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Audrey Hepburn e sua resistência ao nazismo

Quando o público em geral pensa em Audrey Hepburn logo vem em mente seu estilo clássico e chique, seus filmes no qual ela interpreta garotas inocentes e doces como a princesa em A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday, 1953) e Sabrina (idem, 1954) e é claro o seu magnetismo. Mas Audrey, ou melhor, Audrey Kathleen Ruston tinha muito mais a oferecer para o mundo e começou a causar mudanças no mundo logo jovem, contra os nazistas. 

Nascida em 4 de maio de 1929 em Bruxelas, na Bélgica, Audrey tinha 10 anos quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu e era uma adolescente quando o domínio nazista na Europa estava se tornando incontrolável. A Segunda Guerra Mundial começou com a disseminação de ideais fascistas pela Europa, a de que um certo grupo de pessoas, ou seja a nação, é superior à outras e assim materializa-se um inimigo (seja um país ou um grupo de pessoas) que deve ser exterminado para que essa nação floresça

Foi a partir desse conceito que a Alemanha, desgostosa com sua repartição de territórios na Primeira Guerra Mundial com o Tratado de Versalhes (1919) e com inúmeras condições impostas à eles (como diminuição de exército), deram vazão para que Adolf Hitler começasse com seu discurso nacionalista, enaltecendo os alemães como a raça mais pura e criando assim, o nazismo. 

Audrey Hepburn ajudava como podia a resistência contra o nazismo                          Divulgação
Assim, o movimento nazista ganhou força, com Adolf Hitler escrevendo o livro Mein Kampf (Minha História, tradução livre) em 1925 quando esteve preso. O livro era praticamente uma carta de ódio aos judeus, povo que ele culpava de ter todo o dinheiro que os alemães tinham direito de ter - os judeus eram os inimigos nº 1 do povo alemão, mas os ciganos, homossexuais e os negros também estavam nessa lista. 

Inúmeros países europeus foram invadidos pelos nazistas, incluindo a Bélgica, país natal de Audrey Hepburn. Lá também ocorreu a Batalha da Bélgica, no qual nazistas invadiram Luxemburgo, os Países Baixos (Holanda) e a Bélgica em 10 de maio de 1940. Audrey, em 1939, estudava em um colégio interno na Inglaterra - sua mãe Ella van Heemstra era uma baronesa holandesa e seu pai Joseph Hepburn-Ruston um banqueiro -mas sua mãe temia que a Inglaterra fosse bombardeada e naquele mesmo ano retirou sua filha do colégio para ir viver com ela e irmãos da atriz, Alexander e Ian, na Holanda, país que ela considerava que seria neutro na Guerra. Ella não poderia estar mais errada, infelizmente. 

O exército belga e holandês tentou resistir, mas depois de 18 dias, os alemães dominaram a região e apenas foram expulsos em 1945. Audrey tinha então, 16 anos de idade e os efeitos da ocupação foram terríveis para ela, tanto física quanto mentalmente.  

Audrey Hepburn com 12 anos de idade                                                  Divulgação
No livro Audrey Hepburn, An Elegant Spirit: A Son Remembers de Sean Hepburn Ferrer, filho do primeiro casamento da atriz com o ator Mel Ferrer, ele conta como sua mãe se recordava durante os anos em que viveu na Segunda Guerra Mundial:
Sempre me perguntam o mesmo sobre os anos de guerra em que minha mãe viveu: 'Ela realmente ajudou a resistência?' 'É verdade que seu pai era um fascista?' Minha mãe respondia a primeira pergunta do seu jeito humilde. Sim, como todo mundo, ela fazia o possível como criança para ajudar a resistência. Sim, ela carregava mensagens secretas nos seus sapatos porque crianças eram menos suspeitas e os soldados raramente as parariam e as interrogariam. 
Na Holanda, Audrey, sua mãe Ella, seus meio-irmãos Alexander e Ian (do primeiro casamento de Ella) e alguns outros parentes - o avô de Audrey e seu tia Mies- permaneceram hospedados em sua residência formal em Holanda, o castelo Zijpendaal, por algumas semanas. Posteriormente, Ella se mudou com seus filhos para um apartamento na cidade moderna de Arnhem, em Holanda e em dezembro de 1939 fez com que sua moradia fosse no modesto terraço na rua Sickeslaan, na Holanda, próximo à Amsterdam. Até o final da Segunda Guerra Mundial, Ella e sua prole viveram numa casa de aluguel em Jansbinnensingel, no Arhem. 

Nos meses subsequentes à invasão, no entanto, toda a fortuna da família van Heemstra, incluindo contas bancárias e joias foram apreendidas pelos nazistas e a mãe de Audrey começou a trabalhar como decoradora de interiores e até dando lições de como se jogar bridge para ganhar um dinheiro extra e bancar o sonho da filha de se tornar uma bailarina. Ao longo do tempo, com a guerra evoluindo, até o avô de Audrey, o barão Van Heemstra foi expulso de viver em seu próprio castelo por oficiais nazistas, como reconta a biografia Audrey Hepburn de Barry Paris.

Audrey Hepburn e sua mãe Ella em 1954                                                 Reprodução
Em seu teste para o filme A Princesa e o Plebeu (The Roman Holiday, 1953), Audrey fala um pouco sobre sua ajuda para a resistência contra o nazismo na Holanda, afirmando: ' eu fazia performances de balé para dar dinheiro a resistência, já que eles sempre precisavam do dinheiro." A atriz confirmou essa versão ao dar entrevista para Jane Wilkie em 1954, traduzida pela revista Cinelândia: 
Fiquei na Holanda durante toda a guerra e comecei a aprender balé pouco antes de chegar. Já havia tido algumas lições antes na Inglaterra e como gostava muito de dançar pensei em me dedicar em uma carreira como bailarina. Mas meu curso foi bastante irregular e mal feito, por causa da guerra, em parte devido à má nutrição e as condições difíceis...é verdade que dancei em vários recitais clandestinos, destinados para conseguir dinheiro para o movimento holandês de resistência. 
Antes disso, no entanto, Audrey precisou aprender a falar holandês rápido, com o temor de sua mãe que se a futura atriz fosse vista falando em inglês, as consequências seriam horríveis. Para que ela parecesse mais holandesa, Audrey entrou na escola com o nome de Audrey Van Heemstra (seu nome verdadeiro não era Edda como afirma-se em muitos sites e livros, seu passaporte confirma que seu nome era Audrey) e ocupou sua mente com uma de suas paixões: o balé. 

Em 1941, com 12 anos de idade, Audrey finalmente colocou seu amor pela dança em prática. Ela entrou para a Arhem Conservatory sob o guia da bailarina Winja Marov e resolveu emagrecer, já que se achava um pouco rechonchuda demais para ser uma bailarina. Ao entrar na escola, seu sonho já estava meio caminho andado e sua mãe não poderia estar mais orgulhosa, utilizando-se de seus contatos para que sua filha brilhasse.. 

Nesse meio tempo, entretanto, o pai de Audrey Hepburn, o banqueiro Joseph Hepburn-Ruston foi preso na Inglaterra por realizar atividades pró-fascistas. Sobre o fato de seus pais serem alinhados com pensamentos fascistas, com sua mãe apoiando o fascismo na Inglaterra em 1935, provavelmente influenciada pelos ideais de seu marido e por ser algo que era 'bonito' de um nobre fazer na época, Sean Ferrer afirma que sua mãe dizia:
Ela dizia que sim, seu pai era uma fascista e sua mãe também. Mas isso foi antes da Guerra. 
Sabe-se que Audrey afirma em entrevistas que ajudou à resistência ao nazismo da melhor maneira que conseguia, inclusive afirmando que sua mãe também ajudava a resistência, mas sem confirmação oficial, sabendo-se apenas que ela se desprendeu, pouco a pouco, da ideologia conforme a Holanda era ocupada pelos nazistas, segundo a exposição Amor de Mãe: Audrey e Ella de 2017. Seu meio-irmão Alexander, segundo jornal The Sedalia Democrat de 1964, se juntou à resistência holandesa, e o outro, Ian foi mandado para a Alemanha. 


Audrey praticando balé aos doze anos de idade                                           Reprodução
Mas, você se pergunta, se ambos os pais de Audrey eram fascistas (existem divergências sobre a mãe de Audrey que em algumas biografias a descrevem como parte da resistência, embora a exposição Amor de Mãe: Audrey e Ella não tenha encontrado nada para corroborar o fato, afirmando que mesmo depois da guerra Ella ainda enaltecia algumas qualidades da ideologia fascista, para o horror de sua filha), como ela fazia parte da resistência ao nazismo? 

Devemos lembrar que Audrey tinha 16 anos de idade quando a Segunda Guerra acabou e ela não tinha idade o suficiente para fazer parte da resistência holandesa como uma integrante ativa, fato que o Museu Airborne na Holanda que exibiu a exposição Amor de Mãe: Audrey e Ella, confirma como sendo verdadeiro - a atriz não participou  como membro ativo na resistência.

Como então, a atriz afirma que se envolveu com a resistência e se tornou contra o governo e os ideais que seus pais, ou pelo menos seu pai, consideravam corretos? Primeiramente, Audrey era uma pessoa com muita empatia, desde criança, e que se lembrava dos horrores da Segunda Guerra Mundial com muita dor:
Eu tenho memórias. Mais de uma vez eu estava nas estações de trens vendo judeus sendo transportados, vendo todos esses rostos por cima dos vagões. Eu me lembro exatamente de um menino parado com seus pais na plataforma, bem pálido, bem loirinho e ele entrou nesse trem com os pais. Eu era uma criança observando outra. - Audrey Hepburn para o jornal Telegraph, 1991
O fato de ela não ter sido efetivamente registrada como membro da resistência não significa que ela não tenha, em algum momento, os ajudado. Ela teve influência dos seus colegas de dança, já que Audrey estudava balé na Arhem Conservatory, que em 1943 tinha se tornado um lugar forte para a resistência holandesa contra os nazistas, como revela a biografia Audrey Hepburn: A Charmed Life de Robyn Karney. 

Por trás do clima festivo, integrantes da Resistência organizavam comida, abrigo e forjavam documentos para os refugiados. Todo o dinheiro recolhido dos balés, recitais e concertos eram dados para a Resistência Holandesa e esse esforço foi expandido para recitais exclusivos em casas, no qual os convidados não poderiam aplaudir para não alertar as autoridades. Audrey fazia parte dos recitais e apresentações e segundo seu site oficial dava aulas de balé para garotas refugiadas na área, mas não era ela, muito provavelmente, quem tinha a ideia para eles. Isso em nada retira, que fique claro, sua bravura e coragem de sobreviver em um país ocupado pelos nazistas. 


Audrey Hepburn em um recital no Arhem Conservatory em 1943                                 Divulgação
Na Segunda Guerra Mundial, a Holanda sofria com a escassez de recursos, que eram todos controlados pelos nazistas. Assim Audrey, como milhares de outras adolescentes, sofreram com a má nutrição em um momento crucial de seu desenvolvimento. Portanto, a atriz sofreria a vida toda com as repercussões do conhecido Inverno da Fome. Isso aconteceu quase no final da Guerra quando os Aliados já estavam praticamente vencendo os nazistas, mas o exército alemão se reagrupou bem na Holanda, cortando os suprimentos de comida de uma só vez no final de 1944 em uma última tentativa de êxito. 

Luca Dotti, o segundo filho da atriz, fruto de seu casamento com Andrea Dotti, revelou em entrevista para a People Magazine em 2015 como sua mãe sobrevivia naquele inverno rigoroso: "Ela dizia que comia urtigas e que todo mundo tentava cozinhar grama - além de comer tulipas, mas ela não aguentava o gosto. "Outra fonte de recurso era a endívia, algo que ela comeu tanto que a atriz nunca mais queria ver na sua frente depois. 

Audrey e sua família tiveram sorte, relativamente. Mais de 20 mil pessoas morreram no chamado Inverno da Fome, e, embora viva, a atriz não saiu ilesa - ela sofreu de asma, anemia aguda e um enema que começou pelo seu pé e acabou nos tornozelos quando ela foi finalmente liberada, isso em cinco de maio de 1945, um dia depois do seu aniversário. 

Audrey Hepburn fotografada em 1955 por Halsman                                            Cinelândia
Em uma entrevista para a revista McCall's de 1989, Audrey relembrou dos horrores da fome e como sentiu prazer ao comer bem pela primeira vez em anos:
Eu estava na Holanda durante a guerra, durante a ocupação alemã e a comida era escassa. No último inverno foi o pior. Então, a comida era pouco e o que se tinha era dado para o exército.Imediatamente depois da guerra, uma organização, que depois se tornou a UNICEF, veio com  Cruz Vermelha e trouxe alívio para as pessoas em forma de comida, medicação e roupas. Todas as escolas se tornaram centros de ajuda. Eu me beneficiei com isso, assim como as outras crianças. 
O seu filho Luca, em seu livro Audrey at Home: Memories of My Mother's Kitchen ainda afirma que a paixão de Audrey por chocolate começou ao ser resgatada pelos soldados aliados, já que a primeira coisa que recebeu para comer foram barras de chocolate. Audrey Hepburn e sua família superaram a Segunda Guerra Mundial, a fome e a privação e a atriz se tornou uma lenda, obstinada em ajudar os outros, sem nunca esquecer os horrores pelos quais passou. 

Independente das visões políticas de seus pais, Audrey era contra o nazismo e qualquer forma de poder autoritária e fez o que pode, como pode, em sua tenra idade, para ajudar as pessoas ao seu redor. 

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