...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) - por trás da escalação dos atores

...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) já nasceu um clássico e 80 anos depois de sua estreia nos cinemas em 15 de dezembro de 1939 continua a ser um dos filmes de maior lucro de bilheteria na história do cinema -com inflação inclusa. Para se ter uma ideia, os U$390 milhões arrecadados hoje valem U$3,7 bilhões e nenhum outro conseguiu alcançar esse valor exorbitante. 

Mas o sucesso de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) não diz respeito apenas ao lucro obtido. Alguns creditam seu poder de longevidade à história de amor/ódio entre os personagens Scarlett e Rhett, enquanto outros afirmam que o fato do filme ser baseado em um livro best seller é o motivo de seu êxito.

Muitos alegam que é o viés histórico do filme e do livro, recontando a Guerra da Secessão e mostrando o lado dos sulistas (brancos) e seus preconceitos e como eles próprios se vem: como bem-feitores que desperta o interesse e a revolta do público. Já outros odeiam as duas obras exatamente por essa representação preconceituosa e a apresentação da Klu Klux Klan (grupo racista formado por supremacistas brancos). O que se sabe de fato é que não existe consenso entre os apreciadores, ou não, da obra. 

Clark Gable e Vivien Leigh: como os inesquecíveis Rhett Butler e Scarlett O'Hara
A Guerra de Secessão, ou a Guerra Civil, aconteceu nos Estados Unidos entre 1861 a 1865 com o Norte do País (conhecidos como ianques) e o Sul, os sulistas da história ...E o Vento Levou. O sul dependia dos escravos para manter seu modelo de agricultura, enquanto norte investia em comércios e, basicamente, queria expandir seu mercado consumidor, libertando os escravos. O fato de que o presidente eleito, Abraham Lincoln também era antiescravagista, também adicionou ao conflito.

Assim o Sul decidiu tentar se separar do Norte, criando um país separado, exatamente porque o Norte e o presidente estavam ameaçando seu modo de vida. A Guerra começou aí, com a vitória dos ianques.

A guerra foi brutal para os dois estados
Para entender ainda mais o frenesi sobre ...E o Vento Levou, é imprescindível entender um pouco da vida de sua criadora. ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) foi concebido anos antes de sua estreia nos cinemas pela mente da jornalista Margaret Munnerlyn Mitchell, uma sulista de pedigree. Nascida em Atlanta, na Geórgia, Estados Unidos, seus pais eram Eugene Mitchell, um famoso advogado e diretor da Sociedade de História de Atlanta, e Maybelle Mitchell, uma sufragista (defensora dos direitos das mulheres) descendente de irlandeses.

A família era uma tradicional extensão dos costumes sulistas e Margaret (Peggy) crescera escutando histórias de seus parentes mais velhos sobre a Guerra Civil (ou da Secessão) e como eles foram fortes e corajosos - mesmo perdendo a luta. Ademais, já na faculdade, ela replicou esse racismo enraizado e se recusou a frequentar outra classe que tinha uma aluna negra, afirmando que deveria ter uma separação entre os brancos e negros.

Após perder seu noivo, Clifford Henry durante a Primeira Guerra Mundial e logo depois sua mãe, ela foi obrigada a voltar da faculdade para casa e cuidar de sua família, algo que não era sua ideia de futuro. Portanto ela começou a se envolver em inúmeras caridades de Atlanta e de acordo com o documentário Margaret Mitchell: American Rebel de 2016, e causava inúmeros escândalos em sua sociedade, igual à sua Scarlett, por ser uma mulher decidida, independente e à frente de seu tempo:
Eu quero ser famosa de alguma maneira. Uma atriz, uma escritora, soldado, bombeira - tudo pela emoção. 
Mitchell era uma das beldades de Atlanta, Georgia.
Mitchell se casou com Berrien Upshaw, aos 22 anos de idade - e ele não passava de um alcoólatra e agressivo. Diferente de outras esposas, ela teve que encontrar um trabalho no jornal Atlanta Journal Sunday Magazine para pagar as contas. Ela contou com a ajuda de seu padrinho de casamento John Marsh, extremamente devotado à ela, com quem ela se casaria em 1925. 

Porém logo no primeiro ano de casada, ela sofreu um sofreu um acidente na perna, por nenhum motivo aparente - que deveria ser consequência de uma artrite. Em casa e sem grandes aspirações, ela se demitiu do jornal e se entretinha com livros que seu marido pegava na biblioteca. John finalmente deu o pontapé inicial e pediu que ela escrevesse uma história autoral e Mitchell o fez.

Em 1935 ela deu os toques finais em ...E o Vento Levou e ganhou de seu amigo na editora Macmillan um contrato de publicação para sua história. Mudou o nome da protagonista de Pansy para Scarlett e sugeriu o icônico título da obra baseado em um poema de Ernest Dowson. ...E o Vento Levou foi publicado em 30 de junho de 1936 e foi um estrondoso sucesso - 5 mil cópias foram vendidas em um único dia e em seis meses, um milhão. 

Vivien Leigh, Clark Gable, Margaret Mitchell, David Selznick e Olivia de Havilland
Percebendo o potencial de sucesso que poderia ter em suas mãos, o produtor David O. Selznick, do estúdio Selznick International Pictures, ofereceu a Mitchell U$ 50 mil, a maior quantia já oferecida a um escritor na época, para obter os direitos da história e transformá-la em um filme. Ela o aceitou prontamente e assim começou a história de produzir um dos clássicos mais rentáveis da história de Hollywood. 

...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939), como seu livro homônimo, conta a história de Scarlett O'Hara, uma espevitada moça que não liga para regras de decoro ou seu futuro, ela apenas quer ser desejada por todos, mas amada apenas pelo lânguido Ashley Wilkes. Tudo muda com a chegada da Guerra Civil no qual todos os homens sulistas se alistam e o mundo da jovem muda para sempre. Apesar da solidez de sua amada terra Tara, Scarlett tem ao seu lado a doce Melanie, que a jovem de descendência irlandesa odeia por ser casada com Wilkes. Em seu caminho, durante um curso de oito anos, ela se depara com o charmoso e bruto Rhett Butler, com quem ela tem uma relação tempestuosa. 

Mas como por trás de um homem tem uma mulher maior ainda, o livro The Making of Gone With The Wind Por Steve Wilson conta que foi a agente de talentos Kay Brown que em maio de 1936 levou à atenção do produtor Selznick a novela ...E o Vento Levou. Ela lhe escreveu um telegrama excitante, afirmando que o livro era poderoso e que outros agentes já estavam de olho em comprar os direitos de Mitchell. Selznick enrolou por mais de um mês e as ofertas de compra que eram de U$100 mil abaixaram para U$ 50-60 mil. Finalmente Kay Brown conseguiu fechar o acordo pelo valor já mencionado com a agente de Mitchell, Annie Laurie Williams, em 30 de julho de 1936, passando na frente de ofertas da MGM e Darryl Zanuck. 
Eu pensei mais sobre ...E o Vento Levou e quanto mais eu penso, mais sei que tem um ótimo filme nele. - telegrama de Selznick para Kay Brown, 1936.
Kay com Douglas Fairbanks Jr. e Jock Whtiney revelando a compra dos direitos da obra, em Londres 
Selznick tinha total consciência, no entanto, que ele demoraria para produzir ...E o Vento Levou pois condensar um livro de mais de mil páginas em uma adaptação fiel lhe tomaria tempo, foco e muito dinheiro. Assim, permitiu que seu chefe de publicidade, Russell Birdwell, plantasse histórias nos jornais e revistas da época para manter a curiosidade e atenção do público. Mal ele sabia que a "febre Scarlett" não era tão fácil de se esquecer!

No começo, o produtor tinha em mente o ator Ronald Colman para ser o tão ilustre Rhett Butler, por ela já ser um contratado em sua produtora. Outras atrizes como Katharine Hepburn (que desesperadamente queria o papel) e Norma Shearer foram anunciadas como certas de que interpretariam Scarlett O'Hara. A preferência da própria autora, Margaret Mitchell, segundo o livro The Complete Gone With the Wind Trivia Book: The Movie and More por Pauline Bartel, era que Miriam Hopkins fosse sua destemida protagonista no filme. Para Rhett, ela queria Charles Boyer - se ele não tivesse aquele sotaque francês.

Inúmeros nomes surgiram na boca e nos telegramas de Selznick para serem O'Hara como Bette Davis, Margaret Sullavan, Tallulah Bankhead, Jean Arthur, Susan Hayward, Joan Bennett, Constance Bennett, Joan Crawford, Luise Rainer e Claudette Colbert, Lana Turner e até Lucille Ball. Em algum momento foi anunciado até a escalação de Paulette Goddard como certeira - ela não foi escalada porque não podia provar que era legalmente casada com Charlie Chaplin.


Mas Selznick sabia que ele não poderia cortar alguma cena favorita dos fãs ou diminuir em tamanho o épico de Mitchell. Para ganhar tempo no que seria uma longa produção, ele decidiu lançar em dezembro de 1936  um concurso no qual qualquer pessoa poderia se candidatar para o papel de Scarlett e dos outros personagens também. Uma busca nacional para a perfeita protagonista que lhe garantiria publicidade de graça e manteria o assunto fresco na mente de todos, além de criar uma nova estrela em seu mérito (sem descartar, no entanto, atrizes já conhecidas). Um golpe de gênio!

Mas a busca, é claro, não produziu nenhuma Scarlett, Rhett ou Melanie Wilkes. O máximo que Kay Brown encontrou foram três moças sulistas promissoras, mas para papeis extremamente coadjuvantes. Elas eram Alicia Rhett que foi escalada como a rival de Scarlett, India Wilkes, a jovem Marcella Martin como Cathleen Calvert e Mary ’Bebe’ Anderson como Maybelle Merriwether.

Kay Brown entrevistando duas moças que queriam o papel de Scarlett 
Após dois anos (isso mesmo!), dois anos de busca, e mais de U$92 mil gastos, além de 454 mil metros de filme preto e branco e 39 mil em cores, Selznick estava satisfeito com a publicidade, mas preocupado em encontrar sua Scarlett. Isso porque o papel de Rhett Butler, apesar de outros concorrentes como Gary Cooper (que já mencionamos aqui), Frederic March e Errol Flynn (que viria da Warner Bros como um pacote com Bette Davis - algo que ela se recusou por não considerar o ator bom o suficiente), o público clamava por Clark Gable como Rhett e Selznick sabia que não poderia decepcioná-los.

Um contratado do estúdio MGM, Clark Gable apenas pode fazer parte do filme depois de um duro acordo entre Louis B. Mayer, chefe do seu estúdio, e Selznick. Gable seria emprestado com as seguintes condições: a MGM teria o direito exclusivo de distribuição do filme, mas 50% dos lucros. A companhia-irmã da MGM, Loew's Inc, teria direto de 15% dos lucros por cuidar da divisão do longa-metragem. Em troca, Selznick ganharia de Mayer (seu sogro!) U$1.25 milhões do orçamento total de U$ 2.5 milhões da produção - que aumentaria e muito de valor.

O que eles não contavam era que Clark não estava nada interessado no papel, assim como Gary Cooper. Ele não achava que poderia alcançar as expectativas dos fãs e não se sentia confortável em fazer um papel mais "emotivo". O que lhe fez mudar de ideia foi o divórcio com Ria Gable, que depois de muito tempo negando que o romance dele com Carole Lombard era sério, pediu uma quantia exorbitante na separação. Louis B. Mayer lhe ofereceu, então, um generoso bônus para interpretar Rhett e ele não teve escolha a não ser assinar seu contrato com Selznick em agosto de 1938. Por 70 dias de trabalho, Clark ganharia U$120 mil, sem contar o bônus.

Clark, Louis B.Mayer, David Selznick e seu agente na assinatura do contrato de ...E o Vento Levou
Para o papel de Melanie Hamilton Wilkes, nem sempre Olivia de Havilland (a única do elenco que ainda está viva) foi a favorita. Outras atrizes como Elizabeth Allan, Andrea Leeds, Anne Shirley, Dorothy Jordan e Frances Dee tinham feito audição para o papel, mas Havilland estava determinada em conseguir Melanie, de uma maneira ou outra.
O papel era justamente o que eu queria, o que eu precisava. - Olivia em entrevista ao site EW.
Focada em conseguir o papel, para sair do ostracismo de filmes de "espada e capa", Olivia conseguiu uma audição com Selznick através de George Cukor, o primeiro diretor do filme, e seu amigo pessoal - outra versão afirma que Joan Fontaine, sua irmã, testou para o papel de Melanie, mas julgava Olivia mais adequada e a indicou.

George estava presente e interpretou Scarlett enquanto Olivia interpretava o papel que tanto almejava. A atriz conseguiu o papel na hora, mas não antes de passar por um momento constrangedor com David. Ele lhe mostrou as audições de outras seis atrizes para Melanie e perguntou o que ela achava delas. Segundo sua entrevista para o New York Times, ela as elogiou mas não queria ser "muito convincente".

A real batalha de Havilland viria com Jack Warner, chefe do estúdio Warner Brothers, do qual ela era contratada. Ela pediu que ele a liberasse para interpretar Melanie, mas ganhou um "não" bem na cara. Assim ela decidiu ir por outra rota: marcou um encontro com Ann Page Warner, esposa de Jack. Na conversa, Olivia enumerou os motivos pelos quais queria fazer parte de ...E o Vento Levou e horas depois Selznick lhe ligou garantindo o papel. Olivia, agradecida, afirmou: "Foi através dela que Jack concordou. Foi a Ann que conseguiu."

Em troca, Jack ganhou de Selznick o ator James Stewart para atuar em um de seus filmes e Ingrid Bergman para Casablanca (idem, 1942).

Vivien Leigh, Olivia de Havilland e Leslie Howard assinando seus contratos 
Para Leslie Howard, que ganhou o papel do Ashley Wilkes, a oportunidade era um desgosto para ele, que já estava cansado de interpretar papeis fracos no cinema. Selznick, no entanto, tinha total confiança que apesar do ator ter 45 anos de idade, ele era perfeito para o papel. Com a recusa dele, o produtor testou outros como Melvyn Douglas, Ray Milland, Jeffrey Lynn, Vincent Price, Franchot Tone (então marido de Joan Crawford) e até Humphrey Bogart.  Selznick finalmente o convenceu dando a chance de Howard ser produtor associado e estrelar em seu próximo filme, Intermezzo (idem, 1939) ao lado de Ingrid Bergman. O ator prontamente aceitou a solução.

Apesar dos três grandes protagonistas estarem garantidos, Kay Brown e David Selznick ainda buscavam sua perfeita Scarlett. No final de 1938, os dois diminuíram a lista para três atrizes: Paulette Goddard, Joan Bennett e Jean Arthur. O que elas não contavam era com a determinação de uma certa britânica chamada Vivien Leigh que jurou conseguir o papel de Scarlett O'Hara.

Em dezembro de 1938, Selznick tinha que começar a gravar ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) de uma maneira ou outra. Assim, para ganhar tempo enquanto se decidia pelas três atrizes restantes, ele iniciou as gravações em 10 de dezembro de 1938, gravando o poderoso fogo que derrubou Atlanta - cenas que não precisavam de Scarlett. Foi lá que ele conheceu pela primeira vez Vivien Leigh ao lado de Laurence Olivier, seu então namorado, que gravava O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights, 1939) com Merle Oberon. Myron Selznick teria a apresentando no set de filmagens para o irmão, afirmando: "Conheça sua Scarlett O'Hara".
As chamas estavam iluminando o seu rosto. Eu dei uma boa olhada e sabia que ela era a opção certa, pelo menos na questão de aparência, como eu achava que Scarlett deveria ser. Eu nunca vou me recuperar daquele primeiro encontro - Selznick, 1939.


De acordo com o livro The Complete Gone With the Wind Trivia Book: The Movie and More por Pauline Bartel, a verdade da escalação de Vivien teria sido outra: Selznick considerou Vivien desde a primeira vez que ela enviou fotos para o produtor buscando o papel de Scarlett em 1937. Temendo as reações negativas de escalar uma inglesa para o papel de uma sulista, ele teria desenvolvido o plano com cuidado, reunindo-se com Leigh nas Bermudas para combinar a história que diriam a imprensa e as condições do contrato. Depois de plantar boas histórias sobre Vivien, eles estavam certos de que podiam controlar a reação do público.

Vivien Leigh, oficialmente, fez seus testes como Scarlett em 20 e 21 de dezembro de 1938, treinando seu sotaque sulista e trabalhando com George Cukor, e assinou seu contrato, ao lado de Olivia de Havilland e Leslie Howard em 13 de janeiro de 1939. Vivien trabalharia 125 dias, ganhando o valor de U$25 mil, mostrando como a disparidade de salários entre homens e mulheres ainda é atual.


Hattie McDaniel, que foi a primeira negra a ganhar um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel como Mammy no filme, teve que lutar para conseguir ser escalada. Para Mammie, outras atrizes estavam sendo cotadas como reconta o livro Olivia de Havilland and the Golden Age of Hollywood Por Ellis Amburn, assim como Louise Beavers (da primeira versão de Imitação da Vida de 1934), Etta McDaniel, Ruby Dandridge, Elizabeth McDuffie (empregada da primeira dama Eleanor Roosevelt) e Hattie Noel, a principal concorrente de McDaniel.

A atriz conseguiu a personagem, de acordo com Hattie: The Life of Hattie McDaniel por Carlton Jackson, ao aparecer na audição para Selznick vestida como uma verdadeira "Mammy do antigo Sul". Ela foi testada em 6 de dezembro de 1938 e teve o apoio de astros como Bing Crosby (que mandou uma carta para Selznick a indicando) e Clark Gable (que já havia trabalhado com ela em outros filmes). Ela assinou seu contrato, oficialmente, em 27 de janeiro de 1939 e começaria a trabalhar no primeiro dia de fevereiro, ganhando por semana, U$ 450.

Sobre sua personagem em ...E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939), Hattie afirmou: 
Eu tentei torná-la (Mammy) uma personagem viva e que respirava...para glorificar a feminilidade negra. Não o novo e moderno tipo de mulher negra que toma chá e vai para shows com minks e casacos de pelo, mas o tipo de negra do período que nos deu Harriet Tubman e Sojourner Truth. 
Butterfly McQueen e Hattie McDaniel nos bastidores de ...E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939)
A escalação de Butterfly McQueen, que interpretou a divertida Prissy, não foi nada diferente de sua colega Hattie. Ela chamou atenção de Selznick graças a Kay Brown que a viu em uma peça intitulada What a Life! (1938) e a chamou para uma audição no filme.

Em telegrama para o produtor, via o livro The Making of Gone With The Wind, ela afirmou:
Ela tem uma voz muito peculiar que é bem fina e hilária. Talvez ela seja muito cômica para o papel. 
Porém quando Selzsnick visualizou o teste de Butterfly (cujo apelido Butterfly veio de quando ela dançou no Butterfly Balletin em 1935), ele estava ganho e nunca mais considerou outra pessoa para o papel. Apesar de ter ficado famosa por interpretar Prissy, Butterfly não sentia a mesma gratidão pelo filme que Hattie sentia.

Em entrevista a revista JET Magazine, ela afirmou sobre Prissy:
Eu odiei. O papel de Prissy era tão antiquado. Mas agora eu estou feliz de ter feito o filme porque eu consigo sobreviver dele. Você não estaria aqui se não fosse por Prissy. 
A família O'Hara: Gerald, Scarlett, Ellen, Suellen e Carren
Já os papeis secundários, como a família de Scarlett, foram mais fáceis de serem escalados. Thomas Mitchell foi o único considerado para o papel de Gerald, o patriarca da família. Barbara O'Neil foi escalada como a mãe Ellen depois das recusas de Lilian Gish e Cornelia Otis Skinner. O personagem de Jonas Wilkerson, por exemplo, foi substituído de Robert Glecker para Victor Jory, após a morte do primeiro.

Para Suellen, Selznick ficou muito interessado em Evelyn Keyes para o papel, mesmo que ela estivesse sob contrato com Cecil B. Demille. Segundo o livro Scarlett, Rhett, and a cast of thousands: the filming of Gone with the wind por Roland Flamini, quando ela foi fazer sua audição na sala de Selznick, ele tentou assediá-la. Felizmente ela conseguiu escapar e certa de que o papel era uma chance única, aceitou fazer parte do filme.

Por fim, a última da família O'Hara era a doce Carren, interpretada por Ann Rutherford. A escolha ideal de Selznick era Judy Garland, mas como ela estava muito ocupada estrelando O Mágico de Oz (Wizard of Oz, 1939), Ann foi a escolhida. Ela quase não conseguiu o papel, mas chorou na frente de Louis B. Mayer, seu chefe, o que fez com que ela fosse emprestada para o produtor.

Os gêmeos Tarlenton, que aparecem logo na cena inicial de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) tem um super ator entre eles: George Reeves, que estrelou a série As Aventuras de Superman (1952-1958). Ele interpretou Stuart Tarlenton e foi descoberto por Max Arnow, um dos agentes de talento de Selznick.

Vivien Leigh e seus dois pretendentes: os gêmeos Tarlenton
Já o ator que fez Bret Tarlenton foi descoberto por acaso, ao acompanhar sua prima para uma audição do papel de Suellen O'Hara. Herman Frederick Crane chamou atenção por seu sotaque sulista suave e ganhou um contrato inicial com Selznick. Ambos foram creditados com o personagem um do outro na abertura do filme, por engano.

Belle Waitling, a dama de Rhett Butler, teria quase sido oferecida para Tallulah Bankhead, mas como ela havia sido descartada como Scarlett, Selznick resolveu nem lhe perguntar sobre a oferta. Ele ainda testou Joan Blondell, Loretta Young e Gladys George, mas acabou escolhendo Ona Munson.

Curiosamente, o filme O Mágico de Oz (Wizard of Oz, 1939) se cruzou novamente com ...E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939) com a escalação da atriz que interpretaria a tia Pittypat Hamilton. Billie Burke, que posteriormente ganhou o papel de Glinda em O Mágico de Oz, queria interpretar de qualquer jeito a tia intrometida da história. Para sua audição, ela investiu em maquiagem e preenchimentos. Infelizmente ela não convenceu e Laurie Hope Crews recebeu o papel.

Oscar Polk como o servente Pork dos O'Hara 
Os atores negros Oscar Polk e Eddie Anderson conseguiram, respectivamente, os papeis de Pork e Peter e o primeiro chegou a defender sua escolha de interpretar um escravo em ...E o Vento Levou, afirmando na matéria Oscar Polk Defends Gone With the Wind:
A raça negra deveria ficar orgulhosa de ter se erguido tão alto do status da escravidão. 
Apesar de suas tentativas de apaziguar as pessoas, especialmente os negros, que se sentiam ultrajados por sua representação do filme, para ...E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939) as confusões estavam apenas começando.

Selznick aprenderia do modo difícil todos os percalços de gravar um filme épico e seus atores, e diretores, também sofreriam no processo. Com o sucesso de ....E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) que estreou em 15 de dezembro de 1939, ninguém do público fazia ideia do suor, sangue e lágrimas que custou para cada um de seus participantes.

Se a escalação dos personagens já tinha sido um processo árduo, mal se imaginava que o verdadeiro desafio ainda estava por vir.


Para melhor compreensão e leitura, dividimos nosso especial de ...E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939) em duas partes. Clique aqui e acesse a continuação, uma matéria apenas sobre as filmagens da obra!

Te esperamos por lá :)

...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) - tudo sobre as filmagens

*chegou de paraquedas? Vem conferir nossa primeira parte desse especial de ...E o Vento Levou, com a matéria sobre a escalação dos atores, aqui!  


O filme do sr. Selznick é uma maravilhosa, escrupulosa e generosa versão do livro de 1.037 páginas de Margaret Mitchell, combinando cada cena de uma forma tão literal que nem Shakespeare ou Dickens receberam tal tratamento em Hollywood - crítica no New York Times, 1939.
Depois de dois anos e meio de uma busca desenfreada para obter todos os atores ideais para os papeis de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939), David Selznick também concentrava seu tempo em conseguir os melhores diretores, roteiristas, maquiadores e figurinistas para que a adaptação do livro de Margaret Mitchell fosse o mais perfeito e fiel possível. 

Em 1936, no mesmo ano que ele adquiriu os direitos da obra de Mitchell, Selznick já havia decidido que o diretor de ...E o Vento Levou seria George Cukor, famoso por dirigir filmes como As Mulheres (The Women, 1939), As Mulherzinhas (Little Women, 1933) e Vivendo em Dúvida (Sylvia Sylvester, 1935). Como Cukor estava sob contrato com o produtor e era conhecido por ser responsável por "filmes de mulheres", Selznick estava certo de que tinha feito uma ótima escolha. 

Ao lado de Cukor, ele testou inúmeras atrizes e atores, e já tinha escolhido o roteirista Sidney Howard para desenvolver o roteiro do filme. Apesar dos pedidos do produtor, a criadora de Scarlett não queria se envolver com a produção - embora fora dos holofotes ela deixasse claro suas opiniões em cartas e correspondências que foram publicadas no livro The Scarlett Letters: The Making of the Film Gone With the Wind de John Willey Jr. 

O sr. George Cukor, que vai dirigir o filme, está movendo o céu e a terra em buscas de novos talentos. - carta de Mitchell datada de 5 de maio de 1937.
Clark Gable, Vivien Leigh e o primeiro diretor, George Cukor, no set de filmagens 
A gravação oficial de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) começou em 26 de janeiro de 1939 com uma pequena brecha de seis dias começando em 25 de março, no qual Clark Gable usou para se casar com Carole Lombard.

Já o envolvimento de Sidney Howard no projeto começou na metade de dezembro de 1936, assim que Selznick assegurou os direitos da obra. Dedicado, o roteirista leu toda a obra e a condensou em 400 páginas em oito semanas - cortando alguns personagens secundários aqui e acolá, sem perder a essência de ...E o Vento Levou. Mas o roteiro como estava daria um total de seis horas de filme, o que de acordo o livro The Complete Gone with the Wind Trivia Book: The Movie and More por Pauline Bartel, Selznick até considerou em lançar em duas partes.

Temendo que esse formato não agradasse o público, ele trabalhou ao lado de Howard e Cukor e os três fizeram inúmeras revisões até outubro de 1938.

Entretanto, o grande produtor não estava totalmente satisfeito com o roteiro de Howard e chamou inúmeros outros para participarem das reescritas como Jo Swerling, Oliver H. P. Garrett, John Van Druten, Charles MacArthur, Winston Miller, John Baldestron, Michael Foster, Edwin Justus Mayer e até F. Scott Fitzgerald (o mesmo escritor de O Grande Gatsby), que foi demitido em janeiro de 1939 por não conseguir criar meios da personagem Pittypat ser mais engraçada. 

Sidney Howard: a mente por trás do roteiro de ...E o Vento Levou 
A verdade é que ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) começou a ser gravado sem um roteiro completo. E foi exatamente por isso que George Cukor, em 13 de fevereiro de 1939, foi embora das gravações e nunca mais voltou. 

De acordo o livro The Making of Gone With The Wind por Steve Wilson, Cukor já estava irritado por ter que gravar cada dia uma cena com diálogos diferentes e inúmeras interferências em suas gravações - Selznick comparecia nos bastidores e tinha altas brigas com Cukor por não querer que ele interferisse em sua "obra-prima", já que ele gravava cenas de forma adiantada e como queria. Gable brigava com Cukor por achar que seu ritmo de filmagem era lento e por ele preferir as estrelas femininas - e até por interferir no seu sotaque sulista. 

As brigas chegaram ao limite em fevereiro de 1939 e no dia 13 daquele mesmo mês, Selznick e Cukor emitiram uma declaração oficial afirmando que George não seria mais o diretor de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939). Margaret Mitchell lamentou a decisão e Vivien Leigh e Olivia de Havilland lutaram pela permanência do cineasta, sem grande sucesso. As duas, no entanto, consultavam-se com ele, em segredo, para desenvolverem suas personagens, então pode-se dizer que a influência de Cukor no filme é inescapável.

Em ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) Cukor gravou as seguintes cenas: a cena inicial de Scarlett com os gêmeos, o retorno de Ellen O'Hara para casa, a cena das orações, a conversa de Gerald com a filha, a Mammy vestindo Scarlett para a reunião e descobrindo que ela estava experimentando um chapéu, logo quando estava viúva. A cena de parto de Melanie (no qual Cukor pinçou os pés de Olivia para a dor ficar mais realista), o resgate de Rhett em Atlanta, as cenas de Melanie no Natal e o presente que Scarlett dá para Ashley. Ele foi demitido quando gravava as cenas do bazar. 

Foi ai que entrou Victor Fleming!
Com a demissão de Cukor, Selznick decidiu que revisões de última hora no roteiro eram inaceitáveis e ele se focou em encontrar um roteirista que pudesse arrematar a história de ...E o Vento Levou, sem mais modificações. Victor Fleming, sua escolha de diretor por ter uma amizade com Gable, também havia lhe avisado que o roteiro do filme era "uma porcaria". 

Sem demora, ele contratou Ben Hecht, famoso por dar um jeito em qualquer tipo de roteiro e ao lado de Fleming o novo diretor, os três se focaram em melhorar a narrativa. O grupo tomava drogas para ficarem acordados e pílulas para dormirem - estavam exaustos. Quando nem Hecht conseguiu dar um jeito no roteiro, Selznick reconvocou Howard que deu alguns arremates. Infelizmente, Sidney morreu em sua fazenda, no dia 23 de agosto, imprensado por seu trator.

Assim, Selznick continuou a mexer no roteiro, ou seja, a situação das filmagens de ...E o Vento Levou era muito similar a Casablanca (idem, 1942): mudanças todos os dias, a cada minuto.

Outra mudança que não agradou nada as mulheres de ...E o Vento Levou foi a contratação de Victor Fleming (que saiu de seu lugar como diretor de O Mágico de Oz) que diferente de George era uma dos "rapazes" e não tinha nenhuma paciência com suas estrelas femininas. Victor tomou a direção em 2 de março de 1939 e apenas Gable estava contente com sua contratação. Vivien estava horrorizada que Fleming quera transformar Scarlett em uma mulher dissimulada, sem grandes emoções.

Scarlett, Melanie e Ashley Wilkes.
Vivien e o diretor tiveram uma grande briga sobre a cena em que Scarlett conhece Belle Waitling, amante de Rhett, no qual Fleming queria que a personagem fosse impiedosa e sem coração - a atriz se recusou. Com a tensão em alta, Fleming ficou fora das gravações por duas semanas.

Sam Wood ficou em seu lugar e dirigiu, de acordo com o livro 140 All-Time Must-See Movies for Film Lovers Now Available On DVD Por John Howard Reid 14% de ...E o Vento Levou até a volta de Fleming. Outros diretores que também responsáveis pela direção foram o próprio David Selznick, William Cameron Menzies e B. Reeves Eason. Fleming voltou ao trabalho em meados de maio e como ele foi o responsável pela maioria das cenas, foi creditado como único diretor da película.

Lendo isso você acha que o problema era só com o roteiro e a relação dos atores com os diretores? Contudo não, os atores também tinham problema com os figurinos de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939). Walter Pluckett, responsável pelos figurinos, gastou a incrível quantia de U$153, 818 mil, produzindo o total de 5.500 peças. Vivien se sentia desconfortável com a maneira que Walter e Fleming queriam que seus peitos ficassem, mais arrebitados, já que ela tinha que colocar fitas nos seios - o que lhe machucava muito. Já Gable considerava o seu figurino feio e o colarinho muito apertado - como a grande estrela do filme, ele recebeu um guarda-roupa personalizado de Eddie Schmidt, um exímio alfaiate.

Os vestidos icônicos de Scarlett
Vivien trabalhava mais do que todos - 16 horas por dia em seis dias da semana e no final das filmagens estava exausta - havia perdido bastante peso. Tanto que na cena em que Scarlett briga com sua irmã Suellen, por exemplo, a atriz Evelyn Keyes jura que recebeu um tapa de verdade de Vivien. Butterfly McQueen, a intérprete de Prissy exemplificou bem a demora das gravações com a seguinte frase:
Meu contrato era de apenas seis semanas mas eu fiquei por lá quase um ano todo...só para falar uma frase louca como: 'Sra. Scarlett, Sra. Scarlett!' Clark Gable era um perfeito cavaleiro e Vivien trabalhou arduamente. - entrevista do livro Films and Filming
Por outro lado, Olivia estava insatisfeita com a saída de Cukor, mas continuava a realizar seu trabalho. Leslie Howard ressentia ter que se transformar em um "homem bonito" com maquiagens e roupas, sentindo-se uma farsa no auge de seus 45 anos, e estava exausto por ter que alternar entre as filmagens de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) e Intermezzo (idem, 1939).

Hattie e Oscar Polk em fotos mais descontraídas no set                                    Herb Bridges
Porém os atores negros também estava passando por maus bocados, especialmente pelo teor racista do livro de Mitchell que Selznick tentou apaziguar na versão cinematográfica. O filme e o livro mostravam os negros escravizados como sendo inúteis se não fossem direcionados pelos brancos - com Mammy sendo a "típica" boa criada.

Inúmeros grupos de militância negra, como a NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) e a Negro Youth Congress, protestaram contra as filmagens de ...E o Vento Levou logo em sua concepção em 1937. O professor Taulby H. Edmondson escreveu um estudo apenas sobre como os negros lutaram antes, durante e depois da exibição do filme contra os estereótipos racistas da obra - e mais, vários grupos judeus escreveram cartas calorosas sobre a "propaganda supremacista" e "anti-negra" de ...E o Vento Levou.

De acordo com seu estudo intitulado The Wind Goes On: Gone with the Wind and the Imagined Geographies of the American South, enquanto a maioria dos grupos de militância negra ameaçavam protestar e boicotar o filme, o diretor da NAACP, Walter White, escreveu para Selznick recomendando o livro Black Reconstruction in America, 1860-1880 de W.E.B Dubois e pedindo que contratasse conselheiros históricos afro-americanos para estar no set de filmagens, algo que o produtor nunca acatou, com medo do conselheiro cortar várias cenas "cômicas" envolvendo Prissy  (em contrapartida, Selznick contratou Will Price para dialetos, Susan Myrick para etiquetas e Wilbur Kutz como conselheiro histórico).

Protestos de negros contra a exibição do filme em Washington, 1940.
Não obstante do envolvimento limitado da organização, inúmeros jornais negros da época como o Chicago Defender e Los Angeles Sentinel começaram a protestar sobre ...E o Vento Levou e um deles até conseguiu o roteiro do filme, que ainda tinha o ofensivo "nigger"(em tradução, crioulo) dito sobre os negros, mostrando como era absurda essa representação. E mais, condenando os atores negros que faziam parte dessas gravações.

Com medo das matérias negativas sobre o filme, Selznick tomou a seguinte ação: retirou o pejorativo "nigger" das falas (que Hattie McDaniel também se opôs a dizer) e acrescentou "darkie" (algo como escurinho), mas não levou um conselheiro histórico para as gravações. Convidou o principal opositor do filme na imprensa, Earl J. Morris do Chicago Tribune, para observar o set de filmagens e ver como seus pedidos, em parte, tinham sido acatados.

Outra cena cortada do livro, ou melhor, feita de forma diferente nas telonas é a cena em que Scarlett quase é violentada por um negro e os membros da Klu Klux Klan vão atrás dele, em busca de vingança. Na versão cinematográfica isso muda, Scarlett é agredida por um branco e salva por um negro (mas que rouba seu cavalo) - isso porque a ressurgência da Klu Klux Klan na América (graças a II Guerra Mundial) naquela época aterrorizava negros e judeus - inclusive Selznick que era de origem judaica.

Como membro de uma raça que está sofrendo com perseguição... sou muito sensível aos sentimentos dos grupos de minorias. - Selznick, pronunciamento 1939.
Hattie McDaniel, Oscar Polk e Ben Carter (Jeems) conversando durante uma brecha nas filmagens     Herb Bridges
Mais uma vez os sentimentos de Selznick eram apenas golpe de publicidade e ele não teve nenhum cuidado de mostrar os personagens negros como pessoas reais. O produtor mostrou o racismo de modo mais sutil, que ainda todos podiam entender, mas que não era tão "ofensivo" e direito como acontecia no livro de Mitchell, afinal Scarlett passa de um sistema de escravizar negros para escravizar prisioneiros em sua madeireira. Muitos consideravam ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) como uma versão mais "leve" de O Nascimento de Uma Nação (Birth of a Nation, 1915).

Tanto que discriminações aconteceram dentro do set, como reconta um extra chamado Lennie Bluett. Ao chegar nas gravações, ele percebeu que havia no banheiro as placas "negro" e "branco", determinando onde cada um deveria usar o banheiro. Indignado com essa segregação, ele se juntou a dois outros extras e alguns atores de papeis maiores e falou com Clark Gable em pessoa sobre o problema. Clark ligou para Victor Fleming, segundo a matéria da People, e afirmou:

Se você não tirar essas placas do banheiro agora, você não tem um Rhett Butler. 
Enquanto a comunidade negra se unia contra os estereótipos do filme, os atores sofriam trabalhando até altas horas e discordando do rumo de seus personagens. Enquanto Vivien queria mostrar mais humanidade de Scarlett, Clark Gable se recusava a gravar a cena em que Rhett descobre que Scarlett sofria um aborto e chorar - apenas concordou quando viu a filmagem, concordando que era o melhor para o filme.

Rhett Butler e Mammy - dois amigos, enfim!
Claro que nem tudo no set foi lágrimas e tristezas. Apesar de boatos de que Vivien não suportava o mau hálito de Gable (o que já foi comprovado de que era mentira), todos os membros de ...E o Vento Levou se davam muito bem - jogavam juntos, pregavam peças uns nos outros e se ajudavam no decorrer das cenas - isso até a pressão das filmagens se provar pesada demais para todos.

Uma cena em especial foi quando Mammy e Rhett comemoram o nascimento de Bonnie, a filha de Scarlett com o galã. Os dois tomam uma bebida juntos - o que nas filmagens é substituído por chá gelado. Clark lhe deu um uísque de verdade, para o horror de Hattie que passou o dia inteiro muito quente. Segundo o livro Hattie: The Life of Hattie McDaniel, ela brinca que no dia seguinte Gable passou e lhe indagou: "Como vai a ressaca, Mammy?"

A maior parte do filme foi gravado no estúdio conhecido como Culver Studios em Washington Boulevard, Los Angeles, no Selznick International Studios - Tara, por exemplo, tem todas as suas peças guardadas em um celeiro na Georgia hoje em dia. Muitas cenas externas foram gravadas em Busch Gardens, Pasadena e outras grandes propriedades em Los Angeles, como reconta o site Film Locations.

Cenas dos bastidores de ...E o Vento Levou                                            Bison Archives
Com as gravações encerradas em 27 de junho de 1939 e Selznick conseguindo manter a icônica frase "Francamente querida, eu não dou a mínima" apelando aos censores, o primeiro corte de ...E o Vento Levou foi realizado ao lado de Hal Kern em julho daquele ano. Foi ali que Hal acrescentou a voz de Olivia na cena em que Scarlett está se arrastando por Tara, com fome. Os grunhidos de Havilland eram bem mais convincentes do que de Leigh.

Assim, o primeiro corte tinha seis horas, o segundo quatro horas e meia e finalmente chegou as três horas e quarenta minutos que conhecemos.

Em outubro de 1939, Selznick contratou Max Steiner para cuidar da trilha sonora de ...E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939) e em 11 de dezembro de 1939, apenas quatro dias antes da estreia, o filme que todos amavam já estava pronto. A película de Scarlett custou U$4.250 milhões ( o dobro do estimado) e teve um lucro de U$390 milhões mundialmente!


A première de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) aconteceu na cidade natal da escritora Margaret Mitchell em Atlanta, Georgia, no dia 15 de dezembro. O local era o Loew's Grand Theater e todos os membros importantes do elenco compareceram, menos os negros como Hattie McDaniel e Butterfly McQueen. O historiador Matthew Bernstein credita isso ao fato de que Selznick e Kay Brown acreditavam que era melhor seguir as "regras" de seus hospedeiros, já que no Sul dos EUA, a raça era um assunto delicado - como o filme mesmo mostra.

Ao saber disso, Gable mais uma vez teria se oposto a situação e ameaçado não comparecer a première sem a presença de Hattie e os outros. McDaniel o convenceu ao contrário e na estreia do filme em Hollywood ela estava lá, assim como na cerimônia do Oscar em 1940, no qual ela ganharia seu prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante, a primeira atriz negra a recebê-lo.


...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) fez o maior sucesso no cinema, mas protestantes negros continuavam a deixar claro seu desprezo pelo filme.  Melvin B. Tolson escreveu sobre a propaganda "racista, anti-ianque e à favor da KKK" para o Washington Tribune, assim como William L. Patterson para o Chicago Tribune.

Alianças negras em Chicago, Washington, Nova York e Ohio se uniram para impedir a exibição de ...E o Vento Levou (1939), mas sem grande êxito - o máximo que conseguiam era que o filme não fosse exibido em bairros da comunidade afro-americana. E mais, na noite do Oscar que aconteceu no Ambassador Hotel no Coconut Groove, protestantes negros se reuniram na porta pedindo que Hattie McDaniel não aceitasse o Oscar, já que sua personagem era um claro estereótipo racial e um "desserviço a raça". A atriz não aceitou a oferta - o prêmio era uma honra.

Anos mais tarde, o grande ativista negro Malcolm X afirmou que quando via a atuação de Butterfly McQueen como Prissy ele queria "se esconder debaixo de um tapete." Hattie, aliás, se sentou separada do elenco branco de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) naquele fatídico dia 29 de fevereiro em 1940 no qual as regras de anúncio do Oscar mudariam para sempre graças à um jornal que publicou as vitórias de antemão. Hattie, contudo, recebeu sua estatueta com orgulho, declarando em seu discurso:
Eu sinceramente espero que sempre serei um crédito para a minha raça e para a indústria do cinema. Meu coração está muito cheio para dizer como me sinto. Deixe-me dizer obrigada e que Deus abençoe. 


Dos treze Oscars que ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) concorria, a produção ganhou oito deles: Vivien Leigh como Melhor Atriz, o prêmio de Hattie (Olivia também concorria na categoria e chorou quando perdeu), Victor Fleming como Melhor Diretor, Sidney Howard com seu póstumo Oscar por Melhor Roteiro Adaptado, além de Melhor Fotografia, Direção de Arte e Melhor Montagem. Selznick ganhou o prêmio honorário Memorial Irving G. Thalberg por suas realizações como produtor.

Após o desfecho bem-sucedido, Selznick desistiu de fazer uma continuação pela relutância de Mitchell em desenvolver uma segunda história de O'Hara. Assim ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) ganhou inúmeras paródias, adaptações e até uma peça de 9 horas de duração lançada em Tókio em 1966 pelo grande empresário Kazuo Kikuta.

O sucesso foi tanto que a versão da peça ...E o Vento Levou foi transformada em musical, com letras de Harold Rome, roteiro de Horton Foote e coreografia de Joe Layton, e encenada em diversos países como o Japão e Reino Unido até 1976 sob o título Scarlett. Em 1972, Kay Brown recebeu uma oferta de transformar o mundo de Margaret Mitchell em um parque de diversões, como revela a matéria do New York Public Library, mas a proposta nunca chegou a ser concretizada.

Produção original de Londres com Harve Pernell como Rhett e June Ritchie como Scarlett               Amazon
No âmbito da literatura, ...E o Vento Levou ganhou duas continuações oficiais com Scarlett de Alexandra Ripley (resenha aqui!) e O Clã de Rhett Butler e a Jornada de Ruth (contando a vida de Mammy) pelo escritor Donald McCaig. Scarlett ganhou uma versão em minissérie ainda mais desastrosa do que o livro em 1994, estrelada por Joanne Whalley e Timothy Dalton.

Já o filme ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) continua a arrancar defesas estrondosas de seus apreciadores e críticas pesadas de seus opositores. Recentemente, uma exibição do filme foi banida em Charlottesville, na Virgínia, depois de uma passeata de supremacistas brancos na região, com a mostra sendo considerada insensível por grande parte da população.

Alguns afirmam que por ser uma obra de 1939 retratando um período de 1860, sob o ponto de vista dos brancos, era óbvio que ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) não trataria os brancos como vilões, porém não mostrar o mínimo de sensibilidade sobre raça e a dimensão da Guerra Civil, incluindo as lutas dos negros escravizados, mostra o quão raso e unilateral, em termos de história americana, o filme realmente é.

As frases mais icônicas do filme
Expor os defeitos de ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) de nada tira os méritos de seus atores, consultores, diretores e assistentes e sua grandiosidade cinematográfica, e sim nos ajuda a entender a época em questão, o ponto de vista no qual a história é contada e, esperançosamente, pode nos ajudar a ter o mínimo de interpretação para entender como o filme é tendencioso e apoiado no mito da "Causa Perdida" dos sulistas - afinal foi escrito sob o ponto de vista de uma deles.

...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939), assim como todos os clássicos, não é uma unanimidade. O telespectador pode ver o bom, o ruim e o errado e como isso pode, e deve, nos ajudar a evoluir como sociedade. O poder de exibição cinematográfica de ...E o Vento Levou, a protagonista determinada e corajosa, a história arrebatadora de amor, sempre vai atrair, merecidamente, novos espectadores - mas não podemos fingir que os lados negativos - e obviamente racistas - da narrativa não existam. A solução não é deixar de assistir, mas sim ver o filme com discernimento, sempre.

O importante é termos consciência de que a verdadeira história tem sempre dois lados. ...E o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939), apesar de seu sucesso e marca irrevogável na memória no cinema, não é nenhuma exceção.

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