis.  

Mesmo ávido em se tornar ator, Harold se formou na escola em Newark, onde era conhecido como um grande atleta e amante de esportes - nadava, corria e jogava. Entrou em um curso superior de negócios e começou a trabalhar como vendedor - à pedido de seu pai, que também lhe despertou o amor sempre cultivado por cavalos. Apesar de estar com a vida "feita", sentia-se triste por não poder seguir sua paixão de atuar e resolveu tentar a sorte no vaudeville (um gênero de entretenimento de variedades dos EUA).

Harold Lockwood era um dos mais populares astros da matiné do cinema 
Sobre esse tempo em sua carreira e sua transição para os filmes, Lockwood afirmou em entrevista para a revista Motion Picture Magazine de agosto de 1914:
Finalmente, eu convenci um agente a me deixar participar do coro de uma obscura companhia e ele deixou. Isso era tudo que eu queria e eu cantava, dançava e inventava vários passos novos que atraiu a atenção de outro agente de musical e eu comecei a ganhar bastante dinheiro - 15 dólares por semana. De qualquer maneira, achava que estava ganhando uma fortuna. 
Logo, segundo o livro History of Los Angeles county de John Steven McGroarty, Harold estrelou espetáculos como The Arcadians de Charles Frohman, Belle of Britanny e a Broken Idol - ficando por duas estações nesse tipo de emprego. Fez também cursos de atuação e seu primeiro contato com a indústria cinematográfica chegou com a Rex Company em Nova York, à sugestão de seu amigo Archie McArthur, em 1911.  

Assim que seu compromisso com a Rex acabou, ele se juntou a outra companhia e foi para Los Angeles atuar ao lado de Dorothy Davenport com a corporação de David Hoster, a Nestor Film Company. Passou pela Selig Company e a New York Motion Company, fazendo inúmeros curtas em um período de dois anos, mas apenas começou a fazer sucesso mesmo com a Famous Players Film Company em 1914, no início da I Guerra Mundial. 

Harold no filme David Harum (1915) com May Allison
Foi na Famous Players Company que ele começou a atuar em filmes mudos como o devido protagonista que era. Ao lado de May Allison, Harold estrelou mais de vinte filmes e formou com a atriz um dos primeiros e mais queridos pares românticos das telonas. Apesar da química inegável em filmes como David Harum (idem, 1915), The Secret Wire (1915) e The Promise (1917), Harold já era casado. 

Sua esposa era a também atriz Alma Jumel Jones, com quem ele se casou em 8 de janeiro de 1906. Com ela teve seu único filho, nascido em 3 de junho de 1908, William "Harold" Lockwood Jr. Podemos dizer então que Harold já era um homem feito antes de aparecer nos cinemas: tinha uma linda linhagem em casa e esse appeal de "homem de família" carismático, galante e no auge da forma física apelava de forma ideal para as mulheres e para os homens também. 

Descrito pelos jornais e revistas de cinema da época como "a personificação da juventude e saúde", todos enalteciam o seu bom-humor, educação e sua paixão pela vida. Harold Lockwood era exatamente como o cinema de sua época: novo, aventureiro e bem humorado. Para se ter uma ideia, a indústria cinematográfica estava só em sua estreia: foi apenas em 1895, 20 anos antes de Lockwood se tornar astro, que os irmãos Lumière apresentavam o primeiro filme para uma audiência pagante. 

Harold Lockwood fez mais de 130 filmes em sua curta carreira de 8 anos
A partir daquele "experimento" dos irmãos, as películas começaram a evoluir rapidamente: eram curtas, passadas nos cinemas junto com as notícias do dia. A audiência batia palmas, se envolvia com os personagens e tudo era incrível e excitante. Logo as primeiras companhias de filmes foram construídas e ir ao cinema fazia parte da rotina de todos - era o programa mais popular. Por isso Harold era o "Rei das Matinés" - entre 1911 a 1914 apareceu em mais de 80 curtas que geralmente passavam no horário da tarde, daí vem sua nomenclatura. 

Sua carreira estava tão em alta desde de sua estreia em The White Red Man (1911) que em 1917 Harold foi contratado pelo estúdio Metro, a futura MGM, e seu momento como galã deslanchou de vez. Ainda naquele período, mais um novo capítulo se iniciava: naquele ano Harold se divorciava de Alma, depois de um casamento turbulento - quando ele morreu, Harold não deixou nada em seu testamento para Alma e sim para sua amiga, Gladys W. Lyslo, sua mãe e filho. 

A partir daí, Harold começou a namorar - tendo um breve interesse em Pauline Curley antes de descobrir que ela tinha apenas 14 anos de idade - e sentia-se mais confortável e livre do que nunca. Em sua carreira, Lockwood agora estava trabalhando com o renomado diretor Fred Balshofer e era muito querido por todos de sua profissão. Sua co-estrela em três filmes The Square Deceiver (1917), Lend Me Your Name (1918) e The Landloper (1918), Pauline Curley afirmou sobre ele: 
Eu me senti muito mal quando ele morreu porque eu definitivamente gostava dele como ator e também porque ele era um ótimo homem. - Pauline em Silent Stars Speak: Interviews with Twelve Cinema Pioneers Por Tony Villecco
Harold Lockwood ao lado de May Allison, Pauline Curley e Mary Pickford - suas co-estrelas constantes
Na época em que Harold começou a fazer sucesso nos cinemas, uma grave batalha acontecia mundo afora: a Primeira Guerra Mundial. Ele foi exonerado de participar da guerra por fazer parte de Hollywood, trabalhando como ator. Assim, ele provia entretenimento às massas durante um momento tão terrível quando os pais, filhos, sobrinhos e netos dos espectadores estavam lutando pelo o país e  por ser um rosto frequente nos cinemas, sua popularidade só crescia. 

No entanto, as consequências da batalha logo encontrariam Harold. Afinal, se ele não podia participar da Guerra como soldado, Harold resolveu fazer sua parte como podia: não poupou esforços para vender títulos de guerra, arrecadando dinheiro para os combatentes da linha de frente. No fatídico 10 de outubro de 1918, ele se uniu a outra grande estrela cinematográfica, Mabel Normand, para arrecadar títulos em Madison Square Garden no The New York Morning Telegraph Booth em Nova York. 

Tudo aconteceu muito rápido: quando um homem desconhecido gritou que trocaria beijos com Mabel por mais contribuições, ela e Harold começaram uma barraca do beijo, contrariando as indicações dos especialistas da Gripe Espanhola que recomendavam o afastamento de multidões, o uso de máscaras e higienizar bem as mãos. Muitos astros homens, aliás, se recusavam a usar máscaras por considerar um sinal de fraqueza perante ao público. 
Mabel deu o beijo e os dois começaram uma barraca do beijo que arrecadou mais de 20 mil dólares. Mas isso também ocorreu no auge da gripe espanhola.  - Star Power: The Impact of Branded Celebrity por Aaron Barlow. 
A tão temida pandemia da Gripe Espanhola já estava em Hollywood e logo faria mais uma vítima com Harold Lockwood. Não se sabe exatamente a origem da doença - embora muitas evidências apontem que tenha começado nos EUA - mas a Gripe Espanhola era altamente letal e contagiosa , matando mais de 40 milhões de pessoas no mundo todo. Os sintomas eram iguais à de uma gripe normal, mas evoluíam de forma rápida levando à falta de ar, tosse, pneumonia e até hemorragia interna e consequentemente, o óbito. 

Manchete no jornal divulgando a venda de títulos de Mabel e Harold via Looking for Mabel Normand
Para os astros de cinema isso significava que seus empregos estavam em risco. Assim como acontece hoje com o Coronavírus, o isolamento social foi requisitado para a população. Com isso, as tão amadas salas de cinema estavam todas fechadas e atores, produtores, diretores e roteiristas estavam todos temporariamente desempregados. 

De acordo com o site The Influenza Archive, foi no começo de outubro de 1918 que o prefeito de Los Angeles começou a fechar escolas, estabelecimentos e mais lugares que poderiam atrair multidões. Os estúdios também fizeram sua parte proibindo gravações de cenas que poderiam ter muitas pessoas, porém continuaram a gravar algumas cenas de filmes na surdina. Uma péssima escolha, já que segundo o site The Hollywood Reporter, as contaminações começaram a acontecer entre os próprios atores com Bryant Washburn infectando a atriz Anna Q. Nilsson no set de filmagens de Venus in the East (1918). 

Mesmo assim, muitos diretores independentes continuaram a gravar filmes e apenas sete semanas depois do confinamento total, em 2 de dezembro de 1918, os cinemas já estavam abertos novamente. Estima-se que as casas de cinema e os estúdios perderam, em média, 1 milhão de dólares por semana por causa da Gripe Espanhola. A recuperação, contudo, foi rápida.  

A pandemia atingiu astros como as irmãs Dorothy e Lilian Gish, Mary Pickford, Raymond Chandler, um jovem Walt Disney e até a parceira de títulos de Lockwood, Mabel Normand. Todos eles sobreviveram, menos o jovem ator. 

À esquerda, Harold com apenas alguns anos de idade e à direita, seu filho crescido Harold e sua ex-esposa, Alma
Segundo a matéria do Film Daily intitulada "Harold Lockwood is Dead" a morte dele, vítima da gripe espanhola, ocorreu da seguinte maneira:
O astro morreu no hotel Woodward, no sábado à tarde [dia 19 de outubro de 1918], às 13h, vítima de pneumonia em decorrência da gripe espanhola que deve ter sido contraída quando o jovem astro estava vendendo títulos de guerra na Madison Square Garden duas semanas atrás. Richard A. Rowland, diretor da Metro, e sua mãe Jennie estavam com ele. Mr. Lockwood, trabalhando ao lado de Mabel Normand, solicitou títulos na quarta e quinta-feira. Ele ficou doente na quinta de manhã. No começo, não parecia sério, mas ele logo desenvolveu pneumonia. 
Harold Lockwood estava morto aos 30 anos de idade, vítima da gripe espanhola, quando estava prestes à se tornar um astro de primeira grandeza. Seu último filme completo foi Shadows of Suspicion (1919), no qual tiveram que usar dublês para preencher algumas das cenas. Segundo matérias na época, a Metro planejava uma série de doze filmes com Harold, no qual apenas Pals First e Great Romance haviam sido completados. Ele estava no meio das gravações de The Yellow Dove quando ficou doente e faleceu. 

Harold Lockwood tinha um futuro promissor pela frente: que não se concretizou
O falecimento de Harry Lockwood veio como um soco no estômago para seus fãs e amigos na época, exatamente porque ele era a personificação da saúde e teria, em tese, um sistema imunológico forte. Um grande engano. Hoje em dia ele é pouco lembrado pelos cinéfilos. As razões são várias: poucos filmes mudos do ator sobreviveram para contar a história. Dele, apenas encontramos para assistir Tess of Storm County (1914), David Harum (1915) e Corações à Deriva (1914), além de alguns poucos curta-metragens e nenhum deles é listado em sites, revistas ou livros especializados como clássicos que você deve assistir. 

Além do mais, o verdadeiro "boom" do cinema como conhecemos aconteceu somente no final dos anos 20, começo dos 30, e no momento em que Harold Lockwood era famoso, a indústria cinematográfica estava apenas engatinhando - embora o frenesi fosse grande. Quando ele morreu, Harold tornou-se uma parte da história que todos queriam esquecer, afinal ele seria sempre conectado a horrível Gripe Espanhola. 

Para se ter uma ideia, aqui no Brasil, por exemplo, os filmes de Lockwood foram exibidos apenas depois de sua morte, em 1919, e naquele momento suas películas já eram consideradas antiquadas e fora de moda. Uma verdadeira pena! 

Harold Lockwood foi um galã interrompido 
O cinema estava em luto pelas perdas financeiras e físicas da Gripe Espanhola, assim como a família de Harold. O seu filho, por exemplo, que adotou o nome de Harold Lockwood Jr. também tentou honrar a memória do pai fazendo filmes, sem êxito.

Harold Jr. fez apenas alguns poucos papeis e nunca chegou ao status de astro como seu pai. O primeiro Harold Lockwood era tão cativante que se o destino tivesse ajudado e a Gripe Espanhola não tivesse interrompido, ele poderia ter tido uma carreira como a de Gary Cooper ou até mesmo de Douglas Fairbanks. 

A Gripe Espanhola, que causou a morte de Harold Lockwood e milhares de outras pessoas, não deve ser esquecida: devemos relembrar, aprender e não cometer os mesmos erros, seguindo as recomendações dos especialistas de saúde. Assim, milhares de vidas podem ser salvas atualmente do Coronavírus, como a do astro Harold também poderia ter sido e talvez sua história no cinema poderia ser bem diferente. 
Você sabe, eu quero ser um dos rapazes. Eu não quero que ninguém pense que eu sou a estrela e eles estão apenas trabalhando comigo. Eu admito que nem sempre tive esse ponto de vista. Lá no começo, quando fiz meu primeiro trabalho, eu achava que tinha que me mostrar. Eu queria que as pessoas acreditassem que eu era bom e comecei a pensar que era. Isso até que algo aconteceu comigo que me acordou. Desde então, não fico fazendo noções sobre meu talento. Deixo os outros julgarem. - entrevista de Lockwood para a revista Photoplay de 1917. 

*Descobri sobre o ator ao pesquisar sobre astros do cinema acometidos pela Gripe Espanhola em matéria do site Deadline.  Além disso, estou atendendo também ao pedido do leitor Alexandre que queria ver uma matéria de como a pandemia de 1918 afetou a indústria cinematográfica. Se você também tiver sugestão de matérias, não deixe de nos enviar! 
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