A origem de O Clube dos Cinco (1985)

O filme do Clube do Cinco (1985) é um dos meus favoritos, tendo ganhado meu coração já no epigrama de abertura, que é um trecho da canção Changes, do álbum Hunky Dory (1971), do meu cantor predileto: David Bowie. (Aliás, Bowie tem uma conexão forte com o filme, como vocês podem ver pelo post em meu blog pessoal). O trecho escolhido foi o seguinte:

"E essas crianças nas quais vocês cospem enquanto elas tentam mudar seus mundos, elas são imunes às suas consultas, elas sabem muito bem pelo o que estão passando."
Universal Pictures/Gif
E seu impacto é profundo. Logo de cara sabemos sobre o que o filme fala: de quatro adolescentes, bem diferentes, que tem que passar um dia de detenção no colégio Shermer High School no fatídico sábado, no dia 24 de março de 1984 por terem quebrado as regras da escola. Na narração voice-over de Brian, sabemos a personalidade de cada um: o cérebro Brian Johnson (Anthony Michael Hall), o atleta Andrew Clarke (Emilio Estevez), a doidinha Allison Reynolds (Ally Sheedy), a princesa Claire Standish (Molly Ringwald) e o criminoso John Bender (Judd Nelson). 


Mas eles são muito mais do que apenas seus rótulos, como vemos ao longo do filme. E os bastidores não foram tão diferentes assim, a começar pela concepção do roteiro. John Hughes, roteirista e diretor do Clube do Cinco e de vários outros filmes adolescentes dos anos 1980, escreveu esse roteiro em apenas dois dias entre 4 e 5 de julho de 1982! O nome original do filme era A Detenção. Segundo uma entrevista do diretor para o jornal Chicago Tribune em 1985, ele mudou de ideia ao falar com o filho adolescente de seu amigo: 

"Um amigo meu de Needham, Bob Ricther, que vive em Glencoe tem dois filhos com os quais eu também fiz amizade, especialmente sua filha Tiffany que escutou a minha ideia para o roteiro de Gatinhas e Gatões, gostou e me encorajou a fazê-lo. E Bobby, o outro filho adolescente dele, foi quem me deu a ideia do nome The Breakfast Club (Clube dos Cinco) que veio do apelido da detenção matutina na New Trier High School." 
O elenco principal do Clube dos Cinco (1985)                                                     Divulgação

Mas a jornada para que o Clube dos Cinco se tornasse um clássico não foi tão fácil assim. Quando o roteiro do filme ainda se chamava A Detenção, John Hughes conseguiu um acordo com uma produtora chamada A&M Films para filmar seu roteiro por 750 mil dólares. Nessa versão, John Cusack interpretaria John Bender e Virginia Mardsen viveria uma das garotas, como o livro John Hughes: A Life in Film de Kirk Honeycutt detalha. Mas Hughes ficou com medo que se o filme não fosse bem sucedido, sua carreira como roteirista e diretor poderia acabar antes mesmo de começar. 

Por isso, ele decidiu apostar na comédia romântica Gatinhas e Gatões, que chamou a atenção do produtor Ned Tanen, um grande defensor de Hughes, que conseguiu convencer a Universal Pictures a distribuir e financiar o Clube dos Cinco, apesar do sucesso modesto do antecessor, Gatinhas e Gatões

Molly Ringwald como Samantha em Gatinhas e Gatões(1984)                   Universal Pictures/Gif
O Clube dos Cinco começou a ser gravado em março de 1984, com 32 dias de gravação, sendo filmado todo em sequência. Molly Ringwald e Anthony Michael Hall foram escolhidos por já terem trabalhado com Hughes em seu primeiro filme, mas a história com Ally, John e Emilio foi diferente. Ally conseguiu o papel de Allison porque ela tinha feito um teste para o filme Gatinhas e Gatões, para interpretar a irmã mais velha de Samantha (Molly Ringwald), e Hughes tinha admirado seu trabalho em Bad Boys(1983), tanto que resolveu mandar o roteiro para ela. Ally, é claro, aceitou. 


Emilio já era bem conhecido na época, tendo atuado em filmes como Vidas sem Rumo (1983) e Repo Man (1984), e foi atrás do papel de John Bender, mas como Hughes não encontrou nenhum outro ator capaz de interpretar o atleta Andrew Clarke, Emilio assumiu o papel. Já Judd Nelson, na época o mais velho da equipe, com 24 anos de idade, apareceu para o teste de elenco na Universal vestido como o seu personagem, carregando, inclusive um canivete. John Hughes acabou se decidindo por ele ao invés de John Cusack, pois ele era bem mais ameaçador. 



Mesmo com as pessoas certas, o filme ainda passou por poucas e boas. A começar pela persistência de Judd a continuar no personagem, mesmo fora de cena, implicando com seus colegas de trabalho, especialmente Molly Ringwald. Como ela era a musa teen de Hughes, ele não ficou nada feliz com esse tratamento e quase tentou expulsá-lo do filme. 


John Hughes não gostava nada do jeito que Judd tratava Molly                              Divulgação
Mas como o documentário Don't You Forget About Me (2009) mostra, Judd deu inúmeros palpites certos para o seu personagem, como na cena na qual ele tem que escolher seu lugar para sentar na biblioteca. O ator revela que foi sua ideia de fazer com que Bender escolhesse o lugar no qual o Brian estava sentado, pois para ele era isso que seu personagem faria naquela situação. O elenco, aliás, estava em tanta sintonia, que quando eles se reúnem e contam por que estão na detenção, os próprios atores inventaram suas histórias, tudo com a supervisão de Hughes, é claro. Ally Sheedy, aliás, foi quem deu a ideia de colocar o epigrama do David Bowie no começo do filme

Já Hughes, em entrevista ao Hollywood Reporter em 1987, contou que adorava realizar longas cenas, tanto que o primeiro corte de O Clube do Cinco tinha mais de duas horas. Ele também confessou lidava com cada ator de um modo diferente para que eles ficassem sempre no personagem: "Com a Ally eu me foquei nas atitudes que a personagem dela faria e a encorajei a se focar nisso. Com Hall, eu falava com ele sobre tudo menos sobre a cena em si. Eu tinha que mantê-lo distraído e aí quando as câmeras rolavam ele agiria naturalmente." 

Molly e John Hughes fizeram apenas mais um filme depois deste, o A Garota de Rosa Shocking de 1986. Depois os dois seguiram em caminhos diferentes, algo que Molly creditou inúmeras vezes ao fato de querer fazer papeis mais desafiadores.Depois de algumas declarações polêmicas, como afirmar que poderia interpretar a personagem de A Garota de Rosa Shocking "até dormindo", a parceria dos dois foi quebrada e apesar de um envio de carta e um buquê de flores, eles nunca mais se falaram e o diretor morreu em 2009 de um ataque cardíaco fatal. 


John Hughes em 1985                                                                  Divulgação/Gif
Apesar de todo o drama nos bastidores e as dificuldades, e prazeres, ao filmar O Clube dos Cinco, é inegável que John Hughes tinha muito talento. Sua capacidade de reunir pessoas tão diferentes e criar um filme que até hoje ressoa com o público jovem diz muito sobre sua visão, que ele credita ao fato de não só observar os jovens, mas escutá-los: 

Muitos diretores representam os adolescentes como imorais e ignorantes, com objetivos bem óbvios. Eles acham que os adolescentes não são muito espertos. Mas não acredito que esse seja o caso. Eu os escuto. Eu os respeito. Eu não desprezo o que eles tem a dizer porque eles tem 16 anos. Alguns deles são tão brilhantes quando adultos que conheci: tudo que falta à eles é perspectiva própria. 



Livro: Carmen - Prosper Mérimée

"O amor é filho da boêmia, que nunca, nunca conheceu nenhuma lei." - George Bizet da ópera Carmen. 
Columbia Pictures/Gif
Carmem é uma das personagens mais intrigantes da literatura internacional. Decidida, sagaz, cruel e sem papas na língua, ela desperta paixões tão rapidamente quanto as termina. E é por essas e outras qualidades que a personagem já foi interpretada em filmes, por atrizes como Rita Hayworth e Dorothy Dandridge, dominando até o teatro, com uma ópera para ninguém botar defeito idealizada pela mente mais que capaz de George Bizet. 

Mas vamos por partes: a personagem Carmen, uma cigana que manipula todos os homens à sua volta, foi criada pelo escritor Prosper Mérimée, um romancista francês, nascido em 1803. Ele nasceu em uma família de boa reputação e decidiu seguir carreira como advogado, mas sua paixão pelas letras era grande demais para ser questionada. Resolveu, então, focar na carreira de escritor e teve sua primeira peça escrita em 1822, chamada Cromwell (embora, incerto da qualidade da obra, acabou nunca a publicando). 

Só que ele não se deu por derrotado: Mérimée se tornou um grande estudioso e logo foi elevado ao cargo de Inspetor Geral de Monumentos Históricos. Foi a partir daí que ele começou a realizar viagens para estudar as ruínas na França e na Espanha. E foi na exatamente na Espanha que a história de Carmen começou a se formar. 

Prosper Mérimée       Domínio Público
Segundo o livro Carmen, a Gypsy Geography escrito por Ninocthka Bennahum, depois da Revolução de Julho na Espanha, em 1830, Mérimée foi até o país e acabou conhecendo e fazendo amizade com Cipriano de Montijo, um conde que ficou encantado pelas histórias do escritor e o levou para conhecer sua filha e sua esposa, a condessa Montijo. 

Aliás, segundo o livro de Ninocthka, foi a condessa que recontou a famosa história que deu origem ao livro Carmen. Mas com algumas ressalvas, é claro. O conto que a condessa compartilhou com Merimée era de um jornal local que noticiava que um jacquerie, ou seja, um plebeu, matou sua amante cigana por ciúmes por ela ter se "devotado ao público" e por ter se "recusado a ficar apenas com ele." 

Mas a história de Carmen e seu amante Don José só ficou pronta mais de quinze anos depois. A demora? Pode ter sido por causa da posição dele como tutor e conselheiro da filha dos Montijo, Eugénie, que se casou com o imperador da França, Napoleão III. Ou também porque, Merimée, tão aplicado em seus estudos do povo espanhol e cigano, não queria escrever apenas um livro de romance. Ele queria que a cultura e os costumes do povo fossem apreciados também. 

Mesmo que a gestação da personagem tenha demorado um pouco além da conta, a Carmen de Prosper Mérimée finalmente nasceu! Ela foi publicada no jornal parisiense quinzenal chamado La Revue des Deux Mondes em 1845, na edição de outubro e no ano seguinte foi publicado como livro. 

  Jornal Revue des Deux Mondes/Arquivo


O epigrama escolhido para acompanhar a história de Carmen foi o do escritor grego Palladas, que diz o seguinte: "A mulher é uma chatice. Só existe duas ocasiões quando ela não é: na cama - e morta." E como o livro é narrado por um homem, Don José, e escrito por um homem também, não me surpreende a frase sexista para falar sobre a personagem. Ela é afinal, uma cigana que enfeitiça homens e os subjuga ao seu bel prazer, sem nunca conseguir ficar livre das amarras do amor e daqueles que a desejavam. 

O livro é divido em quatro partes. Na primeira, conhecemos o narrador secundário, que podemos presumir que seja o próprio Mérimée, em sua viagem pelo interior da Espanha quando ele encontra o perigoso criminoso Don José e os dois formam uma amizade. Depois disso, o narrador é roubado por Carmen e José é preso, fazendo com que ele comece a contar como conheceu a cigana que roubou seu coração. O único problema é que Carmen nunca irá se prender a ninguém e é assim que a história do livro realmente começa

A peculiaridade do romance está na quarta parte, na qual há uma breve explicação do narrador sobre os ciganos na Espanha, descrevendo costumes e até a sua linguagem romani. Já a história de Carmen é dividida em duas narrativas: a de Don José e do narrador secundário, o próprio Mérimée, que contam como o amor por Carmen fez um jovem promissor se afundar cada vez mais na loucura. Carmen, no entanto, luta contra o rótulo e várias vezes avisa José de que jamais se prenderá à alguém. 

Mesmo com os avisos, ele faz de tudo para tê-la só para si. 
Algumas das atrizes que interpretaram a icônica Carmen                           Divulgação/Edição


O livro é curto, minha edição não tem mais do que 111 páginas, quase como se fosse uma crônica longa, que mostra como o amor pode nos deixar cegos. Essa, aliás, é uma história tão universal que além de dar origem à famosa ópera de George Bizet, Carmen, também inspirou mais de dez longas metragens entre as quais destaco Os Amores de Carmen (1948), com a diva Rita Hayworth e Carmen Jones (1954) 

Ainda sobre o livro, consegui comprar meu exemplar por apenas R$4,00 e devo admitir que esse é um clássico fascinante. Carmen rouba o show em todas as páginas e apesar da leitura rápida, ele não é um clássico à toa e a objetividade do narrador unida com o conhecimento de Prosper Mérimée formam um livro excepcional, que deve ser lido. Sempre.



Informações adicionais: 
                                 
Livro: Carmen

Autor: Prosper Mérimée 

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