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A homenagem a antiga Hollywood de A Forma da Água (2017)

*spoilers de A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) 

O filme A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) não traz uma história inovadora: o  tema de romance entre um humano e uma criatura com poderes místicos já foi muito bem explorada em filmes como Ele e a Sereia (Mr. Peabody and The Mermaid, 1948), Splash: Uma Sereia em Minha Vida (Splash, 1984); neste no qual as similaridades são incríveis;  e Minha Noiva é Uma Extraterrestre (My Stepmother Is an Alien, 1988). No entanto, A Forma da Água tem seu diferencial: sua protagonista é muda e são os coadjuvantes, uma negra e um homossexual, que têm o maior número de falas e de ação na película. 

O mais novo filme do diretor Guillermo Del Toro conta a história de Eliza Esposito, interpretada com maestria por Sally Hawkins, uma faxineira muda que mora acima de um cinema, ao lado de seu melhor amigo, o pintor homossexual, Giles, vivido por Richard Jenkins. Um dia em seu trabalho, a vida de Eliza e de sua amiga negra Elza, vivida pela incrível Octavia Spencer, muda com a chegada de uma criatura encontrada na América do Sul, interpretad por Doug Jones, que pode dar uma vantagem aos americanos durante a Guerra Fria. Eliza e a criatura se apaixonam e precisam lutar contra as garras do governo e do cruel general Strickland, interpretado por Michael Shannon. 


Sally Hawkins e Doug Jones em cena de A Forma da Água (2017)                            Divulgação
Apesar das acusações de plágio; que envolvem a peça Let me Hear You Whisper (1969) e o curta The Space Between Us (2015);  A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) é o filme mais indicado ao Oscar 2018, com 13 indicações no total e ganhou 4 prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. Para os telespectadores brasileiros que gostaram do filme, tem uma outra agradável surpresa. A criatura-peixe de A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) foi baseada na lenda do folclore brasileiro, o Cabloco D'Água, um monstro que vive nas águas do Rio São Francisco. O Cabloco, é claro, também foi o preceito para o filme O Monstro da Lagoa Negra (Creature From the Black Lagoon, 1954). 

Outro fato curioso em A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) é como os roteiristas Guillermo Del Toro e Daniel Kraus homenagearam à antiga Hollywood. A começar pelo fato da protagonista viver de aluguel acima de um cinema, que está exibindo duas películas: A História de Rute (The Story of Ruth, 1960) e Mardi Gras (idem, 1958). A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) é tão visualmente belo quanto os filmes antigos que nos quais se baseia.

Por isso nós da Caixa de Sucessos mostramos os filmes da antiga Hollywood que são homenageados no filme de Guillermo del Toro, a seguir!

A MASCOTE DO REGIMENTO (THE LITTLE COLONEL, 1935)


Bill 'Bojangles' Robinson aperfeiçoou a chamada "dança da escada" no filme A Mascote do Regimento (The Little Colonel, 1935) estrelado pela atriz-mirim Shirley Temple. O dançarino atuou ao lado de Shirley em um total de quatro filmes, com a sequência acima sendo uma de suas mais famosas. 

É nela que seu personagem, Walker, ensina a pequena Lloyd (Shirley Temple) a dançar. Essa foi a primeira dança interracial em um filme nos Estados Unidos (apenas permitido porque Shirley era uma criança) e o começo de uma colaboração entre Bill e Shirley que duraria quatro filmes. 

Em A Mascote do Regimento (The Little Colonel, 1935), Walker e Lloyd representam uma dupla que no papel parecia que nunca funcionaria, (anda mais com o preconceito latente da época), mas que na vida real se mostrou muito eficaz e bonita. Assim como as amizades de Eliza em A Forma da Água (The Shape of Water, 2017); com uma cena fofa de dança entre Eliza e Giles; e seu amor pela criatura-peixe. São elas combinações diferentes que provam fazer muito sucesso e trazem à tona o melhor de cada um dos personagens, assim como aconteceu nas telas e na vida real com Shirley e Bill. 

TURBILHÃO (CONEY ISLAND, 1943)


Betty Grable estava no auge de sua fama quando estrelou como Kate Farley no filme Turbilhão (Coney Island, 1943). Com apenas 27 anos de idade, Betty estava no pico de sua beleza, bem diferente de Giles do filme A Forma da Água (The Shape of Water, 2017). 

Em o Turbilhão (Coney Island, 1943), Kate faz muito sucesso na cidade, por sua personalidade vibrante, sua beleza e, é claro, sua voz de cantora. Ela experimenta algo que Giles nunca conseguiu viver: o sucesso pleno.

A parte do filme Turbilhão (Coney Island, 1943) que aparece em A Forma da Água (2017) é o número de dança da música Pretty Baby, que pode ser visto acima. Uma das músicas de maior sucesso de Grable, que durante a Segunda Guerra era a pin up mais requisitada dos oficiais, na frente apenas de Rita Hayworth. A beleza, portanto, que Giles, também, nunca experimentou até então.  

UMA NOITE NO RIO (THAT NIGHT IN RIO, 1941)


Carmen Miranda, nascida em Portugal e naturalizada brasileira, era o rosto da chamada 'boa-vizinhança', implementada pelo então presidente do Brasil, Getúlio Vargas nos anos 30/40. Com suas roupas espalhafatosas, a famosa 'salada de frutas' na cabeça como acessório e seu gingado, Carmen fez um sucesso estrondoso nos Estados Unidos e ajudou a difundir a imagem do brasileiro no exterior, seja no bem e no mal.  

Em a Forma da Água (The Shape of Water, 2017), Carmen faz sua aparição com a música Chica Chica Boom Chic, na cena em que Eliza tenta descobrir um jeito para conseguir libertar a criatura-peixe do laboratório. No filme Uma Noite em Rio (That Night in Rio, 1941), Carmen interpreta uma cantora, no qual seu namorado, vivido por Don Ameche, finge ser um barão em uma baile de máscara e tem que viver uma farsa para manter as aparências para Carmen e a esposa real do barão, Cecilia, vivida por Alice Faye. 

Don Ameche vive entre dois mundos, assim como Eliza em A Forma da Água (The Shape of Water, 2017). 

A HISTÓRIA DE RUTE (THE STORY OF RUTH, 1960)


A História de Rute (The Story of Ruth, 1960) é um dos filmes em destaque no cinema no qual Eliza, personagem principal de A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) vive acima. Um filme biblíco, Elaine Eden interpreta Rute, uma jovem criada para se tornar sacerdotista de um templo pagão, mas que acaba conhecendo Deus e abdica dos sacrifícios para espalhar sua nova fé. 

Ruth escapa da fúria de seu povo com a ajuda de Noemi, uma senhora que lhe ensinou todos os testemunhos de Deus, ambas vão para Jerusalém. No meio do caminho, Rute conhece Boaz, vivido por Stuart Whitman, e os dois se apaixonam. Mas Rute já está prometida à outro homem, Mahlon, filho de Noemi. 

Apesar da licença poética, afinal na bíblia, Rute era casada com Mahlon e apenas ficou com Boaz depois da morte de seu marido, o filme mostra muito bem como Rute escolheu seu lar e as pessoas que amavam, assim como Eliza em A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) também o faz. 

O amor entre Eliza e a criatura-peixe é descrita perfeitamente pelo livro de Ruth 1:16: 
Ruth diz: "Não me instes para que te abandone, e deixe de seguir-te; porque aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. 

AQUILO SIM ERA VIDA (HELLO, FRISCO, HELLO, 1943)


No filme Aquilo Sim Era Vida (Hello, Frisco, Hello, 1943) Alice Faye interpreta a canção You'll Never Know que aparece não uma, mas duas vezes em A Forma da Água (The Shape of Water, 2017). 

Uma das divas de Giles, o amigo homossexual de Eliza, Alice Faye estava no auge de sua beleza e fama durante o filme e é descrita da seguinte maneira por Giles: "Alice Faye acabou de começar. Ela era muito famosa, até que um dia se cansou de tudo aquilo e chutou o balde." Uma opção que o personagem nunca teve em sua vida, afinal continuava a trabalhar em seus quadros mesmo aos 50 anos de idade, sem nenhuma outra perspectiva. 

Pela canção You'll Never Know, que acontece logo nos primeiros cinco minutos do filme Aquilo Sim Era Vida (1943), a película ganhou um Oscar de Melhor Canção Original em 1944, tornando-se a música oficial de Alice Faye. 

MARDI GRAS (1958)


Mardi Gras (idem, 1958) é um musical que em A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) está passando no cinema, no qual Eliza e Giles vivem acima. Mardi Gras é um filme musical de romance, bem água com açúcar, no qual o ator Pat Boone interpreta um militar que ganha a chance de sair em um encontro com a estrela de cinema e rainha do carnaval, Christine Careré, vivida por Michelle Marton. 

Ambos se apaixonam no filme, sem saberem do passado um do outro, assim como Eliza e a criatura-peixe em A Forma da Água (The Shape of Water, 2017). E assim como em Mardi Gras, a fantasia e a realidade se misturam em A Forma da Água, em uma realidade que se apaixonar por uma criatura se torna muito plausível. Em uma cena de intimidade entre eles que, na lógica, não seria possível na vida real. 

Mardi Gras é uma festa carnavalesca que acontece anualmente em Nova Orleans, nos Estados Unidos. As pessoas se fantasiam, usam máscaras e vivem em um outro mundo, assim como Eliza faz ao lado de sua criatura-peixe.  


O MONSTRO DA LAGOA NEGRA (CREATURE FROM THE BLACK LAGOON, 1954)



Uma das referências mais óbvias de A Forma da Água (The Shape Of Water, 2017) é o filme O Monstro da Lagoa Negra (1954) que conta a história de um criatura encontrada na América do Sul,  do qual o Dr. Reed, vivido por Antonio Moreno, descobre em sua estadia em Amazonas. O bicho, no entanto, desenvolve uma obsessão pela namorada do dr., a doce Kay, interpretada por Julie Adams. 

O Monstro da Lagoa Negra (1954) foi filmado graças à conversa entre o diretor mexicano Gabriel Figueroa e o produtor William Alland, no qual Gabriel contou a lenda brasileira do Cabloco d'Água. Essa foi a faísca para o thriller, O Monstro da Lagoa Negra (Creature from The Black Lagoon, 1954) que ganhou diversas continuações. 

A cena acima, aliás, no qual a criatura nada bem próximo de Kay se assemelha e muito as cenas entre Eliza e a criatura-peixe em A Forma da Água (2017), no qual ambos nadam e se abraçam na água, como se fossem um só. 

QUERO CASAR-ME CONTIGO (SUN VALLEY SERENADE, 1941) 


Embora o filme Quero Casar-me Contigo (Sun Valley Serenade, 1941) não seja mencionado em A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) de forma direta, a canção I Know Why (and So Do You) interpretada pela atriz Lynn Barin é usada por Del Toro na película, especialmente na parte em que Eliza começa a dançar e se apaixonar pela criatura, quando ele ainda está preso no laboratório. 

A música retrata o começo da paixão entre duas pessoas, em que, no caso de A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) se trata do amor entre Eliza e a criatura. Ele é o único que a entende e não a trata diferente por ser muda. Já ela o protege e o ama por ser exatamente o que é. 

Existe, aliás, uma frase da canção I Know Why (and So Do You) mostra muito bem o momento de intimidade entre Eliza e a criatura, no qual os dois fazem amor, e as escamas da criatura começam a brilhar. A frase diz: 
"E por que eu vejo arco-íris quando você está nos meus braços? Você sabe e eu também." 
Isso também prova que, em seus filmes, Guillermo del Toro nunca dá ponto sem nó. Nem mesmo na trilha-sonora. 

NAS ÁGUAS DA ESQUADRIA (FOLLOW THE FLEET, 1936)



Uma das cenas de A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) que mais homenageam os filmes antigos de Hollywood é aquela na qual Eliza interpreta a canção You'll Never Know de Alice Faye em uma sequência-sonho, no qual ela dança com seu amor, a criatura-peixe. 

A sequência é baseada no filme Nas Águas das Esquadrias (Follow The Fleet, 1936), o quinto filme do casal Fred Astaire e Ginger Rogers nas telonas. No número Let's Face The Music and Dance, Fred canta melancolicamente para Ginger, alertando que o futuro pode trazer problemas, mas que o presente, com os dois juntos, deve ser aproveitado.

O cenário de Nas Águas da Esquadria (Follow The Fleet, 1936) e A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) são idênticos e não por coincidência. Roberto Campanella, o coreógrafo de A Forma da Água (2017) contou em entrevista ao Dance Magazine que
"Guillermo Del Toro queria manter aquela era Fred Astaire com aquela abordagem estilosa. Ele tinha referências visuais que ele me mostrava." 

Ginger Rogers e Fred Astaire eram mestres em contar uma história de amor através da dança, algo que Guillermo del Toro conseguiu também realizar em seu filme, com Eliza e a criatura-peixe. 


A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) reverencia os clássicos hollywoodianos e consegue colocar sua própria personalidade ao utilizá-los ao seu favor. Uma película visualmente bela e com referências maravilhosas, não é difícil entender seu grande número de indicações ao Oscar. Tem o estilo da antiga Hollywood, afinal. 

A origem de Labirinto - A Magia do Tempo (1986)

*alguns spoilers do filme Labirinto - A Magia do Tempo (1986)

É impossível não associar o filme Labirinto - A Magia do Tempo (Labyrinth, 1986) à persona de David Bowie, grande astro da música e do cinema, que interpretou o inesquecível Jareth, o rei dos goblins do filme. Bowie ficou tão perfeito no papel que o estranho é descobrir que ele não foi a primeira escolha de Jim Henson, diretor do filme, para interpretar o rei - queriam Michael Jackson, Sting ou até Mick Jagger, grande colega de Bowie. 

Foto publicitária do filme Labirinto - A Magia do Tempo (1986) 
A história de Labirinto - A Magia do Tempo começa em 1982 quando Jim Henson teve a ideia de criar um filme melhor do que O Cristal Encantado (Dark Crystal, 1982) ao conversar com seu amigo e colega de trabalho, o ilustrador Brian Froud. De acordo com o livro Jim Henson: The Biography de Brian Jay Jones, tudo começou depois de que os dois saíram da exibição do filme Cristal Encantado e Jim teria dito que o próximo filme seria bem melhor. Jim sugeriu um folclore mítico, mas Brian disse que não era o que ele esperava -sugeriu uma história com goblins. Henson, no entanto, queria pessoas na história, já que o filme seria então apenas com marionetes (o que ele achava que foi a falta que fez com que Cristal Encantado fosse um fracasso). Froud então disse que goblins sequestravam crianças no folclore e sugeriu que tivesse um labirinto no meio dessa história. 

Jim pensou muito na ideia de Froud e resolveu desenvolver um roteiro, escrevendo páginas e páginas de uma história que poderia se chamar Labyrinth, The Maze ou até The Labyrinth Twist, enquanto estava no Japão para a estreia do filme O Cristal Encantando (1982). Mas a ideia original não era de uma garota e um rei não. Seria, na sua concepção, uma personagem bem brincalhona e um rei que juntos teriam que enfrentar um labirinto repleto de perigos. As ideias de calabouços, portas que tornavam-se vivas e de não saber onde era para cima e nem para baixo já existiam na versão original e continuaram depois, mas o primeiro rascunho do filme era bem mais sombrio - teria um local repleto de joias no labirinto que sangrariam se fossem tocadas. Um tanto perturbador, não é mesmo? 

Jim Henson, também criador dos Muppets!                                                   Divulgação
Em março de 1983, Jim resolveu levar suas notas da história, que agora amadurecidas contavam a história de uma menina que descobre mais sobre o mundo através do rei dos goblins, para seu amigo Froud e Denis Lee, um escritor canadense. Froud resolve ilustrar a ideia de Henson e criou um quadro intitulado Toby e os Goblins, no qual um bebê aparecia cercado de criaturas estranhas. Jim gostou tanto que inspirou o trabalho do filme Labirinto - A Magia do Tempo e pendurou o quadro em sua casa. Já Dennis começou a desenvolver um livro com base nas ideias de Henson. 

De acordo com o documentário Inside The Labyrinth de 1986, Jim Henson estava interessado em David Bowie desde o começo, mas outras fontes diferem. Terry Jones, roteirista que fez um roteiro do filme O Labirinto - A Magia do Tempo a partir do livro de Dennis Lee afirmou em entrevista para Joe Randazzo que Jim queria Michael Jackson no filme:" Eu escrevi o primeiro rascunho do filme, mas ele não estava feliz com isso. Ele queria que o labirinto aparecesse mais cedo enquanto eu achava que seria mais parecido com o Mágico de Oz. Jim também estava falando sobre Michael Jackson na época, ele queria que ele interpretasse Jareth." 

Dennis terminou sua tarefa de escrever um livro sobre as ideias de Jim no final de 1983 e Terry Jones recebeu o material para escrever um roteiro em 1984, ou seja, seguindo essa linha do tempo seria impossível que Bowie soubesse sobre o material tão antes assim. Ou talvez haja outra explicação: Jim Henson queria uma estrela do rock para seu filme e deve ter enviado os desenhos de Brian Froud para vários artistas, no que David Bowie, um artista por si só, provavelmente ficou intrigado e resolveu participar do filme antes mesmo do roteiro ser finalizado. É isso, pelo menos, que ele afirma no documentário do filme, de que ficou interessado pelos desenhos antes de ler o roteiro e também pela possibilidade de atuar, cantar e escrever suas próprias músicas para o filme. 

David Bowie ficou super animado para participar do filme
O roteiro passou por inúmeras revisões até que encontrou seu caminho de volta para Terry Jones, um dos roteiristas de comédia mais renomados. Sobre isso, ele contou: "A história saiu de minhas mãos por um ano e depois voltou e Jim disse 'Você pode colocar as piadas de volta?' e eu recoloquei as ideias originais no roteiro, mas os coloquei no labirinto um pouco mais cedo. Jim insistiu nisso." 

Assim Labirinto - A Magia do Tempo (1986) tornou-se a história que tanto assistimos. Nele conhecemos Sarah (vivida por Jennifer Connelly), uma garota solitária que vive com seu pai e sua madrasta e detesta ter que sempre cuidar de seu meio-irmão, Toby (vivido pelo filho recém-nascido de Brian Froud!). Uma noite, cansada, ela pede que os goblins levem seu irmão embora e é exatamente isso que acontece. Arrependida, ela precisa ultrapassar um labirinto muito difícil e escolher entre seus desejos e seu dever sendo ajudada por amigos e atrapalhada pelo rei dos goblins, Jareth (interpretado por David Bowie). 

Agora se o envolvimento de David Bowie já estava quase garantido, a atriz que interpretaria Sarah ainda não estava escolhida. Jim Henson começou a fazer audições para o papel em abril de 1984, enquanto o roteiro ainda estava sendo escrito, e acabou se decidindo por uma jovem britânica chamada Helena Boham Carter. No entanto, outras atrizes como Laura Dern, Sarah Jessica Parker e Mary Stuart Masterson também foram consideradas, o que fez com que Henson decidisse escalar uma atriz americana. Helena, então, foi descartada - mas teve uma brilhante carreira posteriormente. 

No final de 1984, haviam duas atrizes americanas no páreo: Ally Sheedy, a Allison de O Clube dos Cinco (1985), e Jane Krakowski, que fez muito sucesso na série 30 Rock. Infelizmente, nenhuma das duas ficou com o papel. De acordo com a biografia de Brian Jones, em 29 de janeiro de 1985, uma jovem nova iorquina de 14 anos de idade, Jennifer Connelly fez um teste maravilhoso que fez com que ela ficasse com o papel de Sarah na hora. Duas semanas depois ela já estava com o contrato assinado, mudando-se para Londres com sua mãe para gravar o filme e em fevereiro de 1985 o diretor criou um baile de tema Labirinto, inspirando-se nas artes de Brian Froud, para comemorar a iminente gravação de Labrinto - A Magia do Tempo (1986).


Aliás, o roteiro de Labirinto - A Magia do Tempo era tão bagunçado que além de Terry Jones, as roteiristas Elaine May e Laura Phillips começaram a mexer nele para que as personagens de Sarah e Jareth fossem melhor definidas. Tudo isso em fevereiro de 1985, um mês antes do filme, que tinha um orçamento de 25 milhões de dólares fosse começado a ser gravado nos estúdios Elsetrees.

No entanto, mas uma polêmica ameaçou o filme - Maurice Sendak, escritor de livros infantis e amigo da esposa de Henson, Jane, escreveu um livro em 1981 intitulado Outside Over Here, na qual conta-se a história de uma garota chamada Ida que cuida de sua irmã pequena e que, um dia, é raptada por goblins. Embora o resto da narrativa do livro não tenha nada a ver com o filme O Labrinto, é impossível negar que pela proximidade do autor e diretor que Henson não tenha se inspirado no livro. Sendak estava disposto a processar o diretor, mas Jim Henson resolveu mencionar sua influência nos créditos finais de O Labirinto e assim Maurice retirou as queixas contra o diretor, mas não sem se arrepender depois.

A arte do livro de Sendak e o filme O Labirinto - A Magia do Tempo                  Divulgação/Montagem
Outro grande nome envolvido na gravação de Labirinto - A Magia do Tempo foi George Lucas, o produtor executivo da obra, que também ajudou a polir o roteiro e depois editar o filme. Já na época de Star Wars, Lucas contratou um ator para vestir a roupa de Darth Vader para passear pelos sets do filme O Labirinto, que começou a ser gravado, finalmente, em 15 de abril de 1985. Os dois diretores, aliás, se conheciam desde o primeiro filme da saga Star Wars, em 1977 quando Henson criou ao lado do maquiador Stuart Freeborn, o icônico Yoda.

Mas Bowie apenas apareceu no set de filmagens em junho, quando ele estava livre e já tinha gravado as canções que ele havia imaginado para o Labirinto (de acordo com as pinturas e a sinopse que lhe foram fornecidas) que seriam lançadas em 26 de junho pela gravadora EMI América (escute!). Isso deu tempo para que Jim Henson ajudasse Jennifer Connelly, que ainda se sentia confusa ao contracenar com os fantoches motorizados do filme. Sobre isso ela conta: "Você tinha um fantoche fazendo vários movimentos e umas seis pessoas trabalhando na mesma coisa, contorcendo e tentando fazer com que a ideia tivesse vida. Era algo lindo."

Jennifer e Jim Henson no set de filmagens                                                Divulgação
Sobre trabalhar com Bowie, em uma entrevista rara disponibilizada pela internet, Jennifer parecia muito contente pela oportunidade: "Eu sabia quem ele era por sua música, mas não sabia muito sobre ele. E eu gosto muito da música dele, porque ele muda muito, ele é ótimo. Muitos astros atuais tem apenas um estilo ou ideia, mas David muda muito. Ele é muito criativo e isso transparece e aparece em sua música e por isso ele está no mundo da música há tanto tempo. Quando eu o conheci pela primeira vez, fiquei bem tímida. É bem estranho conhecer alguém que você escuta pelo CD. Ele é bem amigável, bem pé no chão, uma pessoa super simpática e ele é o tipo de pessoa que faz com que você se sinta muito confortável ao lado dele."

David Bowie também não poupou elogios para a jovem atriz ao dar uma entrevista para a revista Bravo em 1987, dizendo que: "primeiro ela foi um pouco tímida, mas no terceiro dia revelou que era uma grande fã minha. Nós demos muito bem."

A química natural (de amizade) entre os dois, apesar da diferença de idade, veio a calhar durante a tão falada cena de baile do filme, na qual a fantasia de Sarah, que é ser uma rainha ao lado de Jareth finalmente é revelada. O filme mostra o desejo que muitas meninas da idade da personagem tem: de terem um romance com um ídolo amado, a fantasia inatingível, e descobrirem que isso nem sempre pode tornar-se realidade e de que, afinal, fantasia e realidade andam sempre lado a lado. O diretor Jim Henson ficou preocupado com essas conotações no filme, como seu filho Brian Henson, que também dublou a voz de Hoggle, conta no livro David Bowie: A Life de Dylan Jones, mas não tinha como escapar disso. Era a história de amadurecimento de Sarah, que tornava-se uma mulher.

O filme está repleto de referências                                                   Divulgação/Gif
Mas se a história entre as personagens humanas do filme não te impressiona tanto, talvez as marionetes o façam: o time de efeitos especiais liderados por George Gibbs construiu a figura de Humongous, um robô de armadura que deve impedir Sarah e seus amigos de buscarem Toby e chegarem à cidade dos goblins - com um esqueleto mecânico com uma estrutura hidráulica para levantar e abaixar seus braços. A figura podia ser controlada por uma pessoa usando uma manga eletrônica que era conectada ao "robô", usando marchas para mexê-lo da cintura para cima.

Em entrevista na época, John Henson um dos cinco filhos de Jim, revelou que as cenas com as marionetes eram uma das mais difíceis: "Eu comecei a trabalhar no filme construindo goblins por seis meses. Então eu trabalhei com os Fireys (as doidas aves) e como fazê-los se mover por três meses. Também trabalhei com as tralhas do filme e as máscaras da cena do baile de Sarah. A maioria das criaturas são esculpidas, primeiro, com plastilina, então moldadas em um gesso-silicone e depois em uma espuma suave. Com Hoggle, o guia de Sarah, por exemplo, os motores do rádio que o controla estão dentro do crânio de fibra de vidro para operar as expressões do rosto. O rosto de Hoggle é como uma máscara com vários botões que acessam músculos individuais do rosto. Isso leva quatro pessoas e tem que haver muito ensaio."


Os melhores amigos de Sarah, Ludo, Hoggle e Sir Didymus                                         Divulgação
Depois de mais de um ano de produção, com Jim e sua companhia tendo o privilégio de incluírem, pela primeira vez na história do cinema, um animal criado por CGI, ou seja efeitos especiais, nos créditos iniciais de um filme, a obra Labirinto - A Magia do Tempo (1986) foi lançada em 26 de junho de 1986.

As críticas, é claro, não foram muito favoráveis, chamando a personagem Sarah de mimada e sem motivação. Apesar de uma estreia sólida, o filme acabou perdendo o fôlego nas semanas seguintes e tirado de cartaz. Dos 25 milhões de dólares gastos, apenas 12 milhões foram arrecadados. O interessante é que, se na época, o filme foi vaiado nos cinemas, apesar de uma estreia em grande estilo em Londres com a família real, incluindo a princesa Diana, hoje em dia ele é considerado um clássico cult sem defeitos graças à criatividade e esforço de Jim Henson e equipe e as atuações de David Bowie e Jennifer Connelly, que posteriormente seria uma ganhadora do Oscar.


Um dos últimos filmes a fazerem os efeitos manualmente, Labirinto - A Magia do Tempo (1986) prova que a magia sobrevive durante anos, desde que acreditemos. E desde que seja tão belo quanto o David Bowie dos anos 80!


A arte do filme The Rocky Horror Picture Show (1975)

*spoilers sobre o filme 

O filme The Rocky Horror Picture Show tem uma horda de fãs no exterior, principalmente nos Estados Unidos, onde teatros e cinemas sediam uma sessão especial onde todos os telespectadores vão com as roupas do filme e podem performar, ao vivo, todas as músicas dele. Já aqui no Brasil, por exemplo, o filme não é muito conhecido não e se você mostra um trecho de Rocky Horror já é capaz que o seu colega solte aquela frase: "Xii..que filme esquisito, ein?". 


The Rocky Horror Picture Show é um filme tão peculiar, mas tão peculiar, que nem sabe-se direito em que categoria encaixá-lo: seria comédia? terror? musical? drama? Os fãs do filme reconhecem que The Rocky Horror Picture Show não se encaixa em nada e é, exatamente por isso, que o filme tem tantos seguidores e amantes. Uma obra maravilhosa da sétima arte, que foi lançado em 1975 e já ganhou o merecido status cult

Divulgação/Gif
A começar pela história do filme, The Rocky Horror Picture Show não tem um roteiro delimitado. No começo conhecemos Janet (vivida por uma novinha Susan Sarandon) e Brad (Barry Bostwick), um casal que acabou de ficar noivo e por uma problema no carro acabam passando uma noite maluca na mansão assustadora do doutor Frank N Furter (Tim Curry), um cientista para lá de maluco com seus assistentes Magenta (Patricia Quinn), Columbia (Nell Campbell) e Riff Raff (Richard O'Brien). Dirigido por Jim Sharman e baseado na peça de Richard O'Brien, que interpreta Riff Raff no filme, a Rocky Horror Show que foi lançada em Londres, na Inglaterra, em 1973 com grande sucesso. A peça, tanto quanto o filme, homenageia os filmes de qualidade B de terror e de ficção científica de 1940 aos 1970. 

O diretor de arte do filme, Terry Ackland-Snow, afirma até hoje que se divertiu demais gravando The Rocky Horror Picture Show. Em uma entrevista para o canal Red Carpet News TV, ele revelou: "Era um ótimo filme, você podia fazer praticamente tudo e eles aceitavam. Era ótimo. No auditório nós tínhamos algumas cadeiras de praia e eles disseram para eu usar. Então eu as peguei, mas nós a fizemos todas em vermelho e branco. Só para ajudar o esquema de cores no set." 

O esquema de cores do filme é, no mínimo, essencial para contar essa louca história, Já na cena inicial dele, com os créditos, temos uma tela preta simples com uma boca carnuda pintada de vermelho dublando Science Fiction/Double Feature que é cantado pelo idealizador de Rocky Horror, Richard O'Brien. A cena é uma referência à pintura A l'Heure de l'observatoire: Les amoureux de Man Ray, que aliás, tem um website maravilhoso no Artsy com todas as suas obras, que são muitas e belas, vale super a pena conferir! 

Os lábios, no entanto, pertencem à atriz Patricia Quinn, a Magenta do filme                    Divulgação
Logo depois, a boca carnuda que com o vermelho representa muito bem o pecado e a transição, dá lugar à uma cruz de igreja, na qual está acontecendo um casamento. Mas não de nossos protagonistas e sim de seus melhores amigos da faculdade. É vendo essa união sagrada e Janet pegando o buquê que Brad finalmente lhe pede o casamento. Mas, como tudo na vida, existem dois lados de uma mesma moeda: ao lado da Igreja há um pequeno cemitério e, quando o casal entra de novo na sacristia, já há um caixão fechado ali, pronto para ser velado. O contraste dos símbolos mostra que o relacionamento dos dois não será nada usual. 

Divulgação/Montagem
Na próxima vez, no entanto, que vemos nossos protagonistas, eles parecem que estão em outro filme: um de terror quando, anteriormente, seria apenas um filme meio bizarro. Na chuva forte, dentro do carro, acontece um problema com o automóvel e eles não tem outra alternativa a não ser pediram ajuda em uma mansão assustadora que fica perto. Intencionalmente, ou não, ela se parece muito com a mansão do filme francês La plus longue nuit du diable (1971). 

Acima, a mansão do filme francês; abaixo de The Rocky Horror           Divulgação/Montagem
Assim que Janet e Brad entram na mansão no entanto, ela não é escura e assustadora como se imaginaria: suas cores são vibrantes, com vermelho, preto e azul e os convidados da festa são muito estilosos com seus óculos escuros e sua dança diferente: a de Time Wrap. O tapete vermelho, a escadaria com um pequeno trono, é quase como se todos esperassem seu grande mestre. E é exatamente isso que acontece. 

Divulgação/Montagem
Depois do número de dança, conhecemos o cientista Frank N Furter, que como a música Rebel Rebel do David Bowie descreve: "ninguém sabe se é uma menina ou um menino". Com seu longo robe preto com o colarinho alto, ele sai do elevador remetendo ao filme Drácula (1931). O cenário todo é construído como se fosse um grande palco: ao lado do trono há um organizador de fila com corda vermelha e um cartaz com os dizeres: 'Convenção Transilvânica'. Isso já deixa claro: Frank quer ser venerado com ares de grandeza iguais ao do vampiro mais famoso da literatura e do cinema, além de é claro, fazer um trocadilho com a palavra transexual, que significa uma pessoa que se identifica com um gênero diferente do qual nasceu. Aliás, para se tornar vampiro, a pessoa passa por uma transformação: muda seus hábitos e seu objetivo. Transformar-se, portanto, é a palavra principal de The Rocky Horror Picture Show. 

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O que nos leva a obra-prima do doutor Frank N Furter, o Rocky, que ganha uma montagem digna do filme Frankenstein (1931). O cientista maluco dá vida à sua grande obra: um ser humano feito não por Deus, mas pelo o Homem, Diferente do monstro de Frankenstein, no entanto, Rocky é um belo espécime da raça humana, tão belo e forte que há apenas rosa ao seu redor: uma cor feliz e pacífica. Outra sacada ótima do filme é o compartimento que Rocky está antes de nascer: o líquido é de um azul quase anil, mas quando o "monstro" finalmente sai do 'compartimento', as cores da caixa se tornam do arco-íris, remetendo à bandeira dos direitos LGBT. Quando isso acontece, Frank diz a sua criação: 'Você está fora!' ou seja, 'You're out (coming out)'. que é uma frase comumente usada nos Estados Unidos quando um homossexual revela-se. É uma celebração da sexualidade. 

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Quem também tem uma relação sexual pela primeira vez é a querida Janet, vivida por Susan Sarandon. E se você não assistiu o filme antes, o fato de sua virgindade dá para saber apenas ao prestar atenção ao cenário. Em sua cama, cedida gentilmente por Frank, a cor predominante é a vermelha. Se você andou prestando atenção na matéria saberá que essa cor é aquela liberta as personagens de suas inibições. Para o 'monstro' Rocky foi sua vinda ao mundo, para Janet foi sua primeira experiência íntima com outra alguém. Ela era virgem, já Brad, seu noivo, em sua cama acinzentada, também sabe-se que aquele não é, de longe, sua primeira vez. 

Janet acima; Brad abaixo                                         Divulgação/Montagem
E se no cenário, The Rocky Horror Picture Show é belíssimo, nas referências então esse filme arrasa completamente. Mais para o fim do filme, na cena com o banquete, há uma referência direta ao filme Festim Diabólico de Alfred Hitchcock, que tem a ver com um morto. Pois é não vou revelar mais nada sobre isso, é claro. Mas ainda tem muito mais: referências sobre Tarzan, o filme Cabaret e, uma ótima cena com Rocky e seu mestre, que remete ao filme King Kong (1933) e sua aversão ao fogo, assim como o monstro de Frankenstein. 

Rocky carrega seu mestre até o topo como King Kong fez com Ann no filme          Divulgação
Com um cenário belíssimo, carregado de simbolismo, é engraçado imaginar que, durante a gravação de The Rocky Horor Picture Show, a casa na qual o elenco gravava não tinha banheiro e nem sequer aquecimento durante o inverno. Mesmo assim, as artes das cenas se tornaram tão impactantes quanto a própria música e o figurino do filme. Por exemplo, a RKO Radio Picture é um estúdio americano famoso O close no cientista Frank na piscina, com o decalque da pintura de Michelangelo, A Criação de Adão, mostra que no filme, todas as personagens eram de Frank e que ele também, apesar de não parecer, tinha um criador pelo qual ele deveria voltar. Todos, no fim, pertencem à alguma coisa. O elo não está perdido. 

Magenta e Riff Raff, referência doO Dia que a Terra Parou com seu cabelo de noiva do Frankenstein      Divulgação
Essa é, enfim, a verdadeira arte de The Rocky Horror Picture Show. 



O visual provocante do filme bollywoodiano Devdas (2002)

A história de um amor nunca realizado, de dois jovens separados por suas famílias e pelas suas próprias vaidades, foi escrita em 1917 pelo escritor bengalense Sarat Chandra Chattopadhyay quando ele tinha apenas 17 anos de idade, mas foi apenas publicado 16 anos depois. Um dos escritores mais amados da Índia, ele permanece no topo como o autor com mais livros traduzidos, plagiados e adaptados. 

Sua novela Devdas, com pouco menos de 128 páginas, já foi adaptado na Índia mais de dezesseis vezes, com a primeira versão sendo produzida em 1928. As primeiras versões da história mostraram muito bem a opulência e, posteriormente, a decadência de Devdas, mas para a adaptação de 2002, o diretor Sanjay Leela Bhansali e o diretor de arte Nitin Chandrakant Desai buscaram representar o cinema indiano, o amado Bollywood, da maneira mais extravagante que poderiam conseguir. E o resultado foi um filme com um apelo visual de tirar o fôlego. 

O ator Shah Rukh Khan e a querida Aishwarya Rai são os protagonistas       Red Chilles/Mega Bollywood/Gif
Com este cenário, Sanjay e Nitin conseguem invocar a rasa:  uma teoria do cinema indiano que, segundo o livro Understanding Indian Movies de Patrick Hogan, se refere ao sentimento que impacta o público do filme. A principal função dessa teoria é criar um estado perfeito de beleza para seus espectadores se deslumbrarem, seja através da dança ou dos cenários. O filme Devdas (2002) conseguiu juntar os dois perfeitamente. 


No longa-metragem, que demorou mais de dois anos para ser concluído, conhecemos Devdas (Shah Rukh Khan), que apesar de estar estudando fora da Índia por mais de dez anos, continua apaixonado por sua namorada de infância, Paro (Aishwarya Rai). O único problema é que ele é rico e ela uma mera filha de um servente. A família dele se opõe a união e cada vez mais ele afoga suas mágoas na bebida, um triste caminho que nem a apaixonada prostituta Chandramukhi (Madhuri Dixit) consegue livrá-lo. 

A começar pela opção de enquadramento panorâmico, com a primeira visão do filme sendo a mansão luxuosa da família de Devdas, os Mukherjee, que ficam eufóricos ao saber do retorno de Devdas, que estava estudando em Londres, na Inglaterra, por mais de dez anos. Outra técnica utlizada é o travelling, já que conhecemos o interior da casa da família quando eles correm por ela, felizes pelo retorno do filho pródigo. Esse posicionamento da câmera ocorre outras vezes no decorrer do filme, para deixar em evidência um set construído nos mínimos detalhes. 


Cada set foi construído com o maior cuidado e luxo         Red Chilles/Mega Bollywood/Divulgação
O filme mais caro já feito por Bollywood, custando 50 crores, ou seja, mais de 23 milhões de dólares, Devdas foi o primeiro grande sucesso depois de um ano ruim para a indústria de filmes indianos. De acordo com o site India Today em seu artigo Devdas: Hollywood Gamble, na construção de apenas seis sets foi gasta a quantia de 20 crores, que são em torno de nove milhões de reais. 

Os sets, aliás, necessitavam de uma quantidade extrema de iluminação e ao invés de usarem dois ou três geradores, como de costume, tiveram que usar 42 deles e pedir a ajuda de 700 iluminadores que trabalharam com mais de 2.500 lâmpadas. Como se isso só não bastasse para que tivéssemos uma clara ideia do luxo da produção, não para por aí. Ainda segundo o artigo do site India Today, foram necessárias 12 quilos e 200 gramas de vidro manchado para tornar o quarto de Paro em um espaço privado. 

Já para o pequeno palácio da segunda amante de Devdas, Chandramukhi, o preço foi uma exorbitante quantia de 12 crores (cinco milhões de reais). Nitin Chandrakant Desai já era conhecido por sua extravagância e depois de trabalhar com filmes desde 1989, ele criou os sets para o filme Quem Quer Ser um Milionário (2009), ganhador de inúmeros Oscar. Em entrevista ao site Real Bollywood, via Hamaraphotos, ele afirmou que quase sempre constrói seus sonhos através de seus sets. E que sonhos lindos ele deve ter! 


A riqueza dos detalhes dos set são sempre vistas de forma panorâmica   Red Chilles/Mega Bollywood/Divulgação
Ao se casar com um homem mais velho, aristocrata, Paro se vê cercada de luxo e de roupas finas, morando em uma mansão duas vezes maior do que a de seu amado. O entulhamento da sua nova morada funciona quase como uma claustrofobia, relembrando-na de sua antiga casa, que era aberta e a deixava livre. Algo que ela nunca mais experimentará: assim como seu amor com Devdas. 

Outra jogada de mestre do diretor para exibir os lindos cenários que Desai construiu foi filmar a jovem Paro em duas situações: quando ela encontra o seu amado e quando o perde. Em ambas as situações ela sai correndo por toda a casa, permitindo que o público consiga observar todos os detalhes da casa, sejam seus os livros, os armários e até a decoração interna dos cômodos. 


Paro perde toda a sua vitalidade ao perder seu amor        Red Chilles/Mega Bollywood/Divulgação
Os cenários, assim como os trajes dos personagens revelam muito sobre os personagens. No caso de Paro, ela vive, literalmente, em uma casa de vidro, que assim como seu amor, pode quebrar em qualquer momento. Já Devdas vivia na abundância, mas em um quarto extremamente simples, pintado de amarelo e com poucos móveis, o que significa que ele não se importava com as riquezas da sua família: ele apenas queria ser amado. 

No caso de Chandramukhi, a apaixonada sempre viveu cercada de ouro, mas pretende desistir de tudo assim que encontra alguém por quem valha a pena amar. 

Alguns dos belíssimos cenários do filme           Red Chilles/Mega Bollywood/Divulgação
Parece que para o diretor de arte Desai, os cenários acompanham a vida dos personagens, quase como se fossem animados e pudessem nos contar, detalhe por detalhe, sobre a história do filme. E talvez em Devdas (2002), eles realmente possam, já que são tão majestosos quanto a própria história. 


A arte do filme A Ilha dos Mortos (1945)

Mitos são passados de geração para geração e nenhum deles era mais forte durante o século XVII na Grécia do que os vrykolakas. Eles são conhecidos no folclore Balkan como criaturas que absorviam a energia dos vivos, com características muito semelhante aos mortos-vivos, porque apesar de não sugarem o sangue de suas presas, eles consumiam a essência vital de suas vítimas durante à noite. Além disso, a palavra vrylokakas acabou significando também vampiro pela sua semelhança com o mito de Transilvânia. Aliás, muitos gregos acreditavam que um lobisomem virava um vampiro quando morria, por isso o cuidado contra os vrylokakas era redobrado.

Assim, julga-se o vrylokaka era um morto revivido, em busca de terminar seus assuntos pendentes. Talvez essa última definição seja a mais adequada quando se trata do filme A Ilha dos Mortos (1945), dirigido por Mark Robson. Nele, Boris Karloff (o eterno monstro de Frankenstein) interpreta um general durão, chamado Pherides, que ao visitar o túmulo de sua mulher, ao lado do jornalista Oliver Davis (Marc Cramer), o encontra violado. Buscando respostas, ele encontra um senhor que mora na ilha e que tem como governanta uma supersticiosa mulher grega. Mas não é só isso: lá ele também se depara com as visitas do morador, incluindo uma jovem encantadora que é suspeita de um crime terrível: sugar as energias de sua senhora. E a situação piora quando todos os convidados ficam confinados na ilha, com a suspeita da praga. 

O contraste do cenário e da fotografia conspiram para a conclusão da vrylokakas       Divulgação/RKO Pictures
De acordo com o livro Fearing The Dark: The Val Lewton Career de Edmund Bansak, Val Lewton, o produtor de A Ilha dos Mortos, baseou seu longa-metragem em duas obras de artes: a pintura chamada Isle of The Dead do pintor Arnold Böcklin e o conto de Edgar Allan Poe intitulado O Enterro Prematuro. Os horrores dos relatos de quem já tinha sido enterrado vivo combinados com a atmosfera maléfica da pintura de Böcklin que se inspirou no Cemitério Inglês, na Itália, onde sua filha Maria, uma entre 14 filhos do pintor, foi enterrada, para criar a atmosfera da cena foi muito bem aproveitada. Já para retratar uma ilha isolada, Böcklin se inspirou na ilha Pontikonisi, perto da cidade de Corfu, na Grécia. Elementos que, juntos, fazem um ótimo filme de horror quando junta-se um mito grego e uma mulher que morre de medo de ser enterrada ainda viva.  


O pintor Böcklin criou cinco versões diferentes da sua pintura e esta foi usada como base para o filme  Divulgação/Montagem
O problemas, no entanto, começaram assim que a produção de A Ilha dos Mortos se iniciou. Boris Karloff estava sofrendo com dores intensas nas costas e mesmo tentando continuar as gravações, ele acabou passando por uma cirurgia que o deixou no hospital por mais de um mês. A partir daí, Val já estava focado em seu outro filme, que apenas precisava passar pelos toques finais, o Túmulo Vazio (1945). Mas isso não significa que os diretores de arte da Ilha dos Mortos, Albert S. D'Agostino e Walter E. Keller não estavam totalmente focados em seu trabalho. 

Um diretor de arte é responsável por toda a concepção visual do filme, em seus mínimos detalhes e a dupla Albert e Keller foram, juntos, responsáveis pelos maiores sucessos da RKO filmes, principalmente no gênero de terror.  Assim, eles, ao lado dos decoradores do set, Albert Greenwood e Darrell Silvera, encarregados de tornar a visão dos diretores de arte em realidade, tinham um minucioso trabalho pela frente. 

D'Agostino, de acordo com a edição de 1971 da revista Cinefantastique, era conhecido pelo seu talento único de mesclar os personagens e os ambientes, como se fossem um só. Isso fica extremamente claro em A Ilha dos Mortos, quando nos últimos dez minutos do filme, temos uma brincadeira de luzes, como se todos os personagens apenas fizessem parte da casa, num expressionismo moderno. 

As frestas abertas contra a escuridão do quarto aumentavam o terror psicológico       Divulgação/RKO Pictures 
Já Keller, nunca alcançou a fama de Albert, que até foi diretor de arte de filmes para Alfred Hitchock. Mesmo assim, Walter E. Keller tinha uma grande participação nos filmes, fazendo a maior parte dos designs nos longas de Val Lewton, como conta o livro Art Directors in Cinema de Michael L. Stephens.  Albert geralmente era o primeiro a ser creditado porque era o supervisor da direção de arte, ou seja, estava um passo acima na hierarquia do set de filmagens. 

A parceria dos dois ao lado de Val Lewton, considerado um dos mestres do terror, começou em 1942 no filme Sangue de Pantera e terminou em 1946 com Asilo Sinistro. Mas em todos os longa-metragens, o tema de terror psicológico era utilizado em toda sua potência, apesar dos orçamentos baixos que dificultavam a criação de sets mais elaborados. Por isso, o uso da escuridão e da luz e de ambientes fechados, eram usados em abundância. 

O contraste entre a sombra dos personagens e a paisagem era uma das marcas do gênero      Divulgação/RKO Pictures
Outro mérito da produção foi a recriação, em detalhes, da pintura de Böcklin, fazendo a entrada da cripta e as escadas em espiral que foram usados em momentos de suspenses cruciais do filme. É apenas no fim, quando a luz do sol banha os personagens que sobreviveram, que a ilha, em um enquadramento panorâmico, não parece mais morta, quase como se estivéssemos vendo um outro filme, com uma final feliz, típicos de romance. 

Talvez seja por isso entre outros talentos, que Walter e Albert podem ser considerados uma das duplas de diretores de arte mais bem sucedidos do horror: eles sabiam combinar o realismo do roteiro com o expressionismo do terror como mais ninguém conseguiria.


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