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Eliana Cobbett, a primeira produtora executiva do Brasil

"Eu sou a realização do sonho", dizia Eliana Cobbett, segundo depoimento do filho Alexandre. Ciente de seu próprio poder, a artista era complementar à seu marido, William Cobbett: enquanto ela colocava a 'mão na massa' e fazia acontecer, o diretor vivia no mundo lúdico e, com seus ideais, impulsionava a produtora - que rodava o Brasil afora para ver os filmes que produziu sob as luzes do ecrã. 

Eliana Estael Cosme Cobbett foi a primeira produtora executiva de cinema do Brasil. Nascida em 7 de junho de 1941, em Belo Horizonte, Minas Gerais, ela é a irmã mais velha de Adélia Sampaio, que é outra pioneira - esta foi a primeira negra a dirigir um longa-metragem no país com 'Amor Maldito' em 1984. 

Antes de Eliana, temos Ana Teresa Mariani, que foi produtora executiva do longa 'A Dança das Bruxas' de 1970, dirigido por Francisco Dreux - mas diferente de Cobbett, ela não seguiu a carreira nos cinemas. Depois das duas, vieram outras que se inspiraram nesse trabalho como a própria Betty Faria no filme 'Jubiabá (1986)', Gláucia Camargos no documentário 'Getúlio Vargas (1974)', Elisa Sá de Moraes, Maria de Salete e Madalena Loureiro. 

Eliana Cobbett                                 Arquivo Pessoal/Tatiana Cobbett

A mãe de Eliana e Adélia, Guiomar, é uma peça central nesta história. Humilde, ela trabalhou desde muito nova para se sustentar.  Guiomar Joana Ferreira nasceu em Diamantina, interior de Penha da Franca, Minas Gerais, em 1917. Em situação de vulnerabilidade social, nunca aprendeu a ler ou escrever.  Logo começou a trabalhar, nos anos 1930, em casas de família. 

Segundo Aldrin, um dos filhos de Eliana e William, o sonho de Guiomar, sempre foi estudar, mas não teve essa oportunidade -após ser demitida da última casa onde esteve, não tinha para onde ir. Tatiana, a primogênita de Eliana e William, relembra: "Elas estavam morando embaixo de uma ponte e teve essa senhora, por intermédio da comadre, que é madrinha da minha tia, que indicou". No caso, foi indicado um serviço no Rio de Janeiro, porém Guiomar não poderia ficar com as duas filhas no local. 

Eliana (à esquerda), Guiomar ao centro e Adélia ao fundo   Reprodução/Arquivo Pessoal

Ao chegarem no Rio de Janeiro, Eliana e a irmã, Adélia, cujo pai delas seria um português desconhecido, foram colocadas em um internato chamado Colégio União das Operárias de Jesus, hoje Colégio Maria José Imperial, em Botafogo, no Rio de Janeiro. A separação foi difícil para Guiomar e para as meninas, uma vez que ela apenas podia pegar as duas "no final do mês. Ela visitava, mas era uma vez por mês ou de três em três meses, mas como o colégio era próximo, ela falava mais com a minha mãe pelo portão, por ela ser mais velha", conta Tatiana. 

Eliana se adaptou muito bem ao internato, inclusive tinha aulas de piano e balé, mas Adélia não se deu bem e foi retirada do local, passando para um colégio particular no Rio de Janeiro e depois transferida para Belo Horizonte, Minas Gerais. Para saber mais, leia nossa matéria sobre Adélia aqui!

Eliana e Adélia na infância          Reprodução/Arquivo Pessoal

Com mais idade, Eliana passou a estudar no Largo do Machado Amaro Cavalcante. Alta, com 1,70cm e um "corpo muito bonito", como reconta a primogênita Tatiana, ela dividia seu tempo entre os estudos, cinema e bailes - Eliana amava dançar, era uma verdadeira pé de valsa. 

Dali, não demoraria para que a vida de Eliana se entrelaçar com a de William Cobbett de Siqueira Cosme, fundador da Tabajara Filmes com seu grande amigo Túlio. Nascido em 8 de janeiro de 1930 na cidade de Ipanguaçu, no Rio Grande do Norte, o potiguar vinha de uma família de elite. Filho de Manoel Cosme e Luíza de Siqueira Cosme, ele era abastado e, desde novo, se envolveu com os ideais comunistas, precisando fugir de sua terra natal. 

Guiomar em pintura - a grande guerreira       Reprodução/Instagram

No Rio de Janeiro, William segue como intelectual, participando de discursos e se tornando uma espécie de professor do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Dentro do partido, ele foi incentivado a criar um núcleo de cultura e assim nasceu a Tabajara Filmes, fundada em 1955. A empresa, localizada na Rua Senador Dantas, nº 20, no centro do Rio de Janeiro, começou distribuindo filmes italianos e suecos e ele logo conseguiu trazer o primeiro filme russo ao Brasil pós-guerra: 'Sadko, o Intrépido (1953)'. 

Eliana entrou na Tabajara Filmes por volta dos 17, 18 anos de idade, trabalhando como revisora de filmes. De acordo com a irmã dela, Adélia, a jovem conseguiu o emprego através de uma amiga, chamada Deyse que a "indicou para trabalhar como revisora de filmes e ela aprendeu logo o ofício". Eliana checava os filmes de rolo, na época feitos em acetato, em busca de manchas ou riscos. Naquele ambiente, ela se tornou próxima de William e eles se apaixonaram. 

William Cobbett - sempre perto de livros e criando roteiros 

O tempo de cortejo foi breve já que, segundo Aldrin -hoje dono do Juca Maria Bistrô em Belo Horizonte - Guiomar ditou que o noivado deveria durar no máximo seis meses. Eles se casaram em 19 de dezembro de 1959, um dia antes do aniversário de 15 anos de Adélia, na Igreja de Gloria do Largo do Machado na Cidade Maravilhosa - Guiomar mandou acender as 1300 luzes do local santo para a ocasião. A mãe de Eliana, uma cozinheira exímia, fez toda a comida do casamento, com vários quilos de camarão, que foi reaproveitada para a festa de Adélia. 


Eliana e William no dia do casamento  Arquivo Pessoal/ Tatianna Cobbett

Tabajara Filmes, DiFilm e a Ditadura Militar

Um mês depois, a produtora ficou grávida de seu primeiro filho, Tatiana, nascida em 13 de outubro de 1960 - com William, teve ainda Alexandre, nascido em 1962, Alan em 1966, Aldrin em 1969 e André, por fim, em 1976. Grávida, Eliana havia feito a promessa de que se o filme russo 'Quando Voam as Cegonhas (1957)' fizesse sucesso no Brasil, ela daria o nome do protagonista para o bebê. Ao descobrir que era uma menina, deu o nome da personagem Tatiana e, depois, ao engravidar de um menino, o batizou de Alexandre. Como pode-se perceber, o tema do A seguiu-se pela família. 

Com a família crescendo, Eliana e William moravam na Urca com os filhos enquanto Adélia e Guiomar se alocavam em Flamengo e Botafogo, bairros adjacentes do Rio de Janeiro. Como eram locais muito próximos, a produtora executiva ia trabalhar com a certeza de que Guiomar também a ajudaria com os herdeiros e todos viviam juntos e felizes - a avó também olhava os filhos de Adélia, Gogoia e Vladmir quando fosse necessário. 

Nesta época, William havia estreitado a amizade com o produtor Katchoff, dono da exportadora Sovexport Films - a especialidade da Tabajara Filmes era exibir filmes russos, mas com o advento da Ditadura Militar, a empresa foi dissolvida em 1964. A sede havia sido invadida naquele ano e teve diversos documentos queimados - os dois, com os filhos pequenos, se esconderam em um apartamento no Rio de Janeiro, que pertencia à Adélia e o marido, Pedro Porfírio - este que foi preso por ser à favor da luta armada contra o regime em 1968. 

Alexandre, Tatiana, André (bebê no colo de Guiomar), Gogoia, Vladmir, Alan e Aldrin

Quando Alexandre tinha por volta de 4 anos, em 1966, Eliana teve a ideia de desenvolver uma produtora própria, a Desenfilmes, que exportava desenhos infantis russos para o Brasil. Para a Folha de São Paulo, em 2006, a própria relembrou: "Fizemos várias exibições através da minha empresa, Desenfilmes, e várias exibições em parceria com os cineclubes. Comercialmente ou em grandes circuitos, nunca foram exibidos. Houve, sim, exibições de um ou outro filme, antecedendo um longa-metragem. Mesmo assim nos cinemas de arte". 

Hoje o MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio de Janeiro mantém o acervo dos 15 desenhos infantis recuperados por Eliana em 2006. Ganhando experiência ao dublar os filmes, a Tabajara Filmes, comandada por ela e o marido, se tornou o centro do Cinema Novo. O endereço na Cidade Maravilhosa era frequentado por Miguel Borges, Glauber Rocha, Luiz Carlos Barreto e Cacá Diegues, onde, mais tarde, foi criada a distribuidora Difilm, após o fim da Tabajara por seus laços com filmes considerados comunistas. Eliana foi chamada por Luiz Carlos Barreto, um dos criadores da distribuidora, para comandar tudo na Difilm. 

Eliana, a filha com 4 anos de idade, e uma amiga        Arquivo Pessoal/Tatiana Cobbett

Em entrevista para a revista Aplauso, Miguel confirmou o que os filhos de Eliana sempre afirmaram: que o casal era acolhedor e ajudava os outros a realizarem seus sonhos. Eles auxiliaram o diretor a lançar o filme 'Canalha em Crise' em 1963, pouco antes do 'apertamento' de Ditadura Militar no Brasil: "Eu sempre usei a Tabajara como ponto, sede, escritório, os telefones, sua estrutura, eles sempre me apoiaram". A Dilfilm Ltda - que foi fundada em 1965 e entrou em falência em 1975 - englobava todo o Cinema Novo, produzindo filmes como 'Bebel - Garota Propaganda (1967)', de Maurice Capovilla, 'A Grande Cidade (1967)' de Cacá Diegues e o lançamento do primeiro longa colorido do Cinema Novo - o 'Garota de Ipanema (1967)', de Leon Hirszman. 

Eliana ganhava, portanto, cada dia, mais experiência com a Difilm, trabalhando em produções ao lado de Luiz Carlos Barreto e a esposa dele, Lucy, que a definiu como "uma mulher e profissional dinâmica, decidida, uma administradora nata". Em 1968, Adélia começou a trabalhar como telefonista na distribuidora e, naquele mesmo ano, a perseguição política se apertava com instauração do decreto AI-5, que considerava qualquer manifestação contra o governo um crime. O marido dela, Pedro Porfírio foi preso e Adélia agredida. 
"Tivemos que nos esconder na casa do Pedro Porfírio, marido de Adélia. O Pedro foi preso, o papai quase foi preso, teve que se desfazer de todos os livros que tinha das teses comunistas, minha avó queimou todos os livros, o risco era muito grande. Ficamos [eu, papai, mamãe, Alan e Tatiana] dentro de um apartamento pequeno, durante uns três meses até que tivesse certeza que não estavam perseguindo o meu pai e mãe e estávamos em segurança", relembra Alexandre.  

William e Eliana se unem na produção 

Para sobreviver, Eliana saía com os rolos de filme embaixo do braço para vender para os cinemas no interior do Brasil em sua kombi. Ela vendia filmes como 'O Encouraçado Potemkin (1925)' e 'Ivan, o Terrível (1944)' para que a família tivesse a subsistência. A situação apenas melhorou em 1970 quando, de forma irônica, o cinema era apoiado pelo mesmo Estado que praticava a censura - na maioria das vezes como forma de propaganda. 

Fernanda Montenegro nas gravações no Espírito Santo                 Jornal do Brasil

Apesar da pouca idade, sempre chamavam a produtora de Dona Eliana, famosa por conseguir realizar filmes com baixo orçamento e respeitada por seus colegas. Formada em Economia e Economia do Cinema pela Faculdade Getúlio Vargas, esta grande mulher fazia tudo acontecer, era o "pé de boi", com uma visão produtiva aguçadíssima. 

Em 1970, o marido de Eliana formou a William Cobbett Produções Cinematográficas e se preparava para dirigir seu primeiro longa, o 'A Vida de Jesus Cristo'. O caminho dele se cruzou com o do abastado José Regatierri, praticamente dono de São Roque, no interior do Espírito Santo. O magnata procurava alguém para transformar a sua encenação da Vida, Morte e Ressureição de Jesus Cristo em um longa-metragem. 

William contava com a maestria de Eliana, que sabia como ninguém como transformar um filme em realidade. Segundo Tatiana, quando a mãe passeava pelo Rio de Janeiro, tinha o costume de anotar placas e outdoors pois, no futuro, poderia precisar daquele tipo de serviço. Apreciada por todos - e sempre firme - ela tinha uma equipe fiel que a acompanhava. Eliana era uma grande formadora de mão de obra e com rotatividade de funcionários, já que todos queriam aprender com essa mestra.
 
Encenação de Jesus Cristo no Espírito Santo                               Reprodução

Ao lado do Juca - apelido de William - Eliana partiu para o Espírito Santo para gravar o filme - e conseguiu convencer a grande Fernanda Montenegro a participar como Samaritana. Adélia revela como a irmã conseguiu essa proeza: "Chorou e disse que perderia o trabalho caso Fernanda não aceitasse. Ouvi de minha filha [Gogoia Sampaio, então figurinista da TV Globo] e Fernanda disse: 'Fiquei emocionada com as lágrimas de Eliana e aceitei fazer a participação'". 

As gravações duraram 31 dias e contaram com diversos atores sem experiência ou que haviam apenas participado da encenação promovida por Regatierri entre 1961 a 1981 no teatro da região. Este foi o primeiro longa sobre a vida e Paixão de Jesus Cristo encenado no Brasil.  Em 5 de abril de 1971, na Semana Santa, a 'Vida e Morte de Jesus Cristo' foi lançado nos cinemas de todo Brasil e se tornou um verdadeiro sucesso. Regatierri levou o filme para o Papa em Roma - e os três seguiram lucrando. Em 1972, Cobbett e o sócio Túlio venderam o filme para a distribuição de Katchoff por U$50 mil. 

Com o sucesso de 'A Vida e Morte de Jesus Cristo', William seguiu dirigindo filmes, sempre com a esposa, a grande Eliana, como sua fiel produtora executiva. Potiguar orgulhoso, ele decidiu se aproveitar desse sucesso e gravou 'Jesuíno Brilhante (1972)' - que conta a história desse cangaceiro da vida real no Rio Grande do Norte, conhecido como o Robin Hood brasileiro. No longa, ele foi interpretado por Nery Victor. 

William durante as gravações de 'Jesuíno Brilhante'

Com roteiro de William e Adinor Pitanga, Eliana ficou responsável por todas as minúcias da produção - inclusive, a chegada da equipe de 30 pessoas em dois ônibus, alimentação do local, a hospedagem e toda a logística de gravações. As filmagens começaram em 25 de janeiro de 1972, em Açu, no Rio Grande do Norte e depois passaram-se por Ipangaçu, Tira Fogo, Mossoró, Macau, Tibau, Patu e Natal. Ela foi rodada em seis semanas com um orçamento de 30 mil cruzeiros. Vanja Orico foi a grande estrela da película e ali conheceu Adélia Sampaio, com quem fez diversas parcerias. 

Com os filhos, a família tinha o seguinte lema "quem não trabalha, não come". Assim, Tatiana, Alexandre, Alan e o pequeno Aldrin - ainda sem André na ocasião - estavam sempre presente nas gravações. Todos, inclusive, participavam como boys de produção, claquetistas e até faziam pontas nos longas administrados por seus pais.
Eu lembro do impacto da cena de uma vaquejada, que abaixaram a caminhonete e colocaram a câmera em cima do capô da caminhonete, esvaziaram os pneus e a câmera saia correndo atrás do boi e a caminhonete atrás do homem tentando laçar. Isso era inusitado no cinema. - relembrou Tatiana, que já era uma pré-adolescente nas filmagens de Jesuíno Brilhante. 

Os três filhos são resolutos: o filme favorito produzido por Eliana era Jesuíno Brilhante, por ela considerar o retorno de William à sua cidade natal importante e "pelo personagem ser literalmente, do Rio Grande do Norte, que é uma espécie do Robin Hood do sertão", como explica a filha mais velha do casal. Eles participaram do Festival de Cinema em Moscou na Rússia, em 1973, por conta do longa. 

Aldrin relembra que os dois, pai e mãe, se complementavam muito bem. Tatiana, a irmã mais velha, concorda: "Ele incentivava a minha mãe, meu pai era bem mais intelectual, minha mãe era prática, pé de boi, lia o roteiro e saia a procura de onde seria filmado, ela tinha uma visão produtiva bem maior do que o meu pai. Meu pai pensava nos personagens e ela queria ver aquilo realizado". 

Eliana com a mãe, Guiomar, e os filhos - ainda sem o caçula André   Arquivo Pessoal/Adélia Sampaio

Em 1974, Eliana trabalhou mais uma vez com o marido ao produzir o filme 'Uma Tarde, Outra Tarde', baseado no livro de Josué Montello - a segunda vez que um livro dele era adaptado nos cinemas e a primeira vez gravado em Areal, no Rio de Janeiro. Conforme revelou o próprio autor, em entrevista para a revista Manchete, foi Vanja Orico quem lhe revelou que William estava interessado em seu romance. Alguns anos, antes, eles haviam firmado um contrato para que William gravasse 'Uma Tarde, Outra Tarde' e 'Cais da Sagração' - este que acabou não saindo do papel. 

Josué relembrou que, ao ver o roteiro pela primeira vez, William foi até a sua casa acompanhado de Eliana que "lhe toma conta da vida e das despesas enquanto o marido filma sem ter a noção exata do dinheiro". O escritor ficou tão impressionado pelo casal que fez o roteiro do filme 'O Monstro de Santa Teresa', lançado em 1975, com William - e Eliana, mais uma vez, cuidava dos custos e de todos os pormenores da produção. 

De Kombi afora

No começo dos anos 70, além de se concentrar em produzir os filmes do marido e com uma parceria forte com Luiz Carlos Barreto, Eliana viajava Brasil afora, com sua kombi, para vender os filmes 'Jesuíno Brilhante' e 'A Vida de Jesus Cristo' para os cinemas no interior. 

Eliana no dia de seu casamento em 1959

Alexandre, que na ocasião tinha por volta de 14 anos, era convocado a ir com a matriarca para acompanhá-la: "Nós chegávamos de manha, nós íamos nos hospedar e dependendo do percurso, ela ia direto no dono do cinema e fazia a distribuição e a proposta, que geralmente era a 'Vida de Cristo', 'Jesuíno' e os desenhos e propunha fazer a distribuição". 

Eliana seguia vendendo os longas do marido já que, nos anos 70, uma cidade, mesmo que pequena no interior, tinha mais de 4 casas de cinema. Neste caso, o contratante tinha duas opções: alugar o filme ou comprá-lo para obter uma renda fixa. 'A Vida de Jesus Cristo' era o grande ganhador, já que era um longa religioso e apropriado para todas as idades. O dinheiro obtido era escondido na kombi e Eliana seguiu fazendo esse esquema até o começo dos anos 80 - foi tão bem sucedida que voltou para a casa com um Mercedes Benz. 

Eliana com o neto curtindo a praia                                    Arquivo Pessoal 

Nos anos 70, Adélia seguiu na produção de longas como 'Crueldade Mortal' de 1976, 'Gente Fina é Outra Coisa', de 1977, 'Guerra da Lagosta' de 1978, 'Chocolate ou Morango' de 1977, 'O Prêmio', de 1977, 'O Coronel e o Lobisomem' de 1978 e o primeiro curta da irmã, Adélia, o 'Denúncia Vazia' de 1979. Em 1976, ela deu à luz seu caçula, André, e não diminuiu o ritmo de suas produções, sempre confiando no olhar atento de sua mãe, Guiomar, que ajudava a tomar conta dos pequenos. 

Apesar da correria, os herdeiros entrevistados garantem que Eliana se fazia presente na vida de todos. Quando uma gravação começava, eles já sabiam de antemão porque a casa ficava repleta de comida como leite ninho e frutas abundantes, que serviam para alimentar a equipe de filmagens. Apesar de Guiomar ser a cozinheira da família, a produtora executiva fazia questão de preparar pratos especiais no aniversário dos filhos: "Então o meu aniversário era nhoque com rosbife, da Tatiana era peixada e cada um tinha o direito de escolher uma comida no aniversário, que é quando ela cozinhava", relembra o dono de bistrô, Aldrin. 

Os grandes espetáculos de Eliana


William no set de filmagens de O Grande Palhaço                Arquivo Pessoal

Eliana e William, no final dos anos 70, decidiram se mudar para um sítio no Rio de Janeiro. Segundo Aldrin, a mãe era conhecida em sua escola como a "Mãe do Século XX' e fez algo inédito para a época: pintou a casa de lilás, que seria a cor de sua aura.  Em 1980, William dirigiu seu último filme, 'O Grande Palhaço' - novamente com a produção executiva de Eliana e que conta a história de um palhaço que deixa de sorrir após a morte de sua esposa, uma trapezista. 

A Dona Eliana, mais uma vez, exibiu toda sua astúcia: para fazer a propaganda do filme criou o concurso 'Pinte o Grande Palhaço', distribuído em 790 escolas no Rio de Janeiro - recebendo mais de 594 mil desenhos, vários que foram aproveitados pela UNICEF em projeto com a Embrafilme. Além disso, em 28 de setembro de 1980, Eliana fez a festa do 'O Grande Palhaço' no aterro do Flamengo, que contou com a presença de um elefante que chegou de São Paulo por caminhão e até palhaços por  helicóptero. 

No local, inclusive, ocorreu uma partida de futebol entre os performers e apresentação da trilha sonora, ao vivo, feita pelo agora falecido Airton Barbosa. Um dia antes, no sábado, estava chovendo e os filhos não acreditavam que o evento poderia ocorrer. "Ela disse que o evento iria acontecer e não iria chover. No domingo amanheceu com um sol extraordinário", indica Alexandre - tanto ele quanto os irmãos sempre admiraram a tenacidade da matriarca.  

À esquerda, o cartaz vencedor do concurso promovido por Eliana

'O Grande Palhaço' foi gravado em 45 dias, com orçamento de 10 milhões de cruzeiros e ficou pronto em outubro de 1979. O grande vencedor do 'Pinte o Grande Palhaço' foi o aluno Mauro Murlamaqui Sampaio, da escola Presidente Arthur Costa e Silva - que ganhou uma viagem de fim de semana a Viagem das Crianças, com visitas ao PlayCenter, Instituto Butantã e Simba Satan. Os outros 13 ganharam bicicletas, patins, bolas de futebol e de vôlei. A comissão julgadora foi composta por Tatiana, filha mais velha do casal, entre outros artistas e professores. 

"Jamais pensei que pudéssemos fazer tanto, mas pelo menos indiretamente atingimos um universo de 2 milhões de pessoas", admitiu Eliana em entrevista ao Jornal do Brasil em 1980. Nessa época, Eliana começou a trabalhar na Embrafilmes como gestora de recursos. 

Eliana - e o apreço pela educação

"Ela era apaixonada pelo cinema e entendia a arte como sendo um instrumento de transformação e de educação. O quanto ela pode brigar de inclusão...ela fazia projetos inclusivos, para crianças necessitadas, para quem não tinha, baixa renda, esse era o perfil dela", conta Tatiana durante a nossa entrevista, algo que o irmão Aldrin concorda: "A gente deu importância para o mais essencial que era a educação, cultura". 

Gerente de produção na Embrafilme, ela impulsionava os projetos em que acreditava e, nesse ínterim, seguia apoiando a família. Ela foi a produtora executiva de 'Amor Maldito', primeiro filme dirigido por uma mulher negra no Brasil e feito pela sua irmã, Adélia. A cineasta, inclusive, que começou acompanhando a irmã no set de filmagens, relembra a importância dela: "Dividíamos ela nos escritórios e eu nos set de filmagens. Ficamos bem famosas. Na época se um filme tinha pouca grana, diziam 'chama as irmãs que elas dão conta'"

Eliana e Adélia: as grandes irmãs                  Arquivo Pessoal/Adélia Sampaio

"Quando eu consegui realizar o meu primeiro longa, ao final ela me abraçou e disse: 'Conseguimos eu amo este filme'", relembra Adélia emocionada. Neste projeto, Eliana exibiu toda sua maestria ao lidar com números e conseguir recursos: parte do longa foi gravado em sua casa em Jacarepaguá e para a cena do casamento, Eliana transformou a igreja ali perto de católica em evangélica.

A família toda, apesar da ida de Guiomar para morar novamente em Jatobá, no interior de Belo Horizonte, continuava mais unida do que nunca. Para Eliana, não havia tempo ruim, ela fazia de tudo, em seu alcance, para ajudar seus filhos e as pessoas que mais amava. Uma alma generosa, tanto no set de filmagens quanto entre os seus. 

Quando a filha Tatiana se mudou para trabalhar no renomado Ballet Stagium, Eliana decidiu criar o curta 'Agora um Deus Dança em Mim (1982)' para ajudá-la com algumas despesas: "Era tudo presente para mim, com restos de filmes de cineastas, um câmera amigo, ela juntou um grupo de pessoas. Minha tia fez o roteiro e produzimos o filme e ela colocou na lata e saiu distribuindo. Na época era obrigatória a exibição de curtas brasileiros antes de filmes estrangeiros. Ele foi exibido por seis meses e foi com esse recurso que montei meu apartamento em São Paulo. Aluguel eu pagava com meu salário, mas mobiliar foi com esse dinheiro, com esse ímpeto produtivo da minha mãe". Em 1991, Eliana levou o Ballet Stagium, da filha para se apresentar no Buraco Quente da Mangueira, algo inédito até então. 

Tatiana com a mãe, Eliana e a avó, Guiomar                                 Arquivo Pessoal

Em 1986, Eliana - que continuava a trabalhar na Embrafilme - desenvolveu um novo projeto, o 'A Escola Vai ao Cinema', que consistia em levar estudantes de escolas públicas do Rio de Janeiro ao cinema. Para o Jornal do Brasil, a criadora do projeto revelou: "Os jovens perderam o hábito de valorizar a nossa história, influenciados como estão pelos enlatados da televisão. O projeto é isso. Pretende introduzir nos jovens o hábito de conviver com a nossa cultura". O programa era em conjunto com a Cooperativa Brasileira de Cinema, também gerenciado por Eliana. 

Nas exibições especiais para 'A Escola Vai ao Cinema' eram exibidos filmes como 'Quilombo' de Cacá Diegues, 'Inocência' de Walter Lima Júnior e também 'O Menino do Engenho'. O filho dela, Aldrin, trabalhava com a mãe na Embrafilme e, nessas sessões especiais, chegava a trabalhar na bomboniere vendendo alguns produtos. Na época, mais de 100 mil adolescentes viram os filmes e o lançamento do projeto contou com a presença de Jorge Coutinho e Glória Pires para um bate-papo - mostrando que a classe artística, em peso, estava de acordo com os ideais de Eliana. 

Um ano depois, inspirada nesse projeto, Eliana desenvolveu o 'Conhecendo o Verde da Sua Cidade', levando crianças da periferia do Rio de Janeiro para conhecerem o Parque da Cidade. O projeto levou cerca de 3 mil e 300 estudantes - com direito à um almoço no CIEP (Centros Integrados de Educação Pública) e atividades artísticas, visitando pontos pitorescos da cidade e museus. Nesse ínterim, ela desenvolveu também o projeto 'Piano pela Estrada', no qual o pianista consagrado Arthur Moreira Lima viajava pelo Rio de Janeiro tocando em cima de um caminhão - muito antes de Vanessa Carlton em 'A Thousand Miles'. Como se esses feitos não bastassem, ela também levou o piano de Tom Jobim para o Morro da Urca. 

Centenas de estudantes em sessão do 'Escola vai ao Cinema'                Jornal do Brasil

O projeto 'Escola vai ao Cinema' seguiu pelos anos 90, porém Eliana saiu de vez de cena e foi embora da Embrafilmes - no caso, pela morte de Juca, o seu marido tão amado. Ele ficou um longo período doente após ser diagnosticado com carcinoma de próstata. 

"Ele era uma pessoa ativa, imagino que seja difícil, mas ele era intelectual, então se ele tivesse um livro e alguém para conversar não se lamentava muito, ele lamentava de não estar atuante no cinema, nos filmes. Por isso ela dizia que ela morreu de 'tódio', porque ficou entediado, conformado com a doença, e ódio porque tinha amargura de ficar doente tão jovem e se entregou. Para ela então foi mais difícil esse fim de vida do meu pai do que a morte em si", lamenta Tatiana. 

William morreu em 7 de junho de 1991, às 4h, em sua casa em Jacarepaguá ao lado da esposa e dos filhos. O produtor, diretor e roteirista tinha apenas 61 anos de idade e, curiosamente, faleceu no dia do aniversário de 50 anos de Eliana. Ela seguiu com a festa para celebrar seu aniversário - sempre respeitando a memória de seu amado marido. 

Com a morte de William, Eliana decidiu, após se envolver com as produções culturais do 'Rio 92' - morar um tempo em São Paulo com a filha, Tatiana. Ela leva o filho, André, na época um adolescente, e Aldrin também - que participou com ela e a irmã do musical 'Mulheres de Hollanda', ajudando-as na produção. Depois, Eliana decide morar com a filha em Florianópolis, onde compra um apartamento próximo à escola dos netos. Aldrin, mais próximo da avó, Guiomar, vai morar com ela em Belo Horizonte enquanto Alexandre e Alan continuam no Rio de Janeiro.    

A família toda reunida no casamento civil de Eliana                  Arquivo Pessoal

Morando em Santa Catarina, Eliana se especializou na Lei Roaunet e ajudou a desenvolver diversos projetos, inclusive o lançamento do livro sobre Anita Garibaldi pelo genro, Paulo Markun, um jornalista renomado. "Tinha lançamento de uma hora, uma hora e meia, porque tinha dança, era uma coisa para trazer à tona a personagem que é a Anita Garibaldi. Então ela trouxe a dança da região, o tipo de comida, e viajou o Brasil todo, com lançamento em quase todas as capitais e cidades pequenas, especialmente em Santa Catarina", conta Tatiana. Eliana também foi a responsável por captar recursos para a edição 'O Melhor da Roda Viva', programa da TV Cultura, editada por Markun. 

Além de ajudar a família sempre, quase como uma mamãe urso, Eliana se envolveu em diversos projetos em Florianópolis: "Ela fez Descobrindo a Arte, o Brincando de Aprender, tem a OCA que trabalha com patrimônio histórico. Até hoje encontro pessoas que tem gratidão imensa por ela, que dizem: 'sem sua mãe não teria realizado, feito tal coisa, ela era essa pessoa mesmo'", emociona-se Tatiana, que viveu em sintonia com a mãe nesses anos em Floripa. Eliana ajudava, inclusive, a lotar teatros: "Produzia espetáculos prontos e vendia os lugares do teatro para associações de empresa, que distribuíam os ingressos para os funcionários, então a pessoa estreava com a casa lotada. Ela tinha uma forma de ver o mundo e um vigor que nunca vi ninguém igual. Sinto muito falta". 

O Brincando de Aprender levaria oficinas de arte para cinco orfanatos em Florianópolis. Luiz Carlos Barreto, em entrevista para o jornalista da Tribuna do Norte, era só elogios para Eliana e o marido, que nunca se esqueciam dos amigos: "Eram duas pessoas singulares, generosas. O Willian, nos anos 50/60, era o único cara que tinha escritório. Eles tinham a distribuidora Tabajara, que distribuía filmes soviéticos aqui no Brasil. A Tabajara faz 50 anos agora, e se o cinema brasileiro tem uma dívida com o Willian e a dona Eliana, tem que ser paga na comemoração da distribuidora. Acho até que dona Eliana deveria ressuscitar essa empresa". 

Família toda reunida e, como sempre, Eliana muito bem vestida            Arquivo Pessoal

A partida 

Eliana faleceu em 1º de abril de 2007, aos 65 anos de idade, por conta de uma embolia pulmonar. Tatiana recorda que a mãe havia passado, algum tempo antes, por uma cirurgia bariátrica. 

"Ninguém esperava, eu estive com ela para fazer um check up e fui buscá-la no dia dos resultados e ela entrou contente, falando que o útero estava rosinha, o coração perfeito e 48 horas depois ela faleceu. Inclusive ela estava trabalhando, com dois amigos meu, do ‘Descobrindo a Arte’, ela estava escrevendo para colocar na rua o projeto. Esses dois estavam com ela em casa, ela foi comer, sentou porque estava cansada e queria ver o jornal, ligou a TV e faleceu. Foi algo inexplicável porque não tinha nenhum sinal de saúde que pudesse dizer", lamenta Tatiana durante nossa conversa. 

Eliana com um de seus netos 

Guiomar, a eterna guerreira e apoiadora incondicional das filhas, ainda estava viva na época e morando em Jatobá ao lado do neto, Aldrin, que relembra: "Foi muito difícil, minha avó tinha dificuldade na mobilidade. Minha mãe morreu e eu estava em Belo Horizonte com ela, fui para Floripa sem ela saber que a mãe estava morta. Voltei e a família inteira marcou uma reunião na casa da minha tia para revelar que a mamãe tinha morrido para ela. (...) Ai a gente levou minha avó no túmulo, mas senti um desgosto, tristeza nela e logo depois ela veio a falecer". 

Guiomar faleceu em 2009, porém deixou um presente para o neto de quem era tão próxima: ele se casou com Janaina, a enfermeira que cuidou de Guiomar até o fim - Aldrin considera este, o grande presente de sua querida avó.  Os projetos de Eliana Cobbett, a primeira grande produtora executiva do Brasil, seguem vivos na arte e em seus cinco queridos filhos. Em meu bate-papo com três deles, pude perceber o quanto eles se sentem honrados de serem herdeiros de duas pessoas tão especiais e que colaboraram tanto para a evolução do cinema brasileiro. 

Com ideias mirabolantes e que sempre fazia, de algum modo mágico, funcionar, Eliana Cobbett cimentou seu lugar na história do cinema brasileiro e mostrou, de diversas maneiras, que sempre foi uma mulher à frente de seu tempo - agora e sempre uma verdadeira "Mulher do Século XXI". 
Agradecimentos à Tatiana, Alexandre e Aldrin Cobbett, por baterem um looongo papo comigo, esclarecerem e tirarem algumas de minhas dúvidas. Além disso, por mandarem fotos e por serem tão solícitos (Muito obrigada!). 
Agradeço também à Adélia Sampaio por tirar minhas dúvidas e me enviar fotos, além das falas de Lucy Barreto sobre Eliana. 

Fontes adicionais: 

O caso de Christian Aaron Boulogne, filho renegado de Alain Delon

A relação entre pais e filhos é complexa. Enquanto a mãe é uma figura que está sempre por perto, atendendo as necessidades de seus herdeiros, o pai parece uma entidade que pode entrar e sair da vida de seus descendentes, sem preocupações. Embora haja exceções, em ambas as esferas, no Brasil vê-se uma verdadeira epidemia: 470 crianças são registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento por dia, segundo levantamento de 2022. 

E este caso, tão palpável para nós, ocorreu com o francês Christian Aaron Boulogne - também conhecido com Ari Boulogne e Ari Pffägenque foi renegado a vida inteira pelo próprio pai, o astro de cinema Alain Delon. A mãe dele era a famosa Nico -anagrama de Icon -, que fez parte da banda The Velvet Underground com Lou Reed, e uma das divas mais famosas da cena musical em Nova York, nos EUA - queridinha de Andy Warhol, artista plástico que ditou tendências de arte no local até os anos 80. 

Christian, também conhecido como Ari 

O astro de cinema francês e a alemã talentosa se conheceram por acaso. De acordo com a biografia 'Nico: Life and Lies of an Icon' de Richard Witts, Nico foi convidada para participar do filme 'O Sol por Testemunha (1960)', através de seu amigo Maurice Ronet. O longa seria gravado em um iate, na ilha Ischia, na Itália. Ao chegar lá, no entanto, ela descobriu que foi substituída pela atriz Marie Laforêt, já que ela se atrasou sem dar satisfações. Quem se ofereceu para consolá-la? Alain, que a levou para viajar por algum tempo - e na ocasião ele ainda namorava Romy Schneider. 

Após alguns dias no paraíso, eles se separaram, mas se reencontraram em novembro de 1961. A jovem soube que ele estava no mesmo hotel que ela, o Saint Regis Hotel, em Nova York, nos EUA. Os dois saíram juntos, se divertiram, e depois voltaram para o quarto - aquela noite, eles conceberam o filho, Christian. Nico namorava o cineasta Nico Papatakis na época e, logo depois, se separaram de vez - embora o artista tenha a ajudado durante a gravidez. 

Em 11 de agosto de 1962, na clínica particular Belvedere, em Neuilly, Paris, na França, Christian Aaron Päffgen nasceu através de uma cesárea. Ele foi nomeado com C de Christa - nome verdadeiro de Nico - Aaron pelo A de Alain e por significar 'pequeno leão', já que ele era do signo de Leão. Alguns meses depois, Nico mandou uma carta informando o astro sobre o filho, apelidado de Ari, mas ele se recusou a tomar alguma providência - para Alain, Nico era a única responsável. Ele se casou logo depois com a modelo Nathalie, com quem teve o filho Anthony em 1964. 

Nico e Ari e, ao lado, o pai Alain Delon

No começo, especulava-se de que Nico Papatakis poderia ser o pai de Ari e que Nico, de fato, estaria apenas obcecada por Alain. À medida que o menino crescia, no entanto, ficava evidente o quanto ele era parecido com Delon - a mãe do astro, Édith Arnold, também achava. O fotógrafo e amigo da estrela, Willy Maywald, entrou em contato com a avó, que concordou em ajudar como pudesse. 

Na ocasião, Nico deixava o filho com a mãe, Margarete, que lutava contra o Parkinson e estava, aos poucos, declinando em saúde. Trabalhando como modelo e aceitando todos os bookings que pudesse, ela não tinha tempo para ficar com o filho e teve que recorrer à Édith, que concordou em cuidar de Ari enquanto Nico trabalhava. 

Em 1964, o pequeno Christian recebeu uma visita da tia, Paulaedith - parente apenas por parte de mãe de Alain - que relembrou as condições desumanas que ele fora submetido em Ibiza com a avó: "Eu cheguei e fiquei chocada. Ele era mantido em um quarto escuro e ele estava com medo, encurvado como um animal. A mãe de Nico não o deixava ir. Ela não me dava os papeis de entrada dele no país, então não podia levá-lo. Eu tive que voltar para Paris de mãos vazias. Minha mãe decidiu que tomaria às rédeas. Devo acrescentar que não foi fácil para nós, porque tivemos que pagar tudo. Nico nunca nos deu um tostão". 

Ari com a avó Edith, a mulher que o criou realmente

Edith ligou para Nico em Londres e pediu uma cópia dos papéis de entrada de Ari em Ibiza. A senhora explicou a situação e conseguiu tirar o pequeno da avó - ele estava morando agora com a família paterna na França.  Em sua autobiografia, o 'L'amour n'oublie jamais', publicado em 2001, Christian relembra sua infância atribulada, viajando para cima e para baixo com a mãe, apesar de receber o carinho e cuidado de sua avó e tia. Segundo fontes, Nico o levava para festejar com Andy Warhol em Nova York e o menino bebia dos copos com álcool, com apenas cinco anos de idade. Ali, Edith interferiu e ficou com ele permanentemente. 

No livro, Christian contou, inclusive, o encontro que teve com o pai após a morte do avô, Paul, em 1986. Juntos, no carro do astro, Alain teria deixado claro: "Você é meu amigo, você é meu amigo. Mas vou te dizer algo: você não tem os meus olhos, você não tem o meu cabelo. Você não é o meu filho, nunca será meu filho. Eu apenas dormi com sua mãe uma vez. Seu pai é de Póleon".

Apesar de nunca reconhecer, publicamente, a paternidade de Ari, Alain sabia, no fundo, que o rapaz era seu filho. Em 1969, quando o guarda-costas dele foi terrivelmente assassinado, Christian foi enviado para um local seguro, já que o assassino jurou matar Delon, a esposa, e seu filho, Anthony. A ação foi feita pelos Boulognes, que criavam Ari como um filho, mas para Nico isso provava a legitimidade da relação. Em 1965, outro guarda-costas de Alain havia sido assassinado e Nico jurava que sabia quem era o responsável - porém nunca o revelou.  

Mãe e filho em momentos mais felizes

A primeira vez que Nico admitiu que Ari era filho de Alain foi para a revista Twen, quando completou 30 anos em 1968. Ela informou, inclusive, que Christian vivia com a avó Edith e que ela, por sua vez, era contra as ações do filho. Aos 14 anos, ele foi legalmente adotado por sua avó e avô Paul Bolougne, padrasto de Alain, já que a mãe, por descuido, o havia deixado sem pátria por falta de informação jurídica - não é porque você nasce na França que é, automaticamente, francês. Dois anos depois, Ari foi enviado para uma escola militar. 

O jovem, desde aquela época, ressentia essa ação da avó, mas era ela quem cuidava dele, sem receber dinheiro nem de Alain e nem de Nico. Revoltado, ele se conectou ainda mais com Nico, com quem ele dividia o vício pela heroína, como ele contou para a coluna JDD em 2018: "Dos meus 16 anos, até a morte dela em 1988, nós dividimos a mesma droga, a mesma seringa. Era nossa maneira de ficarmos juntos". 

Ao sair da escola, Ari trabalhou como garçom, modelo e roadie, até se reunir com a mãe, com quem tinha brigas épicas. Quando Nico ainda estava com o cineasta Philippe Garrel, ele estrelou em alguns filmes experimentais ao seu lado como 'A Cicatriz Interior (1972)' e 'A Criança Secreta (1979)'. Ele a acompanhava, também, em suas turnês musicais e ambos passavam o tempo todo juntos, até dormindo na mesma cama. Essa era a maneira que ela havia encontrado de ficar mais próxima dele e compensar pelo tempo perdido - foi Nico, inclusive, quem o incentivou a se drogar, apesar dele ter resistido e tentado ajudar a mãe a se livrar do vício. 
Nico e Ari em 1981

Em 1984, Ari começou a carreira como fotógrafo em Nova York, nos EUA, e Nico e ele já haviam se reconectado, tornando-se inseparáveis. Apesar de ter sido uma mãe ausente, ela notou como a vida era difícil para Ari. De acordo com o livro de Richard Witts, já criança, ele tinha diversos surtos psicóticos e, em uma viagem com amigos da família, chegou a ameaçar se matar com uma faca. "Eu estive em clínicas psiquiátricas tantas vezes que eu nem lembro quantas pílulas, choques...Eu estive em coma, tive lesões cerebrais", relembrou o próprio Ari para Richard Witts. 

Nico faleceu em 18 de julho de 1988, quando estava em Ibiza com o filho - na ocasião, recuperando-se de seu vício em drogas mais pesadas. Ela afirmou que iria até a cidade para comprar maconha e, com a alta temperatura, sofreu queimaduras andando de bicicleta. Apesar de ter sido socorrida por um taxista, Nico teve uma hemorragia cerebral e morreu pela demora do atendimento no hospital. Durante toda essa tragédia, onde estava Alain, você se pergunta? Fingindo que Ari não existia e vivendo sua vida como uma megaestrela de cinema. 

Com a morte da mãe, Christian ficou ainda mais fora de controle, ainda mais por receber dinheiro dos royalties de músicas e filmes estrelados pela matriarca. Ele consumia uma grama de heroína por dia e chegou a ser internado diversas vezes, cometendo loucuras: "Agora, estou tentando voltar à mim mesmo. Eu não sou forte o suficiente ainda, mas um dia, quando eu for, eu vou confrontar o meu pai e farei pelo bem da minha mãe", admitiu ele em entrevista nos anos 90. 

Ari Bolougne 

Em 2001, Ari lançou o livro 'L'amour n'oublie jamais', pedindo que Alain fizesse um teste de DNA para comprovar sua paternidade. Em entrevista ao programa 'INA Arditube', ele explicou: "Eu comecei o pedido de reconhecimento aos 18 anos", mas foi persuadido pela tia a não continuar. Em comunicado através de Jean Braghini, para a publicação Le Monde naquele ano, informou que "uma ação buscando a paternidade, feita pela mãe de Ari, falhou" e que "o filho dela poderia ter feito a apelação nos dois anos que se seguiram, mas decidiu que não. Meu cliente tem senso de honra, se fosse seu filho, ele o teria reconhecido". 

Ari, após o sucesso de seu livro, não desistiu de provar que Alain era seu pai. Em setembro de 2019, ele entrou com um pedido para reconhecimento de paternidade em Orléans, na França. Segundo o advogado de Christian, Michel-Guillaume Fleury, para a revista Gala, o desejo dele era que seus filhos, Charles, nascido em 1999, e Blanche, nascida em 2006, "não fossem privados de sua descendência". Em agosto de 2020, o caso foi descartado já que a "a jurisdição francesa era territorialmente incompetente", afinal Alain vive na Suíça desde 1984. Ari entrou com uma apelação, que segue na Justiça. 

Christian Aaron Bolougne, no entanto, nunca foi devidamente acolhido por seu pai. Ele foi encontrado morto em 20 de maio de 2023, aos 60 anos de idade, em seu apartamento na rua Cambronne, na 15ª arrondissement de Paris. Uma mulher de 58 anos, chamada Yasmina Saïdi, companheira dele, foi quem o encontrou, "em avançado estado de decomposição". Ela foi detida pela polícia por acusação de homicídio culposo e por omissão de socorro, além de posse de drogas. Ela alega que estava viajando com o filho de 21 anos, enquanto vizinhos afirmam tê-la visto no local uma semana antes. Ambos, inclusive, brigavam muito, com "gritos e violência", conforme relatos de pessoas vivendo no local.  

Ari em 2022

O jornalista Bernard Pascuito, que escreve uma biografia sobre Alain Delon, conheceu Ari em junho de 2022. O homem, então uma cópia idêntica de Alain, estava agora em "desespero, destituição e em uma horrível desintegração física", informou o escritor para o site Midi Libre em maio deste ano. Segundo ele, Ari teve dois AVCs (Acidente Vascular Cerebral) ao longo de 15 anos: "Agora ele estava hemiplégico (totalmente paralisado dos dois lados do corpo). Ele falou conosco sentado no braço de uma cadeira, completamente retorcido, mal conseguia segurar o cigarro". 

Indagado na entrevista sobre o que falaria se visse Alain frente à frente, Ari afirmou para Bernard: "Eu diria para ele: 'Por que não quer falar comigo? Por que você deixou tudo isso acontecer? Eles me tiraram da minha mãe, a pessoa mais importante da minha vida, para então me rejeitarem...eu não entendo'". Ari, inclusive, tinha raiva da avó que, apesar de criá-lo, o fez ficar distante da mãe, nem entregando as cartas que Nico lhe enviava. A avó dizia que, um dia, Alain viria buscá-lo e o colocou para dormir no quarto que pertencia ao pai, com uma foto dele na cabeceira. O astro de cinema ficou 17 anos sem falar com a mãe após ela ter adotado Ari - e sempre se recusou a fazer um teste de DNA. 

Anthony Delon, filho mais velho de Alain com Nathalie, se pronunciou no Instagram após o falecimento do suposto meio-irmão. Ele postou os dizeres: "Descanse em paz, Ari. Um destino trágico, tristeza. Pensando em seus filhos esta noite". Os dois se conheceram através de Serge Gainsbourg em uma boate em Paris, quando ele tinha 18 e Anthony 16, porém nunca tiveram uma relação próxima. Anthony visitava a casa da avó, Edith, inclusive, quando Ari não estava lá. 

Postagem de Anthony sobre o meio-irmão, Ari

A morte de Christian Aaron Boulogne continua a ser investigada pela polícia. A sobrinha de Alain, Marie Soubrier Boulogne, acredita que Yasmina matou Ari por achar que tinha direito pela herança dele: "Há dez anos, ele não consumia mais metadona. Ele não tomava nada. Essa mulher o levava coisas, ela o estava drogando". 

Em sua autobiografia, dedicada ao seu filho Charles, nascido em 1999, Ari afirmou que escrevia para que ele o "amasse, meu filho. Para que você reconheça, em mim, alguém que sofreu, mas que deseja felicidade agora, uma certa harmonia. É uma luta dura em um mundo difícil". Aos 87 anos de idade, Alain segue a negar a paternidade de Ari e, em julho deste ano, os filhos dele, Anthony, Alain e Anouchka, entraram com uma denúncia contra a atual companheira, Hiromi Rollin, por assédio moral e abuso de fraqueza, após ele ter sofrido um AVC em 2019. Ela negou todas as acusações, mas foi expulsa da casa dele, que agora vive na França. 

Ari faleceu sem nunca ser reconhecido pelo pai, assim como milhares de outras pessoas ao redor do mundo. Será que um dia, Alain, o fará Justiça? 

Roy Orbison em O Violão Heroico (The Fastest Guitar Alive, 1967)

O ano de 1966 foi devastador para Roy Orbison. O cantor - para quem acredita em simbolismos - tem uma conexão trágica com o número 6. Em 6 de junho de 1966, a esposa dele, Claudette Frady - para quem escreveu 'Claudette' e 'Pretty Woman' - faleceu em um terrível acidente de moto em Bristol, Tennessee, nos EUA. Ela foi atingida por um caminhão ao passear com o marido, com quem dividia o amor por motocicletas. 

Antes naquele mesmo ano, sem saber da tragédia que assolaria sua vida pessoal, Roy decidiu dar um passo a mais em sua carreira. Assim como Elvis Presley - um bom amigo que lhe desabrochou o amor por motos e que recusou a oferta de estrelar a mesma obra há dez anos- ele foi chamado para estrelar o musical, 'O Violão Heróico (The Fastest Guitar Alive, 1967)'

De acordo com a biografia 'The Authorized Roy Orbison', Roy já tinha assinado para estrelar o filme em maio e começaria a gravação no final de 1966. Anestesiado logo após a morte da esposa, Roy quis ainda mais se focar no trabalho para ocupar a mente e cuidar dos três filhos, Roy Jr, Anthony e Wesley, este com apenas 21 meses de vida. 

Roy Orbison em 'O Violão Heroico'

Em outubro de 1965, Roy Orbison assinou um contrato com o estúdio de cinema MGM - um ano após já fazer parte da gravadora do grupo - e seu primeiro projeto era, justamente, 'O Violão Heroico'. De acordo com entrevista para Glenn A Baker, em 1980, o contrato era, originalmente, para sete filmes e ele até criou uma produtora, a Kelton, visando estrelar e desenvolver outros projetos: "Eu fiz o primeiro filme e era para ser bem sério. E o que acontece é que, antes de chegar em Hollywood, Cat Ballou tinha ganhado um Oscar, então eles quiseram imitar e fazer um filme de faroeste engraçado. 'Vai fazer um pouco de dinheiro', eles imaginaram. E imaginaram errado". 

Em 'O Violão Heroico (The Fastest Guitar Alive, 1967)', Roy interpreta Johnny, um espião sulista que viaja durante a Guerra Civil como um músico. Ele, acompanhado do parceiro Steve (Sammy Jackson), procura um punhado de ouro enquanto foge da União. Tentando escapar dos ianques, eles contam com diversas aventuras e a ajuda das dançarinas Flo (Maggie Pierce) e Sue (Joan Freeman). O músico Sam The Sham também fez uma pequena participação. Segundo o material de imprensa, Roy estava muito feliz de trabalhar com Joan, afirmando: "Eu deveria estar pagando o estúdio para estrelar cenas com ela". 

Se o filme não tivesse sido um verdadeiro fracasso, a carreira de Roy poderia ter dado uma guinada surpreendente. Conforme revela o livro Roy Orbison Invention Of An Alternative Rock Masculinity por Peter Lehman, o cantor aparecia, pela primeira vez, sem seus óculos escuros e com uma persona mais acessível. Ele teria, talvez, trilhado o caminho de Elvis se soubesse, de fato, atuar. 


Roy, é sem dúvida, uma das grandes vozes da indústria musical, porém fica claro, para qualquer leigo, que ele estava desconfortável com o filme e não sabia o que fazer. 'O Violão Heroico (The Fastest Guitar Alive, 1967)' começou a ser gravado em 8 de setembro de 1966 e Elvis, inclusive, mandou um telegrama desejando Roy boa sorte, mas isso se provou insuficiente. 

Telegrama de Elvis do livro 'Word by Word' de Jerry Osborne - "Querido Roy, parabéns pelo começo de seu filme com o nosso bom amigo, Sam Katzman. Seus camaradas, Elvis e o Coronel". 

Assim como Elvis em seus filmes, Roy Orbison criou e cantou toda as canções de 'O Violão Heroico', produzidas também por Bill Dees. Segundo a biografia 'Only The Lonely' de Alan Clayson, o cantor teve dificuldades em desenvolver as canções, mas quis tentar deixá-las todas coesas. A canção título, por exemplo, era "para descrever minha maneira de viver, mas eu tinha um problema de atingir essa expectativa". Roy, inclusive, diz que 'Rollin On' era para seu personagem contar, "para as garotas que eles iam embora com o ouro e a única maneira de sair era cantando uma música". 

A MGM, aproveitando-se de uma manobra antiga, lançou a trilha sonora em conjunto com o filme para obter o máximo de lucro possível - se o filme fosse mal, a trilha lucraria em seu lugar. 'O Violão Heróico' não tinha nenhuma música de grande destaque, mas três músicas eram muito boas e, curiosamente, não estavam no filme: Best Friends, Heading South e There Won't Be Many Coming Home. 


O trabalho de Roy com a trilha sonora ocorreu seis semanas antes de começar a praticar para o filme. De acordo com a revista Cash Box, em agosto de 1966, ele pré-gravou as canções em Nashville, Texas, por três dias com a ajuda dos produtores Jerry Katzman e Fred Karger. Ainda desolado pelo luto, o guitarrista Harold Bradley diz que nem lembra de Roy nas sessões, com os produtores e o agente dele, Wesley Rose, assumindo à frente. 

Nos bastidores, Roy demorava cerca de uma hora para se arrumar, especialmente com a maquiagem e o novo visual capilar. Em certo momento, os filhos mais velhos do casamento com a falecida Claudette, Roy Jr e Anthony, posaram com o pai nos bastidores da MGM, em Culver City, Califórnia, durante as gravações de 'O Violão Heroico'. Os dois falecerem em um terrível incêndio na mansão onde moravam, em Old Hickory Lake, Hendersonville, Tennesse, em 18 de setembro de 1968 - o caçula, Wesley, foi o único sobrevivente. 

Roy e os filhos, Roy Jr e Anthony

O guitarrista Terry Widlake relembrou, em entrevista, que Roy teria quebrado o pé em uma das cenas do filme e o fato de ter que usar gesso o enlouquecia: "Roy quebrou a perna no set. Em uma cena, ele tocava a guitarra com o pé. Quando ele levantou, uma tela caiu em cima dele e quebrou a perna. Eles tiveram que parar as gravações por conta disso, o que ele não suportava. Ele mal podia esperar para se livrar disso, então ele me disse para cortar com um daqueles canivetes que ele usava para montar modelos de aviões". O diretor, Michael Moore, nega que isso tenha acontecido e garante que o filme seguiu o cronograma sem atrasos. 

Dirigido por Michael D. Moore, com produção de Sam Katzman e roteiro de Robert E. Kent, o longa transcorreu sem grandes atribulações. 'O Violão Heroico (The Fastes Guitar Alive, 1967)' foi lançado em 19 de julho de 1967 e foi um fracasso de crítica e bilheteria, com uma visão estereotipada dos povos indígenas - apesar de todos pegarem mais leve com a atuação de Roy justamente pela morte de sua esposa, então com apenas 26 anos de idade. 

Em entrevista para o jornal Liverpool Echo, em 11 de março de 1967, Roy forneceu maiores detalhes sobre outros filmes que tinha em mente - antes da estreia de seu primeiro e último longa: "O outro filme é sobre um mágico e há seis garotas que cantam e dançam. A ideia veio de um incidente verdadeiro quando alguns simpatizantes planejavam explodir o Met de São Francisco, mas não o fizeram. Agora, estou pensando em fazer outro filme. Este será moderno e eu terei duas ou três linhas de história". Nenhum deles se concretizaria. 

Michael Moore, o diretor, com os atores no set de filmagens

Em entrevista para Diana Howe, Michael relembra que conheceu Orbison durante um jantar após ser escolhido como diretor por Sam Katzman. O cantor usou os óculos escuros à noite toda e quando Michael, finalmente, conseguiu fazer com que Roy os tirasse, descobriu que "seus olhos tinham uma aparência cansada e não focavam bem e eu sabia que deveria filmá-los de modo cuidadoso"
"Minhas memórias do filme são todas felizes. Foi divertido de fazer, com um elenco muito bom de trabalhar e uma ótima atmosfera. Todo mundo cooperava e como era o primeiro filme de Roy, todas as pessoas o ajudaram muito" - afirmou Michael, definindo Roy como "trabalhador, muito inteligente, com ótimos hábitos de trabalho, além de ser simpático e educado"

Mickey, que também morou em Malibu em seus anos finais - assim como Roy - não cansou de elogiá-lo em matéria replicada no site Pepperdine: "Eu o tinha em tão alta estima e também era muito fã de sua música. Nossa, eu acho que ainda tenho a guitarra feita para o filme...aquela com a arma"

Roy Orbison com a famosa guitarra/arma

O músico Rodney Justo, que trabalhou como cantor de backup para Roy, relembrou para o livro 'Rhapsody in Black', a estreia do longa no Reino Unido. Segundo ele, o filme "teria atingido status cult se fosse pior. Todos os caras na banda estavam: 'Sim, sim...isso está ótimo Roy', mas assim que estávamos longe ficávamos: 'Ah não'". Terry, no entanto, diz que Roy levou a situação numa boa e, uma vez por ano, fazia uma exibição de 'O Violão Heroico' com comentários de cada cena, sabendo como "era ruim"

Roy nunca mais estrelou em outro filme, mudando de ideia apenas para fazer uma aparição no 'Roadie (idem, 1980)'. Nesse ínterim, ele se casou novamente com Barbara em 25 de março de 1969 e com ela teve dois filhos, Roy Jr. e Alex Orbison. Em entrevista para o filho Roy, Michael voltou a enaltecer a grande voz, afirmando que o artista poderia ter feito mais longas se quisesse: 
Seu pai ultrapassou todas as dificuldades. Nós tínhamos indígenas, fuga com carruagens, ele tinha que atirar com a guitarra em cima do cavalo. E tantos números de canto e dança. Nós sabíamos, porém, que não teríamos problemas com a dança ou o canto. 
Roy Orbison em cena do filme 'O Violão Heroico'

'O Violão Heroico (The Fastes Guitar Alive, 1967)' nunca atingiu o status cult, porém foi homenageado por Quentin Tarantino no filme 'Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 1965). A canção 'There Won't Be Many Coming Home' foi usada nos créditos finais da obra, mostrando que a verdadeira força de Roy é como cantor e não ator - e com uma voz dessas, que definiu também a obra 'Veludo Azul (Blue Velvet, 1986)' de David Lynch, ele não precisa de mais nada! 


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