Robert Mitchum ficou conhecido por interpretar homens malvados em filmes de gĂȘnero noir - com seus ombros largos, sua altura e seu visual abrasivo e belo, nĂŁo Ă© surpresa que ele fazia sucesso tanto com as mulheres - que queriam tĂȘ-lo apesar de ser casado - e com os homens, que invejavam a sua postura altiva e sua capacidade de assumir o controle.
Talvez o papel que tenha mudado a percepção do novato ator da MGM tenha sido TambĂ©m Somos Seres Humanos (The Story of G.I Joe, 1945), estrelado por Mitchum e que lhe rendeu sua Ășnica indicação ao Oscar como ator coadjuvante, ao interpretar o capitĂŁo Walker em um campo de batalha na 2Âș Guerra Mundial. TrĂȘs anos depois ele foi preso por possessĂŁo de maconha ao lado da estrela Lila Leeds. Se vocĂȘ nĂŁo lembra quem ela Ă©, nĂŁo se preocupe - sua carreira foi arruinada depois da prisĂŁo por posse de maconha (sua carreira terminou no mesmo ano). JĂĄ a de Mitchum, um notĂłrio badboy, foi cimentada pelo cinema noir, no qual seus papeis de homens durĂ”es condiziam, e muito, com a personalidade que a mĂdia dissecou fora das telonas.
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Robert Mitchum e Jane Greer em Fuga do Passado (Out of The Past, 1947) Divulgação |
Trinta Segundos Sobre TĂłquio (30 Seconds Over Tokyo, 1944)
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Divulgação |
Embora tenha sido sua indicação ao Oscar em 1946 pelo filme tambĂ©m TambĂ©m Somos Seres Humanos (1945) que ajudou a cimentar a carreira subestimada, mas brilhante de Mitchum, foi em Trinta Segundos Sobre TĂłquio (1944) que ele conseguiu sair de vez dos filmes de qualidade B e passar a atuar ao lado de grandes atores como Spencer Tracy (o protagonista da pelĂcula) e Van Johnson, mesmo que fosse em um papel coadjuvante.
Nele, Robert interpreta o papel do tenente Bob Gray, um piloto que na vida real morreu aos 23 anos de idade durante a 2Âș Guerra Mundial. Ele foi um dos 16 pilotos presentes no ataque Dolittle em 1942, no qual o filme Ă© baseado. O ataque foi um bombardeamento na costa japonesa para deixar uma mensagem aos nipĂŽnicos depois do ataque em Pearl Harbor em 1941. A manobra sofreu pela precipitação americana, mas serviu para subir a moral de todos contra Hitler durante a guerra.
O filme recebeu uma grande recepção da crĂtica e Mitchum foi elogiado por sua boa atuação, que deve tĂȘ-lo ajudado a conseguir seu papel de destaque em TambĂ©m Somos Seres Humanos (1945). AliĂĄs, o filme pode ter juntado o ator em mais uma de suas conquistas, isso Ă© de acordo com a biografia Robert Mitchum: Baby I Don't Care de Lee Server, que afirma que Mitchum e Lucille Ball tiveram um caso durante as gravaçÔes do filme: "Durante a gravação do filme ele se tornou muito Ăntimo de Lucille. Eles sempre davam risadas e se encontravam para tomar coquetĂ©is depois do trabalho. A atriz estava chateada com a infidelidade de Desi e gostava de devolver na mesma moeda de vez em quando. Os dois tiveram um breve caso."
Sua Ănica SaĂda (Pursued, 1947)
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Robert Mitchum e Teresa Wright no primeiro filme classe A do ator Divulgação |
Foi um ano depois que a estrela noir de Robert Mitchum ficou cimentada com Fuga do Passado (Out of The Past, 1947), mas sua grande chance de deixar de participar em papeis pequenos ou protagonistas em filmes B foi com A Ănica SaĂda (Pursued, 1947). De acordo com a biografia de Lee Server, esse foi mais uma prova da versatilidade do ator - o papel de Jeb Rand era dramĂĄtico e requeria muita concentração e foco. Sua primeira produção de classe A, com uma das atrizes mais sĂ©rias e excelentes da Ă©poca, Teresa Wright, esse foi o primeiro papel desde TambĂ©m Somos Seres Humanos (1945) que exigia uma atuação perfeita de Mitchum.
AliĂĄs, a personagem Jeb Rand foi a primeira vez que o ator interpretava um protagonista romĂąntico - um homem que deixa todas as mulheres sem fĂŽlego com sua dureza e quietude. Um papel que ele repetiria inĂșmeras vezes em sua carreira. Carey Loftin, dublĂȘ de cenas perigosas em inĂșmeros filmes de Mitchum, revelou, aliĂĄs, em entrevista Ă Lee Server, que Teresa se sentia enormemente intimidada pelo ator: "Bob a assustava. Ela o considerava fisicamente intimidador e com aquela aura de sensualidade de cara mau, ela ficava fora de si quando ele estava por perto. Era algo estranho de se ver. Ela estava casada com Niven Busch, o roteirista do filme,por 9 anos, mas ela era muito inocente em algumas coisas. E nĂŁo era atuação, era algo real."
A Ănica SaĂda (1946) era um faroeste-noir, no sentido de que nĂŁo tinha como motivação os bang-bang da Ă©poca e sim a lĂłgica por trĂĄs da famĂlia, na qual Teresa era a irmĂŁ adotada de Robert, por quem ele era perdidamente apaixonado, e uma morte que ameaçou toda a nossa famĂlia. Um filme que influenciou inĂșmeros outros, inclusive a carreira de Martin Scorsese, abençoando-o como o primeiro faroeste-noir do cinema.
Rancor (Crossfire, 1947)
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Se o filme anterior de Robert Mitchum foi um faroeste-noir, foi em Rancor (Crossfire, 1947) que Robert fez sua estreia no mundo do drama-noir. Lançado em julho de 1947, alguns meses antes do grande Fuga do Passado (Out of The Past, 1947) cimentar sua reputação como o badboy mais desejado do pedaço, foi ali que Mitchum provou que tinha um nome grande entre o pĂșblico que queriam vĂȘ-la mais e mais no cinema. Contracenando ao lado de Gloria Grahame e Robert Ryan, Mitchum interpretava uma personagem esperta e astuciosa, que combinava muito com suas feiçÔes mais retraĂdas.
De acordo com o livro Gloria Grahame, Bad Girl of Film Noir: The Complete Career de Robert J Lentz, o filme Rancor (Crossfire, 1947) foi um sucesso de crĂtica e de bilheteria, que ajudou a solidificar a carreira de Grahame e Mitchum como atraçÔes de bilheteria. Ă o personagem de Robert Mitchum, Keeley, que movimenta toda a histĂłria do roteiro, sendo mais esperto do que a prĂłpria polĂcia, como o sargento mal encarado que acompanha a personagem de Robert Ryan para desvendar um caso de assassinato.
Este foi o primeiro dos trĂȘs filmes em que Mitchum e Grahame protagonizaram juntos, seguidos por Macao (idem, 1952) e em 1955 no filme NĂŁo SerĂĄs um Estranho (Not as a Stranger). AliĂĄs, quando Gloria gravava Macao, ela estava se separando do produtor do filme, Nick Ray e pediu que fosse cortada do filme e que assim nĂŁo pediria pensĂŁo. Ela, Ă© claro, nĂŁo foi cortada inteiramente do papel. Foi a partir de Rancor e com a chegada, no fim do ano, de A Fuga do Passado que Mitchum se tornou uma grande estrela de Hollywood.
O Homem Que Eu Amo (Rachel and The Stranger, 1949)
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Robert Mitchum e Loretta Young em Homem Que Eu Amo Divulgação |
Um dos maiores escĂąndalos da carreira de Mitchum nĂŁo foi o caso amoroso com Shirley MacLaine, que durou vĂĄrios anos e nem por trair sua esposa Dorothy desde que se casaram em 1940. Foi o fato de ele ser preso com posse de maconha que abalou sua carreira, transformando-o em um "degenerado" que em 1Âș de setembro de 1948 ficou 60 dias preso em Los Angeles, na CalifĂłrnia.
Mas esse grande fato, que foi altamente explorado pelas revistas da Ă©poca, com fotos combinadas de Mitchum na prisĂŁo, ajudou e muito a divulgação do filme O Homem Que Eu Amo (Rachel and The Stranger, 1954) que tinha como estrelas William Holden e Loretta Young. O primeiro filme lançado depois da prisĂŁo de Robert Mitchum foi um sucesso de pĂșblico e bilheteria. Isso pode muito bem ter sido a salvação da carreira do ator que continuou a atuar atĂ© sua morte em 1997, diferente de Lila Leeds, que nunca mais conseguiu reerguer sua carreira.
De acordo com a biografia William Holden: A Biography de Michelangelo Capua, o estĂșdio RKO que produziu o filme lucrou muito porque milhares de pessoas foram ao cinema para olhar o ator preso em seu filme, no qual sua personagem Jim Farways se apaixona pela escrava e esposa de seu amigo, vivido por William Holden, de quem ele trata muito mal. Com uma persona subvertida e mostrando seus dotes de voz - Robert Mitchum que jĂĄ lançou ĂĄlbuns de mĂșsica estilo calypso em 1955 - continuou como um dos maiores astros da Ă©poca, conseguindo papeis substanciosos nas dĂ©cadas seguintes.
O Céu à Testemunha (Heaven Knows, Mr. Allison, 1957)
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Mitchum e Deborah Kerr no primeiro de seus quatro filmes juntos Divulgação
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Após gravar o filme Låbios de Fogo (Fire Down Under, 1957) ao lado de Jack Lemmon e Rita Hayworth - com quem se tornou um grande amigo, ajudando-a a conseguir o papel no filme A Divina Ira (The Wrath of God, 1972) quando a carreira de Rita não estava lå essas coisas- em Tobago, no Caribe, ele continuou exatamente no mesmo lugar para gravar ao lado de Deborah Kerr, com o diretor John Huston, o drama militar O Céu à Testemunha (Heaven Knows Mr. Allison, 1957) baseado no livro homÎnimo de Charles Shaw.
Um dos filmes mais conhecidos do ator, ele estava receoso, no entanto, de contracenar com Deborah Kerr, achando que ela fosse tão certinha e quadrada como as personagens que interpretava no cinema. Ele ficou muito surpreso quando a situação foi diferente e descobriu em Kerr uma amiga de longos anos e muito espirituosa.
No filme, Robert Mitchum interpreta um capitĂŁo da Marinha chamado Allison, que se encontra naufragado em uma ilha deserta a nĂŁo ser pela presença de uma Ășnica pessoa, uma freira, vivida por Kerr, chamada IrmĂŁ Angela. Logo, a presença pacĂfica deles Ă© ameaçada quando a ilha se torna ponto de encontro de soldados japoneses em plena 2Âș Guerra Mundial.
Esse foi o papel, aliås, que Mitchum mais gostou de interpretar nos cinemas e um novo ponto de partida para o ator, que começou a ter papeis mais desafiadores, deixando o badboy de lado e colocando a sua virilidade dramåtica à mostra.
Esse foi o papel, aliås, que Mitchum mais gostou de interpretar nos cinemas e um novo ponto de partida para o ator, que começou a ter papeis mais desafiadores, deixando o badboy de lado e colocando a sua virilidade dramåtica à mostra.
O CĂrculo do Medo (Cape Fear, 1962)
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Robert Mitchum brilha neste noir dramåtico Divulgação |
Todos os cinĂ©filos prezam pela versĂŁo de 1991 de O CĂrculo do Medo, no qual estrelam Robert De Niro e Nick Nolte, mas foi neste filme que eu comecei a me fascinar pela persona de Robert Mitchum e considero a versĂŁo original bem mais intrigante e satisfatĂłria.
Nele, Robert interpreta o prisioneira Max Cady, que ao cumprir sua sentença vai atrĂĄs do advogado Sam Bowden (Gregory Peck) para conseguir sua vingança. Ele faz jogos psicolĂłgicos com sua filha, com sua esposa e tudo termina numa cena clĂmax de tirar o fĂŽlego. Este filme, junto com O Mensageiro do Diabo (The Night of The Hunter, 1955) provou a carga pesada que Mitchum conseguia carregar como ator. Aos 45 anos de idade e em plena forma fĂsica, ele provava cada vez mais suas nuances como ator dramĂĄtico, que nĂŁo ficou preso no papel de badboy misterioso e evoluiu, mostrando facetas diferentes desse personagem, sem nunca perder sua pose tĂŁo cool.
Nele, Robert interpreta o prisioneira Max Cady, que ao cumprir sua sentença vai atrĂĄs do advogado Sam Bowden (Gregory Peck) para conseguir sua vingança. Ele faz jogos psicolĂłgicos com sua filha, com sua esposa e tudo termina numa cena clĂmax de tirar o fĂŽlego. Este filme, junto com O Mensageiro do Diabo (The Night of The Hunter, 1955) provou a carga pesada que Mitchum conseguia carregar como ator. Aos 45 anos de idade e em plena forma fĂsica, ele provava cada vez mais suas nuances como ator dramĂĄtico, que nĂŁo ficou preso no papel de badboy misterioso e evoluiu, mostrando facetas diferentes desse personagem, sem nunca perder sua pose tĂŁo cool.
O filme, no entanto, foi um fracasso tĂŁo grande que acabou com a produtora de Gregory Peck, Melville Company, que estava bancando O CĂrculo do Medo (1962) faliu depois dessa empreitada. Isso porque os censores nĂŁo deixaram passar vĂĄrias das cenas mais subversivas do filme, como a menção da palavra estupro e cenas mais brutas. O censor britĂąnico cortou seis minutos do filme, jĂĄ editado pelas normas, por considerĂĄ-lo forte demais. Com um assunto delicado e poderoso, as crĂticas foram variadas e nem sempre satisfatĂłrias.
>Baseado em um livro chamado Os Executadores de John D. MacDonald, Gregory mudou o nome para Cape Fear e foi sua ideia contratar Mitchum para interpretar o assassino aterrorizante. O ator, Ă© claro, ganhou as melhores crĂticas e inclusive afirmou que atuou mais do que Gregory Peck, enquanto Greg recebeu uma avalanche de crĂticas que nĂŁo entendiam como ele pode produzir um filme tĂŁo perturbador. Sobre isso, ele conta em Gregory Peck: A Biography de Michael Freedland: "Eu nĂŁo pensei muito bem sobre ele por causa disso. Eu o vi desde entĂŁo e somos amigĂĄveis um com o outro. Mas eu dei o papel para ele e lhe paguei uma grande quantia em dinheiro. Era perfeitamente claro que seu papel era o melhor. Eu o fiz idealisticamente para que minha companhia sobrevivesse. Eu pensava que ele entenderia isso, mas ele apenas achou que atuou melhor do que eu nas telas."
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Robert Mitchum na pré-estreia de Cleópatra (1963) Divulgação |
Com estes cinco papeis, Mitchum provou que, apesar de não levar sua atuação ao extremo como alguns colegas, que se preocupavam com o pormenores por trås das motivaçÔes de seus personagens, ele era natural em frente as cùmeras e seu porte largo e sua aparente feição sisuda o transformaram em um dos astros mais subestimados, porém amados de Hollywood. Em seu centenårio, ao reler suas declaraçÔes irÎnicas e seu modo despreocupado em encarar sua vida e até suas prisÔes - ao todo ele foi preso duas vezes, uma quando tinha 14 anos de idade por estar vagando pelas ruas - revelam porque o ator tem tantos fãs devotados.
Ele nĂŁo se importava muito com nada, baby - esse era seu maior segredo!
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