Ruan Lingyu no clássico A Deusa (Shen nu, 1934)

*aviso: esta matéria trata sobre suicídio e depressão.

Ruan Lingyu pode não ser um grande nome no cinema mundial (e deveria!), mas na China nos anos 1930, a atriz era uma enorme estrela. Seu talento e sua morte prematura aos 24 anos de idade, aliás, marcaram de vez seu lugar como um ícone do cinema chinês. 

Descobri o nome de Ruan através de um Instagram dedicado à memória das estrelas do cinema mudo, o @silenceisplatinum, e fiz questão de descobrir mais sobre essa dedicada artista, que teve uma vida breve, porém brilhante. Assim, o filme A Deusa (Shen Nu, 1934), o mais famoso da filmografia da chinesa se destacou - e como! 

Ruan Lingyu, nascida Ruan Feggen e também conhecida por seu nome em inglês Lily Yuen, nasceu em 26 de abril de 1910, em Shangai na pequena vila Xiagnshan County, na província de Guangdong. Seu pai, Ruan Yongrong, era de uma família muito pobre e havia se mudado para Shangai seis anos antes para conseguir um futuro melhor. Já sua mãe, He Aying, depois da morte do seu marido e de sua filha mais velha, começou a trabalhar como empregada para sustentar Lingyu na casa da rica família Zhang, cujo filho logo reaparecerá na vida de Lingyu. 

Ruan aos 23 anos de idade - considerada a Greta Garbo chinesa
De acordo com a biografia 神女: The Goddess of Shanghai da Hong Kong University Press, a mãe de Lingyu conseguiu colocá-la em uma boa escola particular para expandir sua educação e onde seus amigos alimentaram sua paixão pelo cinema - levando a jovem para assistir filmes sempre que podia. Ela, no entanto, decidiu ser uma atriz desde pequena, ao ser levada pela amiga de seus pais ao teatro.

Quando sua mãe foi demitida de seu emprego por culpa do filho mais novo da família Zhang, o Damian, Ruan e ela receberam o apoio do rapaz, que as abrigou em uma de suas casas e prometeu se casar com a futura atriz. A Madame Zhang o expulsou de casa considerando a união desonrosa e, posteriormente, o deserdou.

Assim, noiva e sem perspectivas de dinheiro já que Damian era um viciado em jogo que se afundava em dívidas, Lingyu respondeu a um anúncio no jornal do estúdio Ming Xing em março de 1926, que estava procurando por uma atriz principal para o filme Husband and Wife in Name (sem tradução). Foi assim o começo da carreira de Ruan e também sua ruína.

Em 1930, depois de sua primeira tentativa de suicídio, ela se juntou ao estúdio Lianhua, fundado por Luo Mingyou, e que prometia produzir filmes de alta qualidade para a indústria cinematográfica doméstica focando-se em popularizar a educação social e na realidade do povo chinês. Logo depois ela adotou sua filha Xiaoyu.
O filme Spring Dream of The Old Capital foi o primeiro filme que fiz quando me juntei ao estúdio Lianhua. Eu já estive em 10 filmes agora. (...) Os profissionais envolvidos na indústria do cinema fazem isso apenas para ganhar dinheiro. Ninguém fala sobre estudar ou pesquisar esta arte. Para mim, por exemplo, agora eu dependo apenas dos filmes para ganhar dinheiro. - entrevista de Ruan Lingyu em 1933.
Ruan Lingyu estava pronta para mostrar suas melhores performances em Love and Duty (idem, 1931), Peach Girls (idem, 1931), Three Modern Women (idem, 1933) e, é claro, A Deusa (The Goddess, 1934) - todos filmes mudos.

Cena do filme A Deusa (The Goddess, 1934)
A Deusa (Shen nu, 1934), é um dos primeiros filmes da história do cinema que aborda a prostituição, contando a história de uma pobre mãe solteira, vivida por Ruan Lingyu, que para sustentar à si e à seu filho, interpretado por Ling Keng, trabalha como prostituta pelas ruas da China. Em uma noite fugindo da polícia, ela acaba nas garras do Chefão (Zhang ZhiZhi) que a nomeia como sua mulher e pega grande parte do seu dinheiro para jogar. A jovem, no entanto, quer dar uma vida melhor ao seu filho e busca lhe dar uma educação - custe o que custar.

Escrito e dirigido por Yonggang Wu, A Deusa (Shen nu, 1934) refere-se a palavra shennü, que além de significar "deusa", também é um eufemismo para a prostituição. Assim, enquanto a personagem de Lingyu é uma mãe feroz, disposta a se sacrificar pelo seu filho, ela tem que se prostituir e vender uma parte de si mesma para isso.

Para entender melhor o filme, é necessário compreender a sociedade chinesa na época de A Deusa (The Goddess, 1934). Considerado um dos períodos mais tumultuados do país, já que em 1931 o Império Japonês invadiu a China e a guerra culminaria em 1937. Ademais, a Guerra Civil Chinesa estava à todo vapor. Em Shangai, onde a história de A Deusa (Shen nu, 1934) se passa, a cidade sofria de invasões, clima instável e a presença japonesa, além de um boom comercial desenfreado - nessa época mais de 100 mil mulheres recorriam a prostituição como meio de vida.

A personagem de Ruan Lingyu era um reflexo das mulheres do seu tempo. Mas, acima de tudo, era uma mãe disposta à tudo para prover o melhor para o seu filho, como Marlene Dietrich em A Vênus Loira (The Blonde Venus, 1932).

A Deusa e seu amado filho
A ideia original do roteirista e diretor Yonggang Wu, entretanto, era que A Deusa (Shen nu, 1934) focasse mais na realidade cruel da prostituição. Ele desistiu dessa ideia porque ele percebeu que não tinha acesso ou nem conseguia se relacionar com essa realidade.

De acordo com a matéria que ele mesmo escreveu, replicada no livro Remaking Chinese Cinema: Through the Prism of Shanghai, Hong Kong, and Hollywood Por Yiman Wang, o roteiro seria bem diferente:
Quando eu comecei a escrever o roteiro, eu queria focar na experiência de vida das prostitutas. Mas minhas circunstâncias tornaram isso impossível. Para esconder essa fraqueza, eu foquei no amor maternal enquanto deixava a prostituição como plano de fundo, mostrando a vida de uma prostituta ilegal enquanto ela luta entre duas vidas para proteger sua criança. Eu uso um assunto explorativo para impulsionar o enredo. Eu também permito colocar as palavras de justiça na boca de um diretor de escola deixando que ele exponha a causa social da prostituição. Eu não ofereci uma solução ao problema. Minhas circunstâncias apenas permitem que eu peça por simpatia e justiça. Eu reconheço a minha covardia, que permite uma tentativa humilde. 
A cena inicial de A Deusa (Shen nu, 1934) deixa explícito essa dicotomia ao exibir uma estátua de uma mulher com as mãos amarradas atrás das costas tentando amamentar o seu filho. O texto de abertura lê-se:
A Deusa...lutando no redemoinho da vida...nas ruas, ela é apenas uma prostituta qualquer...mas quando ela segura seu filho nos seus braços ela se torna uma mãe amorosa. Entre suas duas vidas, ela mostra uma grande humanidade. 
Graças a atuação forte de Ruan Lingyu conseguimos nos conectar e compadecer com sua personagem, que se vende por necessidade e coloca o seu filho acima de todos. A única vez que o telespectador vê a Deusa se descontrolar e agir por impulso próprio é quando ela vai enfrentar o Chefão em busca do dinheiro roubado, buscando justiça em uma sociedade corrupta. É nesse momento que ela tenta reaver sua independência e sua posição como ser humano. Infelizmente, o mundo logo lhe mostra qual é o seu lugar e que ela nunca será nada além disso- algo que ela não quer que seu filho pertença.

O diretor, vivido por Tian Jiang, representa a consciência social
O filme A Deusa (Shen nu, 1934) tem em um de seus grandes trunfos o fato de ser parte do cinema mudo: tudo que precisa ser dito é feito através dos olhos de Ruan Lingyu e do roteiro conciso de Yonggang Wu. A representação da caótica cidade de Shangai como a causa do problema social, a Deusa e o Chefão como vítimas dessa causa, além do diretor como a figura de consciência e o filho representando o futuro social que a mãe sempre almejou. Tudo isso evidencia a atualidade do assunto e como o ambiente pode influenciar uma pessoa - que faz tudo para sobreviver. Fica a questão: passaram-se 85 anos e o que de fato realmente mudou?

O preconceito que a Deusa enfrenta das outras mães, o título de "menino miserável" de seu filho e sua desonra podem ser aplicados em inúmeras histórias e épocas diferentes e todas com o mesmo resultado - o julgamento desenfreado dos outros que causa a ruína de muitos. Um sintoma da desigualdade social e do capitalismo que perdura até hoje.

A Deusa (Shen nu, 1934) é uma grande película cujo grande trunfo é ser justamente um filme mudo, pois consegue transcender a barreira da linguagem mostrando uma realidade tão poderosa: o amor incondicional de uma mãe e a injustiça social, especialmente aquela direcionada às mulheres. O filme chinês, portanto, torna-se um clássico e uma análise da sociedade como um todo.

O ambiente influencia o indivíduo
Ruan Lingyu surpreendeu à todos com sua performance e cimentou de vez seu lugar como uma das mais importantes atrizes chinesas do período. Com o advento cada vez mais próximo dos filmes falados, ela preparava sua voz para fazer uma transição bem-sucedida, porém não contava com os problemas de sua vida pessoal que a calariam para sempre.

Nesse ínterim de gravar A Deusa (Shen nu, 1934), Ruan estava se separando, secretamente, de Damian (cuja jogatina estava fora de controle) e começou um namoro com o gerente da Chahua Tea Company, Tang Jishan, mais para o final de 1933. Ela entrou em um acordo com Zhang, no qual lhe pagaria 100 yuans por um período de dois anos para que os dois se separassem legalmente. O playboy milionário, no entanto, entrou em mais dívidas e tentou extorquir dinheiro de Ruan e seu novo amante que, infelizmente, também abusava fisicamente da atriz.

Damian contratou um advogado para processar Ruan e Tang e o novo amante da atriz fez o mesmo sob o pretexto de difamação.  Dois dias antes do caso ir ao tribunal, como reconta o livro Cinema and Urban Culture in Shanghai, 1922-1943 Por Yingjin Zhang, Ruan Lingyu tirou sua própria vida se envenenando e morreu em 8 de março de 1935, ironicamente no Dia Mundial das Mulheres.

O suicídio de Ruan, aconteceu por dois motivos: o medo da opinião pública que já se voltava contra ela, a rotularizando como uma "mulher fácil" e por ser incapaz de deixar Tang, que era fisicamente abusivo e ainda a traia. Por ter deixado Damian por Tang, a atriz não poderia deixar o amante sem sofrer um revertério ainda maior da opinião pública. Assim, sentindo-se sem saída, ela fez uma segunda tentativa de suicídio e dessa vez, infelizmente, deu certo.

Lingyu com seu então marido Damian Zhang
Ruan Lingyu teria escrito dois bilhetes de suicídio, um culpando diretamente a mídia por lucrar em cima de seu sofrimento, sem se preocupar se o que escreviam era verdade, cunhando a famosa frase: "fofoca é algo muito terrível." Muito semelhante ao enredo de seu último filme New Woman (idem, 1935), no qual ela interpreta uma atriz que se mata pela pressão midiática. Posteriormente, grande parte dessa carta se provou ser uma farsa, inclusive o segundo bilhete no qual Ruan exonera Tang de toda a culpa por sua morte. 

Em abril de 1935, mais de um mês depois de sua morte, supostas cópias dos verdadeiros bilhetes de Lingyu foram publicados no Siming Business Journal. Para Damian, que começou a difamá-la publicamente nos jornais para obter dinheiro, ela escreveu via Ruan Ling-Yu: The Goddess of Shangai de Richard Meyer:
Você pode não ter me matado com suas duas mãos, mas eu morri por sua causa. Por que você não pensa no subsídio de 100 yuens que te dei depois que nos separamos? Você é realmente sem coração. Agora estou morta e você provavelmente ficará satisfeito. Pessoas vão achar que sou horrível e que fui punida por isso. 
O mais chocante, no entanto, foi o bilhete que ela teria escrito ao Tang Jishan, que mudava muito da carta que o milionário tinha divulgado entre a família de Ruan e a mídia. Nela, Lingyu o acusava de traição e abuso físico, uma parte que ele omitiu na primeira divulgação:
Se você não estivesse apaixonado por tal pessoa, se não tivesse me batido naquela noite e nesta também, eu não teria feito isso [me suicidado]. Depois da minha morte, no futuro, certamente as pessoas verão que você é um diabo que brinca com mulheres. Eles vão até dizer que sou uma mulher sem alma, mas eu não estarei viva e será você quem terá que lidar com as acusações. (...) Eu estou morta, mas eu não te odiarei, esperando que você cuide bem da minha mãe e filha. 
O funeral, que ocorreu em 14 de março de 1935, causou grande comoção na China
O corpo de Ruan Lingyu foi velado por mais de quatro dias e 25 mil pessoas prestaram seus respeitos à atriz. Em 14 de março de 1935, a procissão para enterrar o corpo da estrela no cemitério Luen Yee Sayzoong Cemetery foi acompanhado por mais de 100 mil pessoas, alguns jornais estimam 300 mil, e várias jovens se suicidaram também, justificando: "Se ela está morta, o que resta para viver?"

Em 1991, o diretor Stanley Kwan lançou um filme biográfico/documentário sobre a vida de Ruan Lingyu chamado Centre Stage (idem, 1991) que foi recebido com muitas críticas positivas pela crítica, mostrando que o legado de Lingyu continua mais vivo do que nunca e que seu potencial nunca totalmente alcançado era uma promessa doce demais para existir neste mundo.
Além de atuar, a única coisa que me deixa contente é ler. Eu particularmente gosto da revista Lunyu de Lin Yutang. Aos domingos, eu gosto de passear e jogar golfe, mas eu raramente gosto de jogos. - Ruan em entrevista em 1933. 
Aproveite e desfrute a performance de Ruan Lingyu em A Deusa (Shen nu, 1934), abaixo!



O caso de Lana Turner e o gângster Johnny Stompanato

Lana Turner, a eterna garota suéter, teve quase tantos relacionamentos quanto sucessos na indústria de Hollywood. Casou-se oito vezes, duas delas com Joseph Stephen Crane, pai de sua única filha Cheryl Crane, e envolveu-se com astros como Tyrone Power (o grande amor de sua vida) e o cafajeste Lex Barker (acusado de molestar a filha da estrela). 

Seu relacionamento mais notório, no entanto, foi com o perigoso gângster Johnny Stompanato e a morte dele em 4 de abril de 1958 gerou uma série de dúvidas e um escandaloso inquérito que, alimentado pela mídia, questionou todos os aspectos da vida de Lana e sua habilidade como mãe. 
Eu estava caminhando para a porta do quarto e ele estava logo atrás de mim. Eu abri a porta e ali estava a minha filha. Eu juro que foi tão rápido...Eu, eu realmente achei que ela tinha o atingido no estômago. Pelo que me lembro, eles se uniram e depois se separaram. Eu nunca vi a faca. - depoimento de Lana Turner durante o julgamento via LA TIMES
Lana Turner e Johnny Stompanato - um casal feito no inferno
A história desse grande caso de assassinato começou em abril de 1957 quando Lana, nascida Julia Jean Turner, gravava seu filme A Força do Amor (The Lady Takes a Flyer, 1958) e começou a receber inúmeras ligações de um tal de Johnny Steele. Farta, ela pediu que seu maquiador Del Armstrong ligasse de volta para o homem e desse um basta na situação. 

Ao conversar com ele, no entanto, Del afirmou que Steele apenas queria lhe mandar flores e que não havia nada de errado com isso. Assim as flores chegaram.... às dezenas! Em sua autobiografia Lana- the lady, the legend, the truth, a atriz conta que logo depois John mandou um cartão com seu telefone e eles começaram a conversar - o rapaz até afirmou conhecer a amiga de Lana, Ava Gardner. Persistente, Johnny não desistiu ao receber várias recusas da estrela e continuou mandando flores, músicas e convites até que ela aceitasse encontrá-lo para um drink em sua casa em maio daquele ano. 

Sobre ele, Lana afirmou que seu jeito galanteador e suave foi irresistível, ainda mais após seu recente término com Lex Barker, que havia supostamente molestado sua filha Cheryl: 
O cortejo dele era gentil, persistente e finalmente persuasivo. Quando eu descobri o seu verdadeiro nome, nós já estávamos tendo um caso. 
John Steele era na verdade John Stompanato, nascido em 19 de outubro de 1925, que se formou na academia militar em 1943 e transitou em uma série de trabalhos até ser contratado, no final dos anos 40, como guarda-costas e faz-tudo do gângster Mickey Cohen. Stompanato foi casado três vezes, com Sarah Utish com quem teve seu único filho John II, e com as atrizes Helen Gilbert (mais velha do que ele) em 1948 e Helene Stanley (base da Aurora da Disney) em 1953. Após seu último divórcio, ele investiu pesado em atrizes, cortejando Janet Leigh e Kathryn Grayson, até chegar em Lana.

Portanto, John continuou com sua campanha de conquistar a loira - afirmando que era 5 anos mais velho do que ela, dando aulas de equitação para Cheryl e comprando o amado cavalo Rowena, pelo qual a atriz havia se afeiçoado ao gravar Diana da França (Diane, 1956). Mas como John sabia tanto sobre Lana? O seu objetivo foi sempre conquistá-la? Ou obter seu dinheiro e uma chance de se tornar importante em Hollywood? E será que para isso ele obteve a ajuda de seu chefe Mickey Cohen? 

Lana e o perigoso Stompanato
Seja como for, Johnny estava obcecado por Lana e a atriz estava cada vez mais encantada por ele e por sua atenção sem limites. Isso até que um amigo lhe contou que o nome verdadeiro de John era Johnny Stompanato e ele era conectado com a máfia - além de ter sido "acompanhante" de várias estrelas em ascensão. A loira platinada confrontou o então namorado sobre isso e ele admitiu a verdade. Quando Turner pediu por um tempo no relacionamento, o gângster respondeu: "Lana, querida, apenas tente se livrar de mim" e deu uma risada que a artista afirma ter lhe dado calafrios durante o resto de sua vida. 

Lana Turner, como próximo passo, fez questão de ser vista com outros homens em encontros, mas as ligações de Johnny continuavam e ele até invadiu a residência da atriz, segurando-na contra sua própria cama, disposto a fazer com que ela não se esquecesse dele. Assim, a atriz sofreu mais uma recaída: considerava a paixão consumidora de Stompanato "estranhamente excitante", embora ele não fosse, exatamente, o melhor dos amantes. Johnny, afinal, era o segredinho sujo de Lana: que ela não tinha coragem de assumir, mas não conseguia largar.

John ao lado de seu chefe Mickey Cohen em 1950                                         Murderpedia
Uma nova luz chegou à sua vida quando a atriz foi escalada para o filme Vítima de Uma Paixão (Another Place, Another Time, 1958) no qual as gravações aconteceriam em Londres, na Inglaterra. A atriz considerava que a distância ajudaria a esfriar o namoro entre eles. O problema? Não esperava se sentir tão solitária e sem nenhum amigo no set, vivendo apenas das ligações e cartas de Johnny. Foi neste período de tempo que ela escreveu cartas longas e carinhosas para Johnny, que vieram à público durante o julgamento da morte do gângster.

Ambos com saudades, Stompanato logo se juntou à ela em Londres, contudo não demorou para que as brigas explosivas entre os dois começassem - com o meliante chegando a confrontar a co-estrela da namorada, Sean Connery com uma arma no set de filmagens. Connery o desarmou e lhe deu um soco no nariz. As agressões contra Turner, contudo, não pararam por aí: no hotel, Stompanato continuava a bater em Lana, chegando a sufocá-la tanto em uma briga que ela perdeu a voz e teve que adiar a produção de seu filme por alguns dias. 

Após esse evento traumático Lana conseguiu, com a ajuda de seu advogado Gavin Thorne, que a Scotland Yard expulsasse o gângster do país ao denunciá-lo por carregar um passaporte falso, quase que simultaneamente com a chegada de Cheryl para passar o Natal com sua mãe. O que torna tudo mais estranho é que Lana, em 26 de dezembro de 1957, escreveu uma carta romântica para Johnny, afirmando que sentia falta dele. Seria a solidão? Ou ela teria medo do que Johnny poderia fazer se ela o dispensasse? O que importa é que essas cartas não pintaram um bom retrato de Lana na mídia. 
Dizer o quanto sentimos sua falta seria IMPOSSÍVEL. Eu nem consigo admitir o quanto e tão profundamente - Deus! - só sabe o quanto eu sinto a sua falta. - cartas replicadas na revista LIFE em 1958. 
Lana e Johnny em Acapulco em janeiro de 1958 
Encerradas as filmagens em Londres, Lana estava decidida a ter um tempo sozinha e em uma das cartas para Johnny afirmou que tiraria umas férias em Acapulco, no México, pedindo que "ele deixasse que ela ficasse sozinha no mundo por um tempo." O gângster não lhe deu ouvidos: Johnny esperava Lana no aeroporto da Dinamarca, para que eles fossem viajar juntos. 

O gerente do hotel Via Vera, Teddy Staufler, confirmou em entrevista para a revista Life, a versão dos eventos de Lana, afirmando que ela estava com medo de Stompanato e não o queria por perto: "Eu sabia que ela estava com medo. Temia por sua vida. Você podia perceber." 

Foi nesta viagem que o relacionamento entre eles se tornou ainda mais violento: ameaçando Lana com uma arma, que ele obtive ao justificar que era para proteger a estrela das iguanas do local, Johnny batia em Lana e a forçava a ter relações sexuais com ele. Mesmo assim, as atitudes de Lana geravam dúvidas: sempre que saia com Johnny, ela se mantinha com um sorriso no rosto. Era o medo de um relacionamento abusivo falando mais alto? Ou ela estava viciada naquele ambiente tóxico? 

Lana no aeroporto da Dinamarca e Johnny a esperando por lá- algo que Lana odiou 
Com a notícia de que Lana havia sido indicada à um Oscar de Melhor Atriz por A Caldeira do Diabo (Peyton Place, 1957), Johnny voltou a ser o amante do início do relacionamento - enchendo a atriz de presentes caros, que desta vez eram pagos por ela mesma. Os dois retornaram juntos (e mais cedo) de Acapulco, em 20 de março de 1958, e foram recebidos no aeroporto por Cheryl, filha de Lana. O romance da atriz com o gângster já havia virado notícia mundial e, mesmo que quisesse, ela não poderia se desvencilhar dele. 

O caso de amor entre eles voltou a amargar, no entanto, quando ela se recusou a levá-lo como seu acompanhante na cerimônia do Oscar - a atriz foi acompanhada de Cheryl e sua mãe. Lana recebeu vários socos como retaliação ao chegar em casa depois de uma das noites mais importantes de sua vida. Foi a primeira vez que Cheryl viu o lado explosivo de Stompanato. 

Em seu livro, Lana -the lady, the legend and the truth, a "garota do suéter" explica porque nunca pediu ajuda para seus amigos influentes da indústria ou à polícia para tentar se livrar de Stompanato: 
Eu tinha alguns motivos para não falar sobre isso. Primeiro é que John me ameaçava repetidamente, não apenas à mim, mas minha mãe e filha. Ele disse que raptaria Cheryl e mataria as duas. E ele tinha conexões para isso. Ele poderia fazer isso e ter um álibi sólido. Ele me ameaçava também, dizendo que me mataria e me deixaria aleijada. (...) E tinha também a publicidade.  Eu morria de medo dos jornais descobrirem tudo. 
As ameaças, a violência, a manipulação e as conexões mafiosas culminaram em um dos maiores mistérios de Hollywood: a morte de Johnny Stompanato. Afinal, quem o teria matado: Cheryl ou Lana?  

Lana, Johnny e Cheryl no aeroporto em 1958 
Cheryl, que estudava em um internato na época, não tinha muito tempo livre com Lana ou Johnny, mas ela se sentia bem à vontade com o gângster. Foi Stompanato quem lhe deu o cavalo Rowena de presente e os dois se comunicavam bastante por cartas e saíam para cavalgarem e comerem juntos, pelo menos antes dela saber que o relacionamento com Lana se tornara violento. 

Em uma carta enviada para Johnny em 18 de fevereiro de 1958, dois meses antes da tragédia, Cheryl mantinha um bom relacionamento com Johnny e lhe escrevia coisas como: 
Te amo e sinto muito a sua falta. - trecho da verdadeira carta de Cheryl replicada na revista O Cruzeiro em 1958. 
Assim, estava claro que até a cerimônia do Oscar em 1958, que aconteceu em 26 de março de 1958, Cheryl não fazia ideia da gravidade do namoro tóxico de sua mãe. Ela descobriria mais cedo do que tarde.

A nova casa de Lana - ela havia se mudado três dias antes da morte de Johnny 
Em 1 de abril de 1958, Lana se mudou para sua nova casa alugada em 730 North Beford Drive em Beverly Hills e contou com a companhia de Johnny para comprar utensílios e eletrodomésticos - ele não deixava que a estrela fizesse nada sozinha. 

Em seguida, de acordo com Lana, no dia da morte de Stompanato, o gângster havia ficado chateado com a aparição de um antigo colega da academia militar, chamado Billy Brooks, por puro acaso.  Foi aí que Lana descobriu que Stompanato mentia sobre sua idade e também ficou possessa ao descobrir ser a mais velha da relação. Johnny saiu da casa de sua namorada mais cedo e ao ligar à noite, naquele mesmo dia, ficou zangado por Turner afirmar que encontraria com Billy e seu amigo Del, no dia seguinte, para um jantar. 

Nervoso, ele queria sair com Lana para ir ao cinema, dirigindo-se até a casa para buscá-la e a discussão logo escalou para um confronto físico no quarto da famosa. Cheryl, segundo a autobiografia de Turner, estava atrás da porta ouvindo tudo, embora ela clamasse para que ela fosse embora. Durante a discussão, Cheryl teria pedido para que eles parassem de brigar e que abrissem a porta para que ela pudesse falar com o casal. 

Lana havia sinalizado que a discussão havia terminado e que Cheryl poderia entrar, já que Stompanato estava saindo.
O que ela viu quando abriu a porta foi que eu estava em cima da mesa de mármore rosa e John vindo até mim, com o braço para cima, com algo em sua mão. Ela não percebeu que ele estava carregando roupas acima do ombro com o cabide. Ela apenas viu sua mão para cima e o que parecia ser um tipo de arma. E ele estava bem na frente da porta, seu corpo desprotegido. De soslaio, eu vi Cheryl fazer um movimento brusco. O braço direito dela foi para frente e atingiu o estômago de Johnny. Eu pensei que ela havia o socado. - trecho de Lana: the lady, the legend, the truth
Fotos do corpo de Johnny Stompanato sendo examinado pela polícia
A versão que Cheryl contou para a polícia no dia seguinte ao crime, recontada pelo jornal The Australian Women's Weekly em 1958, seguia o mesmo fio da meada, embora fosse um tão mais comprometedora: 
Eu escutei a minha mãe e o sr. Stompanato brigando antes. Eles brigaram de novo ontem à noite. Eu estava assustada e minha mãe pediu que não brigasse na minha frente. Então ele e minha mãe foram para o quarto e eu fiquei escutando atrás da porta. Ele ficava dizendo que a machucaria e a desfiguraria. Eu corri para a cozinha, peguei a primeira faca grande que eu vi e corri de novo para cima. Eu o escutei dizer: 'Eu vou pegar você e a sua família, não importa o que eu faça'. Eu entrei no quarto e disse: 'Você não tem que aguentar isso mãe' e então eu enfiei a faca no estômago dele com toda a minha força. - primeira versão do testemunho de Cheryl.
Em entrevistas posteriores, depois da publicação de seu livro Detour em 1988, Cheryl afirmou que a porta do quarto abriu-se e que Johnny vinha em sua direção com a mão para cima. Ela não se lembrava de ter feito nada, Cheryl afirmou em entrevista ao Larry King em 2001, mas afirmou que devia ter levantando a mão e o atingido no estômago. Segundo a jovem, as últimas palavras de Johnny foram: "Meu Deus, Cheryl. O que você fez?". 

Policial analisando a arma do crime 
Perceba-se que em cada uma das versões, tanto de Cheryl quanto de Lana, a pessoa responsável por abrir a porta mudava. E que em ambas as versões, Stompanato carregava um cabide com roupas, que não foi listado na evidência da polícia e nem exibido em fotos. Pormenores, mas que levantam dúvidas na narrativa da mãe e filha, certo? 

Algo ainda mais suspeito? Ao invés de Lana ligar para a polícia, ela telefonou primeiro para sua mãe que convocou o dr. Macdonald, um médico da família, para verificar se o gângster estava realmente morto. Assim que foi confirmado, Lana ligou para o notório advogado Jerry Geisler e, nesse ínterim, Cheryl clamou por seu pai Stephen Crane. A polícia de Bevely Hills apenas soube do crime duas horas depois da morte de Stompanato.

Os pertences de Johnny Stompanato naquela noite - um bracelete com inscrição especial de Lana 
Na autópsia oficial do corpo do gângster, realizada em 11 de abril de 1958, a causa da morte foi certificada como: 
Ferida de faca no abdômen, penetrando o fígado, a veia portal e a aorta com hemorragia severa. 
As fotos do crime, no entanto, mostram o carpete do quarto de Lana Turner impecavelmente limpo, sem nenhuma mancha de sangue. Com a chegada da polícia e da mídia, Cheryl assumiu sua culpa na morte de Stampanato e foi levada sob custódia para a delegacia de Beverly Hills. Na tarde seguinte, Cheryl foi fichada e levada para a Detenção de Menores, onde ficou três semanas e meia, mesmo depois de ser reconhecida como inocente no julgamento de 11 de abril de 1958. 

Cheryl sendo levada para a detenção de menores em 5 de abril de 1958 onde ficou quase um mês 
Julgamento esse no qual, aliás, mais provas surgiram refutando a versão dos fatos de Cheryl e sua mãe Lana. De acordo com o livro de Crane, Detour, as testemunhas proveram dados forenses que continuaram a levantar dúvidas sobre o crime anos depois do inquérito: 
Por um lado, não foram encontradas impressões digitais na faca quando foi examinada no dia seguinte, exceto por uma mancha na haste muito desfocada para se analisar. Segundo, o sangue encontrado na lâmina continha 'inúmeros fios claros ou fibras de cabelo'. E mais, mesmo que a faca fosse nova, ela continha algumas marcas na sua haste. Para arrematar, o primeiro policial a chegar na cena testemunhou que o quarto da mãe não tinha nenhuma mancha de sangue.  - trecho de Detour: A Hollywood Story
Na audiência, os jornais afirmaram que Lana deu a maior e "melhor performance de sua carreira". Ela falou pausadamente, mostrou pesar e tristeza e até chorou ao recontar sua triste história no banco das testemunhas. A mãe de Lana, Mildred, também foi chamada para depor, porém após uma reação nervosa, o seu testemunho foi encurtado. 

Cheryl acabou não testemunhando, esperando seu destino na Detenção de Menores, e após uma breve deliberação (de menos de meia hora!) o júri considerou a morte de Johnny Stompanato como um "homicídio justificado". 

Lana durante seu testemunho no julgamento da filha 
O ex-chefe de Stompanato, Mickey Cohen, no entanto, não acreditava que Cheryl, aos 14 anos de idade, fosse capaz de matar um homem como seu guarda-costas e foi ele quem vazou as cartas apaixonadas de Lana (ou melhor Lanita, seu apelido carinhoso para Johnny) para a imprensa. Para o gângster, Stompanato foi morto na cama de Lana pela própria atriz e o crime teria sido encoberto. 

A família do morto, especialmente sua mãe Carmine, não estava convencida de que Cheryl havia matado o mafioso e em abril de 1958, entraram com um processo contra a estrela por danos no valor de 750 mil dólares, em nome do único filho de Stampanato, Johnny II. O caso, que arrastou-se por anos, foi concluído em 1961 com Lana sendo obrigada a pagar 20 mil dólares para o menino que na época tinha 13 anos de idade. 

Apesar da inocência de Cheryl e um novo sucesso para Lana com o filme Imitação da Vida (Imitation of Life, 1959),  Stephen Crane entrou com um processo para obter a guarda da filha depois do terrível acontecimento e Cheryl acabou morando com sua avó Mildred por quase dois anos. Traumatizada pelos acontecimentos, ela se meteu em inúmeras confusões, entrando e saindo de instituições disciplinares e tentando se suicidar duas vezes. 

Cheryl durante a audiência de custódia em 25 de abril de 1958 - ela foi morar com sua avó 
Ao passar dos anos, muitas versões sobre a morte do mafioso surgiram: de que Cheryl e Johnny teriam sido descobertos na cama por Lana, que o matou por ciúmes. Algo que a própria jovem negou em seu livro Detour, afirmando que Stompanato nunca se aproximou dela de modo inapropriado. 

A teoria mais crível, e mais difundida, é a que Lana teria matado Johnny e sua filha assumiu a culpa para que a carreira de sua mãe não acabasse de vez. Eric Root, cabeleireiro que trabalhou com Lana durante a novela Falcon Crest nos anos 80, afirmou que em uma noite descontraída, assistindo documentários de crimes na TV, Turner teria lhe dito que matou Johnny: 
Finalmente, ela afirmou: 'Eu matei aquele filho da puta e eu faria de novo' - trecho do livro The Private Diary of My Life With Diana, 1996. 
Cheryl veemente nega essa versão do evento em entrevista a revista Vanity Fair em 1999, afirmando que era exagerada e que "todo mundo tinha algo para vender. Talvez esse fosse o único jeito que ele conseguiu que seu livro fosse publicado." 

Em uma matéria publicada em 2008 na revista Chicago Magazine, o único filho de Johnny atestou que gostaria de conversar com Cheryl para entender o que era verdade ou não: "para descobrir, realmente, o que está na sua mente." Pelo visto, nem Cheryl e nem Johnny II conseguiram a resolução que tanto esperavam - a morte de Stompanato continua em suas mentes depois de todos esses anos. 

Em 1964, Bette Davis e Susan Hayward estrelaram no filme baseado parcialmente nesse escândalo, o Escândalo na Sociedade (Where Love Has Gone, 1964), do livro de Harold Robbins, e em 2005 foi anunciado um filme sobre esse infame caso, estrelado por Keanu Reeves e Catherine Zeta-Jones, intitulado Stompanato, mas ele nunca saiu da pré-produção. 

Johnny e Lana em 1957 - tempos mais felizes? 
Uma boa decisão, afinal o caso entre Lana Turner e Johnny Stompanato era uma dicotomia: apesar da atriz temer o gângster, ela achava seu lado durão excitante. Já Johnny podia ser tão galanteador quanto violento, perpetuando um relacionamento abusivo que durou tempo demais e acabou em tragédia, tornando-se um dos maiores escândalos de Hollywood.

Mais de 60 anos depois do caso, fica a dúvida: quem realmente matou Johnny Stompanato? 


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