Slider

Os figurinos de Carmen Jones (idem, 1954) e a estilista Mary Ann Nyberg

 As mulheres deveriam, determinadamente, seguir seus próprios gostos e usarem aquilo que as favorecem. - Mary Ann Nyberg, 1953. 

A estilista Mary Ann Nyberg teve uma das carreiras mais curtas da antiga Hollywood. Seu primeiro trabalho na MGM foi como a figurinista do filme Lili (idem, 1953) estrelado por Leslie Caron e Mel Ferrer. Logo em seguida, em apenas um período de dois anos, Nyberg também trabalhou em A Roda da Fortuna (The Band Wagon, 1953), Nasce Uma Estrela (A Star is Born, 1954) e por fim, em Carmen Jones (idem, 1954). 

Após uma breve consulta como estilista para a película O Homem do Braço de Ouro (The Man With The Golden Arm, 1955), e duas indicações ao Oscar de Melhor Figurino, Mary Ann desapareceu do mapa e nunca mais trabalhou na indústria do entretenimento.

Dorothy Dandridge como a sensual Carmen
Nascida em 7 de fevereiro de 1923 em Tulsa, Oklahoma, filha única de Jean Nyberg e Ernest C. Nyberg, Mary tinha apenas 20 anos quando partiu para Hollywood buscando seus sonhos de fama como artista e estilista. Nada se sabe sobre como a carreira de Mary começou, mas ela frequentava inúmeros eventos da alta sociedade e já foi namorada do cantor Rudy Vallee, que também fazia algumas pontas no mundo do cinema. Essa pode ter sido sua entrada no mundo do design, já que em todas as saídas dela, Mary usava peças idealizadas por ela mesma e os jornais faziam questão de elogiá-la.

Ela se casou em 1965 com o crítico de cinema Arthur Knight e posteriormente com Don J. Koch em 2 de setembro de 1977 até sua morte em 19 de setembro de 1979. Nyberg foi enterrada no mesmo jazigo de sua mãe Jean, que havia falecido 5 anos antes. 

Mas antes de tudo isso acontecer, Mary Ann era a nova badalada estilista de Hollywood. Suas criações para o filme A Roda da Fortuna (The Band Wagon, 1953) estavam em todos os jornais e não demorou muito para que ela fosse chamada para criar as roupas de Judy Garland em Nasce Uma Estrela (A Star is Born, 1954). Infelizmente ou não (depende do ponto de vista), os desentendimentos entre as duas fizeram com que Mary desistisse do filme e ela se concentrou em Carmen Jones (idem, 1954) trabalhando ao lado do diretor do filme, Otto Preminger.

Mary aos 30 anos de idade                                                Foto Shutterstock
Carmen Jones (idem, 1954) é baseado na ópera de Bizet, que por sua vez, se inspirou no livro Carmen escrito por Prosper Merimeé. O musical conta  a história de Carmen, vivida por Dorothy Dandridge, uma jovem sedutora que vira o mundo do saldado Joe, interpretado por Harry Belafonte, de cabeça para baixo, tanto que ele resolve desonrar seu compromisso com Cindy Lou (Olga James) e fugir para viver feliz com Carmen. O que ele não contava é que para a tentadora isso era apenas um jogo e ela não estava interessada em ser uma esposa. 

Em relação aos figurinos do filme, Mary Ann quis sair do óbvio ao desenhar as roupas de Dorothy, tanto que o vermelho nunca aparece, a não ser quase na primeira abertura do filme, no qual Carmen foge com o soldado Joe, seduzindo-o. Nele a personagem de Dorothy usa uma saia de cor laranja (que em algumas luzes passa-se por vermelho e é erroneamente reproduzido assim) com uma enorme fenda, além de segurar uma rosa vermelha na mão durante o número Dat's Love - personificando a sedução e a tentação que leva o alterego de Harry Belafonte à loucura.

Depois dessa cena, no entanto, Carmen Jones não usa mais nenhuma peça que possa remeter à cor vermelha e isso, de acordo com a própria Mary Ann Nyberg tem um motivo muito importante: sair do óbvio.

Em entrevista ao jornal The Beverley Times em 1955, a estilista explica:
Vermelho remete à paixão, fogo, sexo. E eu estou confiando de que a Dorothy vai projetar essas qualidades em sua performance.
Os esboços de Mary Ann para o figurino sedutor de Carmen Jones                          Reprodução
De acordo com a própria estilista, suas escolhas de cores para a personagem de Dorothy Dandridge foram: rosa, azul, um pouco de laranja, preto e branco. Mas isso não significa que o corpo bem delineado de Dorothy não seja evidenciado nos vestidos, que são justos e majestosos.

O seu primeiro conjunto em Carmen Jones (idem, 1954), como foi evidenciado, era uma blusa preta com mangas bufantes e uma saia de tafetá laranja-avermelhado. Logo depois, em uma luta com uma das namoradas dos soldados, as mangas bufantes são rasgadas e temos o visual icônico de Carmen Jones.

O decote e a fenda evidenciam os atributos mais sexies de Carmen: seu colo e as pernas. Ela se destaca de todas as outras mulheres do recinto, que são comportadas e usam vestidos sem decote e que vão até a altura do joelho. A roupa da personagem de Dorothy representa muito bem a trajetória de Joe: de um soldado bom moço, ele se enlouquece pela poderosa Carmen e seu modo de andar e suas roupas são um grande chafariz para essa mudança.

O figurino do filme também faz uma menção à do musical de Oscar Hammerstein II, uma atualização da ópera de George Bizet e que deu origem à Carmen Jones. Segundo a matéria da revista Theater Time de 1949, a entrada da personagem é o mais importante: ela dá o tom à peça e, posteriormente, no filme:
A sua saia bufante, acessório exagerado e o vermelho em seu figurino quebram a tonalidade marrom-amarelada do cenário, a cena tropical do meio-dia, prevendo as emoções excitantes que virão. 
A roupa de Dorothy faz exatamente isso no filme, embora numa menor escala e adequada ao filme.

O figurino mais famoso de Carmen                                                  Reprodução
Logo em seguida, o espectador vê Dorothy com dois lindos vestidos na suave cor rosa. O rosa, de acordo com o significado da cor, remete ao romantismo e ternura, completamente o oposto da personalidade de Carmen. É assim, no entanto, que Joe a vê: como a mulher mais bela e perfeita do mundo.

Assim, enquanto seus trajes rosas remetem à doçura e romance, as atitudes de Carmen na boate e ao largar seu namorado para paquerar o grande lutador de peso pesado Husky Miller (Joe Adam) dizem outra coisa completamente diferente. Neste trecho do filme, vemos a luta interna de Joe de ver Carmen por quem ela realmente é ou continuar acreditando que ela é uma jovem que o ama, projetando nela a imagem virginal de sua ex-namorada Cindy Lou (Olga James).

 

Não entenda mal: o corte bem justo e sensual dos trajes continua o mesmo, assim como os acessórios de pulso de Carmen e seus brincos espalhafatosos. A personagem gosta de chamar atenção de qualquer maneira e dribla sua aparente pobreza - usando sempre as mesmas luvas e bolsa pretas - com trajes muito bem delineados e que chama atenção ao seu corpo e rosto - e não ao contrário.

Como em uma transição, o próximo modelito de Carmen é um roupão curto de bolinhas na cor azul escura, que deixa as pernas da atriz à mostra. O azul, neste caso, representa a tranquilidade de Joe, que está em paz com sua decisão de sair do exército e seguir Carmen por onde quer que ela vá.

Reprodução
O traje acima, em sua concepção original, era de um tom azulado, mas foi mudado para um pêssego claro. Com um corte assimétrico e bem solto, o vestido é complementado com acessórios discretos, um salto e conta com um capuz que está acoplado na parte detrás do vestido.

Reprodução
Outro detalhe interessante é que comparada com suas amigas, Carmen não está tão espalhafatosa e se destaca pelo lema: "menos é mais". Enquanto suas companheiras parecem vulgares com o excesso de joias e acessórios, Carmen está simples e elegante, sem nenhuma distração para atrair seu ricaço pugilista. 

E assim acontece: assim que ela assegura o coração do famoso lutador, o guarda-roupa de Carmen ganha um upgrade. Ela se veste com um conjunto azul formado por uma blusa com listras reluzentes, uma saia lápis chique e um salto alto de bico. Ela não veste mais tamancos ou os mesmos acessórios: Carmen agora é uma mulher chique e refinada. 

Reprodução
Na foto acima, percebe-se muito bem a diferença entre Cindy Lou e Carmen. Enquanto a primeira é mais pura e virginal, a típica namorada fiel que Joe tentou transformar a Carmen, a segunda está totalmente à vontade com sua sexualidade e até onde sua beleza pode levá-la. 

O que nos leva ao clímax de Carmen Jones (idem, 1954) no qual Carmen ao lado de suas amigas presencia a importante luta de boxe de seu affair. Agora ela está no auge de seu poder, usando um vestido branco com toques de dourado, um casaco de pele e acessórios de puro diamante. Não tem mais prata para essa garota, agora ela é a mais glamourosa e sensual de todas, provando que nem sempre precisamos do vermelho para representar o poder da sedução. 

O lindo vestido que Nyberg criou para Dorothy                   Reprodução/Montagem
No gran finale de Carmen Jones (idem, 1954), a personagem de Dorothy está mais bela do que nunca mostrando que o objetivo dela sempre foi conseguir vencer na vida, usando de seus melhores atributos. E que, é claro, os diamantes são os melhores amigos de uma garota. 

Sobre sua personagem no filme, em entrevista ao jornal The Australian Women's Weekly em 1957, ela explica que a sedução era sua característica mais importante:
Eu compreendo aquela Carmen. Ela é a mulher que todas querem ser, mas a maioria não tem coragem. Se eu não tivesse uma parte dentro de mim que fosse assim, eu não poderia interpretá-la da maneira correta. Mas não devemos admitir. Mulheres devem ser damas, mas geralmente tem um jeito de contornar isso. 
Um figurino à altura de Carmen Jones, Mary Ann Nyberg demonstrou todo o seu talento em Carmen Jones (idem, 1954). Uma pena que seu nome foi quase totalmente esquecido, afinal Mary Ann era uma verdadeira artista.


0

Nenhum comentário

Postar um comentário

both, mystorymag
© all rights reserved
made with by templateszoo