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Harold Lockwood - o astro interrompido pela Gripe Espanhola

Harold Lockwood não é um ator conhecido pelo público de hoje. Mas em uma realidade um pouco mais distante, na década de 1910, ele atuava constantemente como protagonista em filmes. Ele tinha tudo: porte, beleza e talento. Atuou ao lado de grandes atrizes como Mary Pickford, Marguerite Clark e Pauline Curley e foi votado em 1917 como o "Homem mais Bonito do Cinema" pela revista Photoplay. 

Harold Adna Lockwood nasceu em 12 de abril de 1888 (como consta em seu registro militar) em Newark, New Jersey, o jovem tinha um plano de carreira muito bem traçado pelo seu pai, William Lockwood: ele deveria se tornar um comerciante. No entanto, a verdadeira vocação de Harold era ser ator e sua mãe Jennie Hartshborne Lockwood concordava com o filho, já que ele havia atuado muito bem em diversas peças infantis.  

Mesmo ávido em se tornar ator, Harold se formou na escola em Newark, onde era conhecido como um grande atleta e amante de esportes - nadava, corria e jogava. Entrou em um curso superior de negócios e começou a trabalhar como vendedor - à pedido de seu pai, que também lhe despertou o amor sempre cultivado por cavalos. Apesar de estar com a vida "feita", sentia-se triste por não poder seguir sua paixão de atuar e resolveu tentar a sorte no vaudeville (um gênero de entretenimento de variedades dos EUA).

Harold Lockwood era um dos mais populares astros da matiné do cinema 
Sobre esse tempo em sua carreira e sua transição para os filmes, Lockwood afirmou em entrevista para a revista Motion Picture Magazine de agosto de 1914:
Finalmente, eu convenci um agente a me deixar participar do coro de uma obscura companhia e ele deixou. Isso era tudo que eu queria e eu cantava, dançava e inventava vários passos novos que atraiu a atenção de outro agente de musical e eu comecei a ganhar bastante dinheiro - 15 dólares por semana. De qualquer maneira, achava que estava ganhando uma fortuna. 
Logo, segundo o livro History of Los Angeles county de John Steven McGroarty, Harold estrelou espetáculos como The Arcadians de Charles Frohman, Belle of Britanny e a Broken Idol - ficando por duas estações nesse tipo de emprego. Fez também cursos de atuação e seu primeiro contato com a indústria cinematográfica chegou com a Rex Company em Nova York, à sugestão de seu amigo Archie McArthur, em 1911.  

Assim que seu compromisso com a Rex acabou, ele se juntou a outra companhia e foi para Los Angeles atuar ao lado de Dorothy Davenport com a corporação de David Hoster, a Nestor Film Company. Passou pela Selig Company e a New York Motion Company, fazendo inúmeros curtas em um período de dois anos, mas apenas começou a fazer sucesso mesmo com a Famous Players Film Company em 1914, no início da I Guerra Mundial. 

Harold no filme David Harum (1915) com May Allison
Foi na Famous Players Company que ele começou a atuar em filmes mudos como o devido protagonista que era. Ao lado de May Allison, Harold estrelou mais de vinte filmes e formou com a atriz um dos primeiros e mais queridos pares românticos das telonas. Apesar da química inegável em filmes como David Harum (idem, 1915), The Secret Wire (1915) e The Promise (1917), Harold já era casado. 

Sua esposa era a também atriz Alma Jumel Jones, com quem ele se casou em 8 de janeiro de 1906. Com ela teve seu único filho, nascido em 3 de junho de 1908, William "Harold" Lockwood Jr. Podemos dizer então que Harold já era um homem feito antes de aparecer nos cinemas: tinha uma linda linhagem em casa e esse appeal de "homem de família" carismático, galante e no auge da forma física apelava de forma ideal para as mulheres e para os homens também. 

Descrito pelos jornais e revistas de cinema da época como "a personificação da juventude e saúde", todos enalteciam o seu bom-humor, educação e sua paixão pela vida. Harold Lockwood era exatamente como o cinema de sua época: novo, aventureiro e bem humorado. Para se ter uma ideia, a indústria cinematográfica estava só em sua estreia: foi apenas em 1895, 20 anos antes de Lockwood se tornar astro, que os irmãos Lumière apresentavam o primeiro filme para uma audiência pagante. 

Harold Lockwood fez mais de 130 filmes em sua curta carreira de 8 anos
A partir daquele "experimento" dos irmãos, as películas começaram a evoluir rapidamente: eram curtas, passadas nos cinemas junto com as notícias do dia. A audiência batia palmas, se envolvia com os personagens e tudo era incrível e excitante. Logo as primeiras companhias de filmes foram construídas e ir ao cinema fazia parte da rotina de todos - era o programa mais popular. Por isso Harold era o "Rei das Matinés" - entre 1911 a 1914 apareceu em mais de 80 curtas que geralmente passavam no horário da tarde, daí vem sua nomenclatura. 

Sua carreira estava tão em alta desde de sua estreia em The White Red Man (1911) que em 1917 Harold foi contratado pelo estúdio Metro, a futura MGM, e seu momento como galã deslanchou de vez. Ainda naquele período, mais um novo capítulo se iniciava: naquele ano Harold se divorciava de Alma, depois de um casamento turbulento - quando ele morreu, Harold não deixou nada em seu testamento para Alma e sim para sua amiga, Gladys W. Lyslo, sua mãe e filho. 

A partir daí, Harold começou a namorar - tendo um breve interesse em Pauline Curley antes de descobrir que ela tinha apenas 14 anos de idade - e sentia-se mais confortável e livre do que nunca. Em sua carreira, Lockwood agora estava trabalhando com o renomado diretor Fred Balshofer e era muito querido por todos de sua profissão. Sua co-estrela em três filmes The Square Deceiver (1917), Lend Me Your Name (1918) e The Landloper (1918), Pauline Curley afirmou sobre ele: 
Eu me senti muito mal quando ele morreu porque eu definitivamente gostava dele como ator e também porque ele era um ótimo homem. - Pauline em Silent Stars Speak: Interviews with Twelve Cinema Pioneers Por Tony Villecco
Harold Lockwood ao lado de May Allison, Pauline Curley e Mary Pickford - suas co-estrelas constantes
Na época em que Harold começou a fazer sucesso nos cinemas, uma grave batalha acontecia mundo afora: a Primeira Guerra Mundial. Ele foi exonerado de participar da guerra por fazer parte de Hollywood, trabalhando como ator. Assim, ele provia entretenimento às massas durante um momento tão terrível quando os pais, filhos, sobrinhos e netos dos espectadores estavam lutando pelo o país e  por ser um rosto frequente nos cinemas, sua popularidade só crescia. 

No entanto, as consequências da batalha logo encontrariam Harold. Afinal, se ele não podia participar da Guerra como soldado, Harold resolveu fazer sua parte como podia: não poupou esforços para vender títulos de guerra, arrecadando dinheiro para os combatentes da linha de frente. No fatídico 10 de outubro de 1918, ele se uniu a outra grande estrela cinematográfica, Mabel Normand, para arrecadar títulos em Madison Square Garden no The New York Morning Telegraph Booth em Nova York. 

Tudo aconteceu muito rápido: quando um homem desconhecido gritou que trocaria beijos com Mabel por mais contribuições, ela e Harold começaram uma barraca do beijo, contrariando as indicações dos especialistas da Gripe Espanhola que recomendavam o afastamento de multidões, o uso de máscaras e higienizar bem as mãos. Muitos astros homens, aliás, se recusavam a usar máscaras por considerar um sinal de fraqueza perante ao público. 
Mabel deu o beijo e os dois começaram uma barraca do beijo que arrecadou mais de 20 mil dólares. Mas isso também ocorreu no auge da gripe espanhola.  - Star Power: The Impact of Branded Celebrity por Aaron Barlow. 
A tão temida pandemia da Gripe Espanhola já estava em Hollywood e logo faria mais uma vítima com Harold Lockwood. Não se sabe exatamente a origem da doença - embora muitas evidências apontem que tenha começado nos EUA - mas a Gripe Espanhola era altamente letal e contagiosa , matando mais de 40 milhões de pessoas no mundo todo. Os sintomas eram iguais à de uma gripe normal, mas evoluíam de forma rápida levando à falta de ar, tosse, pneumonia e até hemorragia interna e consequentemente, o óbito. 

Manchete no jornal divulgando a venda de títulos de Mabel e Harold via Looking for Mabel Normand
Para os astros de cinema isso significava que seus empregos estavam em risco. Assim como acontece hoje com o Coronavírus, o isolamento social foi requisitado para a população. Com isso, as tão amadas salas de cinema estavam todas fechadas e atores, produtores, diretores e roteiristas estavam todos temporariamente desempregados. 

De acordo com o site The Influenza Archive, foi no começo de outubro de 1918 que o prefeito de Los Angeles começou a fechar escolas, estabelecimentos e mais lugares que poderiam atrair multidões. Os estúdios também fizeram sua parte proibindo gravações de cenas que poderiam ter muitas pessoas, porém continuaram a gravar algumas cenas de filmes na surdina. Uma péssima escolha, já que segundo o site The Hollywood Reporter, as contaminações começaram a acontecer entre os próprios atores com Bryant Washburn infectando a atriz Anna Q. Nilsson no set de filmagens de Venus in the East (1918). 

Mesmo assim, muitos diretores independentes continuaram a gravar filmes e apenas sete semanas depois do confinamento total, em 2 de dezembro de 1918, os cinemas já estavam abertos novamente. Estima-se que as casas de cinema e os estúdios perderam, em média, 1 milhão de dólares por semana por causa da Gripe Espanhola. A recuperação, contudo, foi rápida.  

A pandemia atingiu astros como as irmãs Dorothy e Lilian Gish, Mary Pickford, Raymond Chandler, um jovem Walt Disney e até a parceira de títulos de Lockwood, Mabel Normand. Todos eles sobreviveram, menos o jovem ator. 

À esquerda, Harold com apenas alguns anos de idade e à direita, seu filho crescido Harold e sua ex-esposa, Alma
Segundo a matéria do Film Daily intitulada "Harold Lockwood is Dead" a morte dele, vítima da gripe espanhola, ocorreu da seguinte maneira:
O astro morreu no hotel Woodward, no sábado à tarde [dia 19 de outubro de 1918], às 13h, vítima de pneumonia em decorrência da gripe espanhola que deve ter sido contraída quando o jovem astro estava vendendo títulos de guerra na Madison Square Garden duas semanas atrás. Richard A. Rowland, diretor da Metro, e sua mãe Jennie estavam com ele. Mr. Lockwood, trabalhando ao lado de Mabel Normand, solicitou títulos na quarta e quinta-feira. Ele ficou doente na quinta de manhã. No começo, não parecia sério, mas ele logo desenvolveu pneumonia. 
Harold Lockwood estava morto aos 30 anos de idade, vítima da gripe espanhola, quando estava prestes à se tornar um astro de primeira grandeza. Seu último filme completo foi Shadows of Suspicion (1919), no qual tiveram que usar dublês para preencher algumas das cenas. Segundo matérias na época, a Metro planejava uma série de doze filmes com Harold, no qual apenas Pals First e Great Romance haviam sido completados. Ele estava no meio das gravações de The Yellow Dove quando ficou doente e faleceu. 

Harold Lockwood tinha um futuro promissor pela frente: que não se concretizou
O falecimento de Harry Lockwood veio como um soco no estômago para seus fãs e amigos na época, exatamente porque ele era a personificação da saúde e teria, em tese, um sistema imunológico forte. Um grande engano. Hoje em dia ele é pouco lembrado pelos cinéfilos. As razões são várias: poucos filmes mudos do ator sobreviveram para contar a história. Dele, apenas encontramos para assistir Tess of Storm County (1914), David Harum (1915) e Corações à Deriva (1914), além de alguns poucos curta-metragens e nenhum deles é listado em sites, revistas ou livros especializados como clássicos que você deve assistir. 

Além do mais, o verdadeiro "boom" do cinema como conhecemos aconteceu somente no final dos anos 20, começo dos 30, e no momento em que Harold Lockwood era famoso, a indústria cinematográfica estava apenas engatinhando - embora o frenesi fosse grande. Quando ele morreu, Harold tornou-se uma parte da história que todos queriam esquecer, afinal ele seria sempre conectado a horrível Gripe Espanhola. 

Para se ter uma ideia, aqui no Brasil, por exemplo, os filmes de Lockwood foram exibidos apenas depois de sua morte, em 1919, e naquele momento suas películas já eram consideradas antiquadas e fora de moda. Uma verdadeira pena! 

Harold Lockwood foi um galã interrompido 
O cinema estava em luto pelas perdas financeiras e físicas da Gripe Espanhola, assim como a família de Harold. O seu filho, por exemplo, que adotou o nome de Harold Lockwood Jr. também tentou honrar a memória do pai fazendo filmes, sem êxito.

Harold Jr. fez apenas alguns poucos papeis e nunca chegou ao status de astro como seu pai. O primeiro Harold Lockwood era tão cativante que se o destino tivesse ajudado e a Gripe Espanhola não tivesse interrompido, ele poderia ter tido uma carreira como a de Gary Cooper ou até mesmo de Douglas Fairbanks. 

A Gripe Espanhola, que causou a morte de Harold Lockwood e milhares de outras pessoas, não deve ser esquecida: devemos relembrar, aprender e não cometer os mesmos erros, seguindo as recomendações dos especialistas de saúde. Assim, milhares de vidas podem ser salvas atualmente do Coronavírus, como a do astro Harold também poderia ter sido e talvez sua história no cinema poderia ser bem diferente. 
Você sabe, eu quero ser um dos rapazes. Eu não quero que ninguém pense que eu sou a estrela e eles estão apenas trabalhando comigo. Eu admito que nem sempre tive esse ponto de vista. Lá no começo, quando fiz meu primeiro trabalho, eu achava que tinha que me mostrar. Eu queria que as pessoas acreditassem que eu era bom e comecei a pensar que era. Isso até que algo aconteceu comigo que me acordou. Desde então, não fico fazendo noções sobre meu talento. Deixo os outros julgarem. - entrevista de Lockwood para a revista Photoplay de 1917. 

*Descobri sobre o ator ao pesquisar sobre astros do cinema acometidos pela Gripe Espanhola em matéria do site Deadline.  Além disso, estou atendendo também ao pedido do leitor Alexandre que queria ver uma matéria de como a pandemia de 1918 afetou a indústria cinematográfica. Se você também tiver sugestão de matérias, não deixe de nos enviar! 
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