A morte da Mulher Vespa, Susan Cabot, pelo seu filho Timothy Scott Roman

É muito provável que você não conheça Susan Cabot. Isso porque, apesar de ser uma atriz que tinha um contrato fixo com a Universal Studios, ela ficou renegada em sua maioria à filmes de categoria B e nunca atingiu o estrelato que sempre sonhou. Ela é mais famosa por seu papel como a Mulher Vespa em Mulher Vespa (Wasp Woman, 1959) e por Guerra dos Satélites (War of the Satellites, 1958) e por ter sido assassinada pelo seu próprio filho, Timothy Scott Roman.  

Mas calma, estamos nos precipitando: antes de sonhar com a fama, Susan Cabot era apenas uma garotinha chamada Harriet Pearl Shapiro, nascida em 9 de julho de 1927 em Boston, nos Estados Unidos. O seu pai, segundo o livro Hollywood's Hard-Luck Ladies: 23 Actresses Who Suffered Early Deaths ... Por Laura Wagner, abandonou Harriet e sua mãe Muriel quando ela ainda era uma bebê. A mãe logo após seu nascimento foi internada em um hospício por problemas mentais.

Pior ainda: nenhum parente de sua mãe queria ficar com Harriet e ela foi colocada em lares adotivos. Em um deles, segundo pesquisa no Family Search, ela convivia com uma família de sobrenome Siskind em Boston, aos 12 anos de idade.

Muito possivelmente, de acordo com seu psiquiatra Carl Faber, a futura atriz sofreu abusos físicos e sexuais nos inúmeros lares adotivos nos quais ela foi realocada - mais de 14 no total. Mesmo assim, quando criança Harriet encontrou apoio em sua escola em Manhattan, onde ela se interessou por artes dramáticas e até se inscreveu no grupo de teatro. Foi ali que ela sabia que queria pertencer ao mundo das artes.  

Susan Cabot, uma estrela maravilhosa que nunca alcançou a fama total
Uma ótima artista - Harriet desenhava como ninguém - ela investia em ilustrar livros de criança durante o dia e cantar no Manhattan Village Barn à noite enquanto decidia que carreira seguiria. Em 1944, com apenas 18 anos de idade, Susan se casou com um amigo de infância chamado Marten Eden Sacker, em Washington, DC. Logo depois ela mudou seu nome para Susan Cabot, pois em entrevista justificou: "Cabot é um dos melhores nomes de Boston". 

Enquanto dividia seu tempo entre os dois trabalhos, a futura atriz também fazia bicos em comerciais de televisão e desenhando jóias para a loja Gimel's. Mas sua primeira chance, segundo o site Cinema Clássico, aconteceu em meados de 1940, foi contratada como uma extra no filme O Beijo da Morte (Kiss of Death, 1947) para a 20th Century Fox, no qual ela aparecia de relance na cena da boate com seus longos cabelos pretos.

Contudo, demorou mais 2 anos para que ela fosse vista pelo produtor Max Arnow na boate em que trabalhava e assim ganhar o papel em seu primeiro grande filme. Ali ela desistiu de seu outro sonho: se tornar cantora de ópera, pois apesar de ganhar uma bolsa de canto na renomada La Scala na Itália, ela não tinha nem o dinheiro para a passagem.

Seu primeiro filme foi Samoa (On The Isle of Samoa, 1950). E foi assim que começou um longo período em que Susan era escalada sempre nos mesmos papeis: o de uma nativa ou mulher exótica. E logo ela já estava farta de ser estereotipada.
Ou eu estou em selvas ou em caravanas de ciganos. Eu não sei por que. Eu tenho exatamente a mesma cor que Elizabeth Taylor e eles a colocam em um sarongue? Não.  - entrevista para o jornal San Bernardino Sun, 1951. 
Susan Cabot em seus primeiros papeis no cinema: sempre como nativa ou índia.
Logo a Universal Studios tomou interesse pela jovem atriz, principalmente por sua ótima performance em Coração Selvagem (Tomahawk, 1951) e assinaram um contrato exclusivo com ela em outubro de 1950. Durante seu contrato ela atuou ao lado de Tony Curtis, Jeff Chandler e Audie Murphy.

Ela entrou com o processo de divórcio de seu marido, Sacker, de quem se separou legalmente em 1953. Um ano depois, em 1954,  ela encerrava seu contrato com a Universal Studios, farta de sempre interpretar os mesmos personagens. Voltou para Nova York e estrelou na peça A Stone for Danny Fisher (1954-1955), ao lado de Sidney Pollack com quem ela namorou e era "muito apaixonada", investindo em aulas de interpretação.

Em 1956, o diretor Roger Corman - com quem ela namorou por um tempo - a levou de volta para Hollywood, fazendo com que ela estrelasse em filmes mais experimentais e alguns dos mais desafiadores de sua carreira. Ao lado de Corman, ela estrelou em Sorority Girl (1957), The Saga of the Viking Women and Their Voyage to the Waters of the Great Sea Serpent (1957), Carnival Rock (1957), Guerra dos Satélites (War of Satellites, 1958) e por fim, o filme pelo qual ela é mais conhecida: Mulher Vespa (Wasp Woman, 1959).

Susan Cabot em cena da Mulher Vespa (Wasp Woman, 1959) aos 32 anos de idade 
Em entrevista ao jornalista Tom Weaver, para o livro Return of the B Science Fiction and Horror Heroes, ela afirma que esse período de sua carreira foi o mais recompensador:
Ele me deu muita liberdade e também uma chance de interpretar papeis que a Universal nunca teria me dado. Papeis diferentes e esquisitos, como a garota louca em Sorority Girl. Eu tive chance de fazer coisas que nunca tinha feito antes. 
Namoradeira, foi nessa época que Susan Cabot, em abril de 1959 começou a se envolver com o príncipe Hussein da Jordânia - mais tarde rei. Os jornais começaram a tratar do romance como o assunto do momento e eles sempre saiam juntos para desfrutarem bares e jantares. Em janeiro de 2018, via The Telegraph, novos documentos da CIA revelarem que em sua ida aos EUA o príncipe fez questão de companhias femininas e um agente entrou em contato com um dos funcionários de Hollywood para encontrá-las.

De acordo com os documentos, eles foram diretos e afirmaram à Susan: "Queremos que você durma com ele". Ela se recusou, mas depois que o conheceu em uma festa ela o considerou "super charmoso" e ambos passaram várias noites juntos.

Os dois terminaram o romance quando o príncipe, na época com 23 anos, descobriu que Susan era judia. Os dois, contudo, continuaram a se ver e escrever cartas românticas, desenvolvendo uma grande amizade. A atriz até recebeu dele um carro e todos os amigos dela sabiam que ele, às vezes, a ajudava financeiramente, bem antes do nascimento de seu filho Timothy.

Susan, ao lado de Sal Mineo, na première de O Diário de Anne Frank (1959)
De acordo com o site Glamour Girls of The Silver Screen, até o nascimento de seu filho Timothy em 1964, Susan namorou com uma variedade de homens, por isso era difícil para a imprensa afirmar com precisão quem era o pai de seu filho: Susan se envolveu com James Hanson, os príncipes Kaze e Mir Kashani do Irã, e até com Marlon Brando. Susan passou esse período de sua vida entre Washigton e Inglaterra.

Ademais, Susan se recusava a dizer quem era o pai de Timothy Scott Roman, nascido em 17 de janeiro de 1964 em Washington, DC, afirmando para amigos que o pai dele era um "agente da CIA ou FBI" e até um "aristocrata inglês". Suspeita-se que o verdadeiro pai de Timothy era o ator Christopher Jones - o que foi afirmado por Michael Roman, último marido de Susan, em entrevista a Laura Wagner.

Em matéria para a revista Premiere, conta-se que Timothy nasceu prematuro - uma cesárea de emergência durante uma cirurgia de intestino de Susan - e sofrendo de icterícia. Ele ficou na encubadora por mais de quatro meses. Apesar de um amplo vocabulário e astúcia para sua pouca idade, logo Timothy começou a sofrer com ataques de epilepsia. Preocupada, Susan o levou em inúmeros médicos que o diagnosticaram com hipoglicemia aguda.

Em 1970 descobriram outro problema: Timothy sofria de nanismo, ou seja, teria a estatura bem menor do que a de uma pessoa normal.

Foto de Timothy quando ele ainda era um bebê
Assim que descobriu o diagnóstico, o doutor de Timothy, Salomon Kaplan escreveu uma carta para a National Health Agency, pedindo que Tim fosse incluído em um estudo experimental que aplicava hormônios retirados das glândulas hipófise de cadáveres, que funcionariam como hormônios de crescimento.

Com esse experimento, Timothy chegou aos 1,63 cm de altura, quase 10 centímetros mais alto que Susan, mas os efeitos colaterais eram inúmeros. Posteriormente, descobriu-se que algumas amostras do hormônio dos cadáveres estavam contaminadas e transmitiam uma rara doença chamada Doença de Creutzfeldt-Jakob, de origem neurodegenerativa com rápida progressão, mas que poderia demorar anos para se manifestar, que causava desordem cerebral e poderia levar à morte.

Para completar esse cenário, Timothy ainda tomava vários medicamentos: uma combinação de esteroides, synthroid (para o hipotireoidismo), cortisona e testosterona que eram regulados por sua mãe, que aparentemente, recusava-se a seguir o protocolo médico, dosando os remédios de acordo com a necessidade do filho.

Susan Cabot e Michael Roman - um pequeno Timothy atrás 
Nesse ínterim, em 1968, Susan se casou com Michael Roman, um ator 15 anos mais novo, após conhecê-lo a apenas 10 dias em um curso de teatro. Ele logo adotou Timothy, mas o casamento se deteriorou em 1981 - especialmente pelo comportamento obsessivo de Susan, que se agravou quando a mãe Muriel voltou a morar com ela na Califórnia, em sua mansão.

Em entrevista ao documentário televisivo Mysteries & Scandals, Michael Roman explicou sua decisão de terminar o relacionamento:
Eu tive que terminar porque eu caia aos prantos e chorava. Ela era uma ótima pessoa, mas ela era louca. 
Apesar de muitas pessoas pintarem Susan como uma mulher neurótica e louca, especialmente durante o julgamento de seu filho Timothy, outros amigos partiram em sua defesa. Sua amiga, Kathleen Hughes, da qual Susan foi até madrinha em seu casamento, afirmou no documentário: "Eu nunca vi sinais de que Susan fosse mentalmente instável. Ela era uma ótima pessoa, uma boa amiga, um pouco neurótica, mas todo mundo é." Mamie Von Doren, sua colega na Universal Studios, atestou, no entanto, que ela era "agressiva".

Ainda no documentário Mysteries & Scandals foi afirmado que Susan começou a se injetar com os hormônios que Timothy utilizava, buscando ficar cada vez mais jovem, assim como sua personagem em Mulher Vespa. Seu marido, Michael Roman, no entanto negou essa possibilidade. O que sabe-se de fato é que Susan tinha uma necessidade de parecer sempre mais bonita e jovial e estava cada vez mais obcecada com isso.

Mãe e filho em tempos mais felizes - no começo de 1970
Com a partida de Michael de sua vida - e da de Timothy - o comportamento obsessivo de Susan com o filho crescia cada vez mais. Segundo a matéria da revista Premiere, o tutor de Timmy no começo dos anos 80, James Weinstock afirmou que Susan fazia terapia de "quatro a cinco vezes ao dia" e que a casa estava acumulada de caixas e que cheirava "como a residência de uma velha".

A Mulher Vespa também não deixava seu filho fazer nada sozinho. Naquele período, Timmy já tinha 16 anos de idade e estava cada vez mais interessado em artes marciais, com vários pôsteres de Bruce Lee em sua parede, além de pesos e outros equipamentos de treino. Ele queria sair e fazer coisas sozinho - já tinha até uma carteira de motorista, mas segundo James sua mãe se recusava e dizia:
Não, Timothy, você é diferente das outras pessoas. 
Em 1983, outro tutor foi contratado para Timothy, o psicólogo Michael Carter e ele confirmou que a casa de Susan em Encino estava "muito suja e desarrumada". Tom Weaver, jornalista que se tornou amigo de Susan em 1984, também pintou um retrato bizarro da casa de Susan na época, em entrevista ao livro The World's Most Bizarre Murders por James Marrison: 
Dentro a casa era uma bagunça e aparentemente sempre foi. Tinha lixo empilhado por todo o lugar, ao ponto em que para quatro pessoas sentarem em um lugar, tinha que remover caixas e caixas. O pó estava empilhado tão alto quanto o lixo na casa. 
Mãe e filho faziam tudo juntos - para o bem e para o mal 
Nesse ínterim, Timothy estava estudando artes na faculdade em Pierce College em Woodland Hills, Califórnia e atendendo à alguns cursos de bioquímica. O jovem de 20 anos era rápido em se gabar de seus status acadêmico, mas a verdade é que ele era um estudante com resultados bem aquém do esperado.

Foi neste estado de desespero e de sufoco maternal que em 10 de dezembro de 1986, às 23h30, Timothy ligou para a polícia, com uma história bizarra, afirmando que alguns ladrões invadiram a casa e roubaram U$70 mil, e que não sabia sobre o estado de sua mãe.

A polícia chegou ao local e entrou na casa, acompanhados "calmamente" por Timothy, porém demorou mais de seis horas para que eles adentrassem no quarto de Roman pois não conseguiam conter os três cachorros da raça Akita, que avançavam em todos furiosamente. O controle animal apareceu na cena e na segunda tentativa o detetive Joe Diglio e sua equipe finalmente vasculharam o quarto e falaram com o jovem.

A história de Timothy, agora, mudava de novo.

Timothy aos 20 anos ao lado de sua mãe, Susan Cabot 
Já na delegacia LAPD Valley Station, Roman contou a seguinte história: naquela noite havia ido dormir às 21h30 e se levantou da cama às 22h para comer alguma coisa. Na cozinha, encontrou um "latino de cabelos cacheados" e vestido com o traje de artes marciais. Timothy então, teria tentado lutar com ele e para provar, mostrou um pequeno machucado na cabeça e um outro pequeno corte no braço. O intruso, então, teria o atingido na cabeça e ele desmaiou, acordando 30 minutos depois e ligando para a polícia, via LA Times.

No entanto, durante a conversa com as autoridades, Timothy mostrou várias discrepâncias em seu primeiro relato, afirmando aliás que era muito próximo da mãe e eles até falavam sobre "sexo" livremente, e o fato de não haver nenhum sinal de arrombamento também pesou contra ele. O filho de Susan foi preso para a investigação do assassinato, sem direto à fiança, de acordo com a notícia do jornal The Muscatine Journal. 

Os investigadores pensaram: afinal, se nem a polícia conseguiu entrar no dormitório de Timothy, como um intruso conseguiria passar por três cachorros furiosos, pegar a barra, matar Susan e depois colocar de novo no quarto?

Ainda na casa, a equipe de investigação encontrou Susan Cabot, deitada de bruços na sua cama, com a parte de trás de seu crânio completamente "arrebentada" e com sangue e pedaços de cérebro espalhados perto da cama. O assassino cobriu seu rosto com uma tolha de linho. Ela havia sido atingida repetidamente e não havia sinal de luta. A arma do crime foi um peso de academia que antes da entrada dos policiais Timmy havia escondido em uma caixa de detergente - Bold 3- dentro do cesto de roupa suja de seu quarto.

O local onde tudo aconteceu: a casa original foi demolida e foi construída a que você vê acima 
Não demorou muito para que a defesa de Timothy em seu primeiro pré-julgamento, que aconteceu em junho de 1987, usasse como defesa o comportamento "errático, narcisista e louco" de Susan, afirmando que o jovem de 23 anos sofria de graves problemas mentais graças aos remédios que ele era obrigado a tomar e os hormônios injetados nele por 15 anos - na verdade foram apenas quatro meses - e que, por isso, não se lembrava de nada do ataque.

O advogado de acusação, E. Stone, logo fez questão de cortar essa noção de que Susan - a vítima - era na verdade a culpada, afirmando:
Como ele [Timothy] não se lembra de nada se a arma do crime passou do quarto dele para o dela, onde ela morreu à pancadas? Isso demanda um pouco de planejamento. - fala replicada no livro Killer Kids de Clifford Linedecker. 
Timothy se defendeu, afirmando posteriormente que o peso era da sua mãe e que já estava no quarto dela na hora do ataque.

Os jornais da época não demoraram para retratarem Susan como a excêntrica e louca Norma Desmond do clássico Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1951), especialmente quando o advogado de Timmy, Chester Leo Smith, mostrou fotos e vídeos da casa dos Cabots, completamente em ruínas - suja e acumulada de lixo.

Os "supostos" pai de Timothy - Christopher Jones, à direita, sempre afirmou que Tim era seu. 
Durante todo esse processo, Roman continuava preso sem direito à fiança. Em abril de 1989, um mês antes do julgamento, Smith tentou afirmar para a corte que Timothy era o filho do príncipe Hussein, já que foi verificado que Susan, apesar de bons negócios imobiliários e venda de carros antigos restaurados, ganhava por mês U$1.500 do Keeper of the King’s Purse, dando a entender que era uma "pensão alimentícia" para o filho.

Isso porque, se Timothy fosse filho de Hussein, ele não poderia ficar em uma prisão normal, via o jornal LA Times, por ser de origem árabe, pois Timothy seria "metade-judeu, metade árabe e um descendente direto do príncipe, algo que poderia ser perigoso" e poderiam tentar matá-lo.

A declaração não tinha nenhuma validade legal e ele não foi transferido. Posteriormente, seu padastro Roman afirmou que o príncipe ajudava a ex-esposa por apenas amizade e que o provável pai de Timothy era mesmo o ator Christopher Jones - vale lembrar que dos sete filhos dele, vários nasceram com inúmeros problemas graves de saúde, assim como Timothy.

Em maio de 1989, parecia que finalmente o julgamento começaria, mas o advogado Smith ficou doente e a juíza encarregada do caso, Darlene E. Schempp, reagendou a convicção para outubro de 1989.

Timothy ao lado de seu advogado durante seu primeiro julgamento                 Foto do livro Killer Kids 
Logo entraram dois novos homens da lei, Richard P. Lasting e Michael V. White, que tinham outra estratégia: ao invés de não culpado, declarariam que Timothy havia praticado homicídio involuntário, ou seja, sem intenção de matar. O jovem estava solto desde junho daquele ano após pagar uma fiança de U$ 25 mil - ele estava morando com sua avó, Elizabeth Roman em Los Angeles.

No seu julgamento, que aconteceu sem um júri, e em entrevistas posteriores, Timothy Roman manteve que apenas matou sua mãe por um ato de auto-defesa:
Ela estava deitada na cama, falando de vozes por perto ou algo assim, e eu tentei ligar para os paramédicos. Vagamente me lembro de tentar alcançar o telefone. E de repente ela me atacou, eu acho. Eu não tenho um período de tempo exato. Tudo que eu me lembro era de ver minha mãe na cama e de repente ela estava morta. - entrevista ao documentário Mysteries & Scandals
Ainda segundo seu testemunho, naquela fatídica noite sua mãe estava na cama há dois dias por causa de ataques de asma, e tentou lhe atacar com um peso de academia e um bisturi quando ele ligava para o 190. Para se defender Tim a atacou. O jovem que agora tinha 25 anos de idade, afirmou via LA Times que escondeu as provas do crime e inventou a história do ninja, com medo de que "ninguém acreditasse em sua história".

Timothy em seu segundo e último julgamento em 1989
Outros amigos e conhecidos de Susan Cabot ajudaram a pintar o quadro da mãe neurótica com problemas psicológicos, inclusive com afirmações do detetive Joe Diglio de que os dois "tinha uma longa rixa" e de vizinhos que atestavam que "ela nunca ia para lugar nenhum sem ele. Os dois eram muito dependentes um do outro." Ademais, afirmou-se que Susan era adepta ao ocultismo.

Uma análise de um pediatra, em 1975, afirmou que Timothy: "era uma criança imatura e perturbada que tinha dificuldade em manter as demandas de crescer." Outro psicólogo, em 1971, afirmou que as atitudes do filho eram reforçadas pela natureza "dramática e preocupada".

Logo a juíza Darlene Schemp chegou à um veredito: Timothy era culpado de homicídio involuntário, mas não de assassinato. A sentença foi dada rapidamente, uma hora depois dos argumentos finais e o advogado de acusação não fez objeção, pois considerou que, após ver todas as provas, Timothy não tinha agido de forma premeditada.

Os argumentos de que as ações irracionais, impulsivas e até agressivas de Susan foram as culpadas pelo seu assassinato foram amplamente aceitas. O psiquiatra de Cabot, Carl Faber, afirmou durante o julgamento que nem ele aguentava as sessões de 50 minutos com a ex-atriz e sentia-se mal por Roman ter que ficar perto dela. Mais: ele deixou claro que a única razão pela qual a atriz, cujo o estado mental estava se deteriorando vivia, era por causa de Tim:
Ela me disse: 'Carl, eu estou cansada. Eu quero ir e se não fosse por Tim, eu iria.' - testemunho replicado no livro Hollywood's Hard-Luck Ladies: 23 Actresses Who Suffered Early Deaths ... Por Laura Wagner.
Timothy aos cinco anos de idade - aparentava ter 3
Em 10 de outubro de 1989, Timothy recebeu seu veredito, três anos em condicional, sendo obrigado pela corte a ter acompanhamento psicológico. Timothy Scott Roman foi viver em Los Angeles, numa área mais afastada, com a mãe de seu padastro Elizabeth Roman - os dois se davam muito bem e Elizabeth estava presente a cada passo do caso de Timothy.

Michael Roman, em inúmeras entrevistas ao longo dos anos, confirmou que viver com Susan era "muito difícil" e sempre ficou ao lado do enteado. Em bate-papo com Laura Wagner, via Tom Weaver, Michael revelou que Timothy morreu em 22 de janeiro de 2003 em decorrência da Doença de Creutzfeldt-Jakob, que estava fazendo com que seu cérebro desaparecesse lentamente dentro de seu próprio crânio. 

Susan Cabot, no entanto, foi enterrada em um túmulo não-marcado no cemitério Culver City's Hillside Memorial Park. Ela apenas ganhou uma plaqueta marcando seu local de descanso em abril de 2012, quando muitos fãs se uniram para pagar a homenagem à falecida atriz.

Susan quando ainda era contratada da Universal Studios: sabia cantar, atuar e desenhar 
Porém como nada na vida é "preto no branco", nem todos pareciam ver Tim como o inocente "experimento científico" que os tribunais pintaram. Em entrevista ao livro The World's Most Bizarre Murders por James Marrison, o jornalista Tom Weaver atestou:
A graça de conhecê-la [Susan] apenas foi um pouco arruinada pelo seu filho estranho e um tanto agressivo. O garota era simpático...mas estranho.(...)Várias vezes ele fazia coisas para deixar sua mãe com raiva, como usar óculos escuros quando saia à noite e se recusando a assistir alguns de seus filmes, mesmo quando ela implorava. Coisas que pareciam que ele fazia para provocá-la. 
A verdade não parece tão simples: naquela fatídica noite de 10 de dezembro de 1986 não havia nenhum inocente. Ou havia?


Os figurinos deslumbrantes de Xica da Silva (1976)

*alguns spoilers de Xica da Silva (idem, 1976) 

Xica da Silva, ou melhor Chica da Silva, foi uma importante figura da história brasileira. Apelido de Francisca da Silva Oliveira, filha de uma escrava e seu senhor, que tornou-se "rainha" de Minas Gerais ao ser comprada por João Fernandes da Oliveira, contratador de diamantes, que lhe deu a alforria e a liberdade de ser uma importante dama da sociedade. Com ela, ele teve treze filhos.

Apesar do mito de que Xica da Silva era uma grande "potência sexual" e que havia conseguido sua liberdade rapidamente - em dois meses na pose de João - apenas por sua beleza e charme, a verdade não poderia ser mais diferente. De acordo com o livro Para conhecer Chica da Silva por Keila Grinberg, Lucia Grinberg e Anita Almeida, a primeira descrição de Chica na literatura não a exaltava por seus atributos físicos:
[Chica] não possuía graças, não possuía belezas, não possuía espírito, enfim, não possuía atrativo algum que pudesse justificar uma forte paixão. - trecho da obra Memórias do Distrito Diamantino de Felício dos Santos, 1868. 
Zezé Motta interpretou a exuberante Xica da Silva
A noção a respeito de Chica da Silva mudou com o passar dos anos, quando a figura dela como uma mulher confiante e sensual, começou a ser disseminada em livros e em escolas de samba - até em músicas de Carnaval. A consagração de Chica como o estereótipo da mulher mulata sendo símbolo sexual ocorreu no livro Xica da Silva de João Felício dos Santos, sobrinho-neto do marido da ex-escrava.

Agora com o apelido que todos a conhecem, Xica da Silva sem o Ch, a rainha de Diamantina de Minas Gerais, a tão importante figura era descrita da forma mais caricata e sexy possível:
Muco é que quase desmaia com o inesperadíssimo. — Examina meus dentes outra vez, uai! — Xica era impiedosa com o pobre Muco — Examina, sô! — e abriu muito a boca, pícara e sensual nos lábios escuros, mexendo com a língua como uma serpente prestes a picar. - livro Xica da Silva, página 102. 
É de mais valia informar essa mudança na caracterização da figura histórica de Xica da Silva, já que o diretor Cacá Diegues usou esse livro -e o mito popular criado pelo povo - como inspiração para criar o tão famoso filme Xica da Silva (1976). E foi com base nessa Xica voluptuosa, sensual, provocadora e conquistadora que o diretor de arte Luiz Carlos Ripper, nascido em 16 de julho 1943, criou os figurinos desse grande filme.

Irmão do também talentoso arquiteto, José Ripper, a ligação de Luiz com as artes começou desde criança e de acordo com o livro Luiz Carlos Mendes Ripper: Poesia e Subversão de Heloisa Lyra Bulcão, ele estudou xilogravura e pintura no Instituto Belas Artes e depois arquitetura e cinema pela Universidade de Brasília.
Luiz Carlos Ripper recebendo o prêmio Coruja por seus trabalhos de cinema em 1971                    BBC Gov
Uma figura contrastante, Ripper começou a fazer sucesso criando cenários e figurinos para peças de teatro brasileiras e logo fez a transição para o cinema. Seu primeiro trabalho solo como figurinista e diretor de arte foi para o filme El Justiceiro (idem, 1967) e logo ele foi reconhecido por seu talento artístico.

Assim, não demorou muito para que Cacá Diegues notasse o seu talento e o chama-se para trabalhar com ele no filme Os Herdeiros (1970). Jarbas Barbosa, um dos produtores da obra, afirmou que Ripper tinha "fama de terrível e complicado e com quem os diretores não conseguiam trabalhar. Era muito difícil." Isso, no entanto, não impediu que ele e Cacá se reunissem com Luiz novamente em Xica da Silva (1976).

Isso porque, ainda de acordo com a entrevista de Jarbas Barbosa para o livro 30 anos de cinema novo de Silvia Oroz, Ripper era um gênio:
Não pode ser difícil trabalhar com quem é competente. Deve-se saber aproveitar a competência dos outros. Tanto assim que depois o levei para Xica da Silva, onde fez um trabalho grandioso. É o maior cenógrafo do Brasil. Se eu hoje viesse e a fazer um filme, chamaria de novo o Luiz Carlos Ripper. É... até que pode ser. 
Foto publicitária de Xica da Silva (1976)
Perfeccionista, de acordo com a matéria da revista Manchete, Ripper queria que tudo na produção tivesse senso de autenticidade. Tanto que "uma equipe de engenharia está reconstruindo a galera que João Fernandes mandou fazer para que sua amada tivesse a sensação de velejar no mar." Esse mesmo sentimento foi transposto para os figurinos de A Xica da Silva (1976) que ao mesmo tempo que eram fieis à sua época, também possuíam uma explosão de cor e sensualidade inerentes dos anos 70.

Seguindo uma vibe mais carnavalesca, as roupas de Xica da Silva são condizentes com a época em que a escrava estava inserida, 1860, com os vestidos vitorianos, saias em inúmeras camadas e o colo à mostra. No entanto, Ripper subverte a etiqueta de vestimentas da época e insere cores fortes e destoantes entre si, como o laranja, rosa, azul, sempre pendendo para o lado do exagero com mangas bufantes e corpetes estruturados.

A ex-escrava também usa inúmeras joias e utilizava uma peruca por cima de seus cabelos, cobertas com um pó opaco e branco que tornava os cabelos cinzas, pois naquele período isso era apenas utilizado pelos mais ricos e bem-nascidos, ou seja, evidenciavam sua superação de classe. Apesar das roupas vibrantes e das maneiras sensuais, Xica ainda queria pertencer à classe na qual era inserida, queria respeito. A maquiagem era forte, com os olhos marcados de sombras brancas e amarelas, feita para que onde quer que ela fosse, Xica fosse notada.

Um contraponto com Hortência, interpretada por Elke Maravilha, que sempre aparecia coberta e com cores mais sóbrias, exacerbando a diferença de classe social entre as duas: a mulher negra que batalhou para conseguir uma posição confortável e a branca que já nasceu com todas as regalias, mas também sofria com as amarras da sociedade machista. 

Zezé Motta exibindo figurinos sensuais e cheio de cores para Xica da Silva (idem, 1976)
De acordo com O Percevejo Online, que replicou a entrevista de Luiz Carlos Ripper em seu periódico por Heloisa Lyra Bulcão, o cenografista trabalhou em conjunto com a população de Diamantina, onde o filme foi gravado, para criar os cenários e principalmente os figurinos de Xica da Silva:
Eu  sempre  faço  isso:  produzir  o  que  tenho  de  fazer  com  a comunidade.  E  nunca  levo  as  coisas  prontas.  Por  exemplo, os  tecidos  foram  comprados  no  depósito  do  armarinho. Alguns  eu  comprei  em  Belo  Horizonte,  algumas  coisas  eu comprei.  Mas,  na  realidade,  fiz  tudo  lá,  com  as  costureiras de  lá,  com  os  carpinteiros  de  lá.  E  normalmente  faço  isso. 
Percebe-se, portanto, muito bem a noção do carnavalesco em Xica da Silva, com sequências repletas de danças e com Xica e seus criados usando roupas vibrantes, beirando ao que vemos em desfiles de escolas de Samba. Em certa parte do filme, a personagem de Zezé Motta até passa dourado pelo corpo, dançando nua, em uma alusão - estereotipada - direta à conexão das negras como símbolos sexuais nas festanças de fevereiro.

De todos os personagens, apenas Conde de Valadares, interpretado por José Wilker tem um guarda-roupa tão vibrante quanto Xica. O amado da ex-escrava, João Fernandes (Walmor Chagas) se veste de modo sóbrio, quase como se Ripper quisesse afirmar que opostos se atraem - a vibrante e sensual Xica e o tradicional português.

As roupas vibrantes e coloridas de Xica da Silva (idem, 1976)
Luiz Carlos Ripper também pensou em um grande trunfo ao fazer com que Xica da Silva iniciasse tendências, como adicionar cores vibrantes as roupas brancas simples dos criados. Em sua primeira noite com José, ela usa uma camisola simples, branca e é a única vez que a vemos dessa maneira. Ao longo do filme sempre muito amarelo - representando o status de riqueza dela - e roxo - considerado uma cor da realeza -e o vermelho vibrante, para enaltecer seus atributos sensuais.

Por exemplo, quando Xica da Silva recebe sua carta de alforria, atestando que ela é finalmente uma negra livre, ela está totalmente vestida em tons de amarelo, inclusive sua peruca é da mesma cor. Apenas vemos a personagem em tons sóbrios quando João Fernandes a larga, graças à uma tramoia feita pelo conde de Valadares.  Dali, ela volta a usar roupas mais simples e recatadas.

Os elementos lúdicos, típicos de Luiz Carlos Ripper, também são uma parte importante de Xica da Silva (1976) pois remetem a noção de que cada pessoa tem da personagem e os permitem imaginar que tipo de Xica eles querem enaltecer: a sedutora, a esperta ou a transgressora. Além de permitir que o filme tenha uma atmosfera mais intimista, como se tudo estivesse passando na frente de seus olhos,  em um teatro.

Tudo isso, aliás, inserido em um universo colorido que representa tanto a realidade da época de Xica quanto a dos anos 70, década da gravação do filme, utilizando a metalinguagem com maestria.

Um teatro dentro do filme - uso da metalinguagem
Em seu livro Vida de cinema: Antes, durante e depois do Cinema Novo por Cacá Diegues, o diretor exemplifica muito bem o que todos queriam realizar com Xica da Silva e como Luiz Carlos Ripper, tanto como diretor de arte como figurinista, superou suas expectativas:
Xica da Silva sofreria uma transição de cores rigorosa. Ela devia começar pelo ocre e pelo dourado solenes do interior das igrejas, passaria pela graciosidade dos azuis, amarelos e vermelhos suaves de suas fachadas, até chegar à explosão de cores quentes e exuberantes no apogeu de Xica. Da partida do contratador [João] em diante, o filme ia se tornando monocromático até a volta da cidade alegremente colorida no final. 
Foi com este sentimento carnavalesco, vibrante e lúdico que Luiz Carlos Ripper conseguiu inserir uma inerente brasilidade em Xica da Silva (1976) e provar que os figurinos de um filme são ferramentas que definem seus personagens.

Tornando, assim, Xica da Silva (1976) em um filme que talvez não seja fiel à figura de Chica, mas sim à construção popular da personagem. E que Xica!

A história de estrela Anna Magnani e seu filho Luca

Anna Magnani é sinônimo de talento! A grande estrela ganhou um Oscar de Melhor Atriz por sua interpretação em A Rosa Tatuada (The Rose Tattoo, 1955) - a primeira italiana a ganhá-lo - e foi indicada novamente, dois anos depois, por A Fúria da Carne (Wild is The Wind, 1958). Como se não bastasse, ela também foi a protagonista de grandes clássicos como Belíssima (Belissima, 1952), Roma Cidade Aberta (Roma, cittá aperta, 1945) e Mamma Roma (idem, 1962). 

A atriz, apesar de sua vida atribulada, também foi uma mãe fiel para seu filho Luca Magnani, fruto de seu relacionamento com Massimo Serato -original Segato. Luca, infelizmente, contraiu pólio aos 3 anos de idade e Anna fez de tudo para que ele fosse bem cuidado e tivesse uma vida dentro da normalidade. 

Tanto que, sobre sua mãe, em entrevista ao jornal La Stampa, Luca descreveu:
Nem eu e nem a minha mãe sentimos falta de uma figura paterna em nossas vidas. Mesmo que fosse difícil, ela criou a si mesma: ela não tinha um diretor ou produtor para protegê-la, ela não tinha saída. Ela não tinha como preparar minha comida ou me colocar na cama todas as noites. 
Luca e sua mãe: Anna Magnani
A história dessa mãe e filho começa quando Anna conhece Massimo Serato, naquela época ainda com o nome Massimo Segato, em meados de 1940. Foi naquele período que Anna começaria a atuar no teatro Quatro Fontane di Roma - ela já era uma atriz respeitada, mas não famosa - e mal imaginava que se apaixonaria pelo jovem ator, que atuou com ela posteriormente em produções de Carmen e Cantachiaro nesse teatro. 

Anna e o jovem galã se conheceram, de acordo com a biografia Anna Magnani: La biografia de Matilde Hochkofler, em uma das festas de Ottorino Visconti, primo de Luchino Visconti. Então, Anna ainda era casada com Goffredo Alessandrini, que tinha acabado de ter uma filha, fora do casamento, com Regina Bianchi. Assim, Anna se via livre para ter um caso com quem quisesse e ficou encantada por Massimo: nove anos mais novo e lindo de morrer (ou de viver, depende de sua perspectiva). 

Segundo o livro Anna Magnani Vita, amori e carriera di un'attrice che guarda dritto negli occhi de Italo Moscati, o encontro de Anna e Massimo na festa aconteceu bem no jeito Anna de ser: 
Ela estava irritada com a festa e resolveu telefonar para sair com Goffredo ou achar algum amigo para passear por Roma à noite. Mas o telefone estava ocupado por uma pessoa muito falante e que não se importava que Anna precisava usar o telefone. A espera foi se tornando insuportável e Anna se aproximou e deu uma enorme batida ao lado do homem. Foi ai que ela conheceu o jovem Massimo Serato. 
Massimo Serato (então Giuseppe Segato) em 1940, ano de seu encontro com Anna 
Apesar das objeções da mãe de Massimo, que considerava o filho muito novo para namorar a estrela, os dois começaram um caso quente - repleto de idas e vindas. Apaixonada, Anna até conseguiu que quando o jovem foi chamado para participar da Segunda Guerra Mundial, em 1942, que ele fosse para Turin, ou seja, não participando dos contingentes centrais da guerra. Ademais, Massimo teria licenças para continuar a trabalhar no filme Giacomo l'idealista (idem, 1943), com Anna salvando seu amado dos maiores terrores da batalha. 

Os dois até tentaram, em uma época, morarem juntos, mas Massimo se sentia sufocado pelas brigas com a atriz e foi morar com sua mãe em um local mais afastado da cidade. Conta-se que Anna sentia que Massimo era como um "gato", desaparecendo ocasionalmente de sua vida e depois pedindo para ser enchido de carícias e abraços. Inegavelmente, Massimo, por sua parte, se sentia atraído pela sensualidade certeira de Magnani. Segundo o livro La Magnani de Patrizia Carrano e ‎Federico Fellini, os dois viviam entre "anos de brigas, discussões, mas também felicidade". 

Em fevereiro de 1942, Anna Magnani finalmente realizou o seu maior desejo, o de saber que iria se tornar mãe, dando à luz em 25 de outubro de 1942 (alguns afirmam 23 e outros 29) um menino chamado Luca. Com a notícia da gravidez, ela declinou o papel principal no clássico Obsessão (Ossessione, 1943) que foi estrelado por Clara Calamai. Vale lembrar que a atriz italiana nunca havia conhecido seu pai e sua mãe a abandonou - ela foi criada em Roma pelos avós. A biografia de Italo Moscati afirma que, apesar de Massimo ter ficado maravilhado em se tornar pai, ele não se sentia preparado.

Sobre o nascimento do filho, em 1942, Anna reconta via Anna Magnani Por Matilde Hochkofler
Quando nasceu o meu filho foi um grande dia. No hospital eu estava com medo, medo por tudo que sofreria por um filho que ainda não tinha conhecido. Eu suava, suava. Agarrando-me desesperadamente a cama de operação eu sentia o suor escorrer e gritava como um gavião. Minha garganta queimava. Como você me fez sofrer meu filho, mas depois tudo voltou ao normal. Eu estava bem. 
Anna com seu lindo filho Luca em 1943

Apesar da felicidade, Anna nem podia dar seu sobrenome ao filho, já que ainda estava legalmente casada com Goffredo Alessandrini. Massimo apenas poderia dar o sobrenome ao filho se registrasse no cartório o nascimento como: "Filho de Massimo Serato e desconhecida", pelo fato de Anna ainda ser legalmente casada. Em contrapartida, ela não havia dado permissão que seu marido desse seu sobrenome às duas filhas que teve fora do casamento com Regina Bianchi, mas, por sorte, Anna conseguiu que Alessandrini desse seu sobrenome ao bambino. Luca, apenas na fase adulta, passou a usar o sobrenome Magnani.

Anna e Massimo continuaram juntos após o nascimento de Luca, mas as brigas explosivas do casal continuavam aumentando e se tornando épicas. Sobre as discussões do casal, Jole Tuzzi, que trabalhou com Mario Soldati no filme estrelado por Massimo, Quartieri alti (idem, 1943), afirmou ao livro de Italo: 
Ele [Massimo] aparecia apaixonado, mas estava muito perdido. Eles não conseguiam parar de brigar. Ela chegava ao set de filmagens calma e depois de dois minutos tinham brigas e escândalos. Anna não se limitava: se queria fazer, fazia. Quando ela não vinha, os dois se telefonavam. Todo mundo sabia que eles estavam muito apaixonados. 
Apesar do que se fala a respeito do relacionamento entre Anna e Massimo, os dois não se separaram logo após o nascimento do filho Luca. De acordo com ambas as biografias de Anna, ela e Serato continuaram a sair e colaboraram no teatro nas seguintes peças: Cantachiaro (1944), Carmen (1944), Soffia So (janeiro de 1945) e pela última vez em Cantachiaro nº 2 em maio de 1945. 

Anna Magnani em cena de Roma, Cidade Aberta (Roma, città aperta, 1945)
Os dois, portanto, ainda estava juntos em janeiro de 1945, quando Anna começava a gravar um de seus maiores clássicos e seu primeiro grande sucesso no cinema: Roma, Cidade Aberta (Roma, città aperta, 1945). Tanto que de acordo com Sergio Amidei, roteirista do longa-metragem, a famosa cena da personagem de Anna, no qual ela corre atrás dos alemães e é morta, foi inspirada em uma briga com Massimo: 
Nós tínhamos encontrada uma pessoa que permitiu que gravássemos à noite em Trastevere, atrás das barragens da polícia. Anna estava brigando com Massimo Serato, eu não queria me envolver, então fiquei de fora e vi Serato sair correndo da casa, entrar em um carro e pedir para a Toddini levá-lo para cidade. O carro começou a partir e de lá aparece Magnani, correndo com suas pernas tortas, brava e gritando: 'Seu filho da puta! Bastardo! Canalha!' Foi assim que a cena clímax do filme nasceu. - trecho de La Cittá del Cinema via Passion and Defiance: Italian Film from 1942 to the Present por Mira Liehm
Se essa cena entre Massimo e Anna realmente aconteceu, não temos como afirmar. Porém o que se sabe é que o relacionamento deles já estava se deteriorando quando ambos descobriram que seu filho Luca, aos dois anos de idade, havia contraído poliomelite (uma doença viral que pode levar a criança à paralisia completa). A vacina apenas foi liberada em 1955 e durante o período da Segunda Guerra Mundial, houve uma severa epidemia na Itália que foi apenas erradicada no começo dos anos 50. 

Foi com a doença de Luca - descoberta durante as gravações de Roma, Cidade Aberta (Roma, città perta, 1945) - que Serato resolveu largar de vez a família, especialmente quando os cuidados com Luca se provaram bem mais do que ele estava disposto a dar.

A indiferença dele diante à família, de acordo com Italo Moscati, apenas aumentava e o descontentamento entre eles fez com que Massimo deixasse seu filho e Anna para trás. De forma covarde, Massimo nunca mais fez parte da vida de Luca. Foi aliás, no final das gravações de Roma, Cidade Aberta (Roma, città aperta, 1945) - que durou de janeiro a maio de 1945 - que Anna se encantou por Roberto Rossellini - diretor do longa-metragem- com quem ela ficou até 1949, quando o diretor então conheceu e se apaixonou por Ingrid Bergman. 

Anna Magnani e seu filho posam para a revista Life em 1950
Nesse ínterim, a carreira de Anna nos cinemas finalmente florescia - e o fluxo de dinheiro aumentava - e ela fazia questão de pedir uma grande quantia de dinheiro em seu cachê, para que ela pudesse dar os melhores cuidados para seu filho Luca. Infelizmente, Luca nunca conseguiu reaver o movimento das pernas e passou o resto da vida andando de muletas. Hoje ele tem 77 anos de idade. 

De acordo com a entrevista de Luca ao site La Stampa, ele foi enviado para viver na Suíça em um internato, recebendo os melhores cuidados para sua saúde. Ele apenas retornava para a Itália nos feriados e nas férias de verão. Aos 16 anos de idade, ele voltou ao país para morar com a mãe, contudo em um arranjo diferenciado: ele vivia em um apartamento ao lado dela, no mesmo andar. 

Sobre isso, ele explica: 
Foi o jeito certo. Nós tínhamos duas vidas diferentes. Eu ia para escola, acordava cedo.  Ela trabalhava até as duas da manhã e acordava bem tarde. Nós nos víamos à noite quando voltava da escola. Nós jantávamos juntos. 
Luca Magnani também conta que tinha um problema em manter as notas escolares altas e tinha uma tática para diminuir o impacto da ira de sua mãe: mostrar seu boletim de manhã, assim quando ele retornava à noite ela não estava tão nervosa. Mesmo assim, ele afirma: "quando ela ficava brava, ela ficava brava."

Quando Anna ganhou o Oscar de Melhor Atriz pela A Rosa Tatuada (The Rose Tattoo, 1955), de acordo com o livro Anna Magnani, quattro storie americane de Cristina Vaccarella, ‎Luigi Vaccarella, ela deixou claro que o mais importante para ela era o seu bambino e que aquele prêmio era para ele: "Tudo que fiz foi pelo meu filho Luca". 

Anna e seu filho galã em um evento de 1961
Apesar de ser um arranjo incomum, a medida de moradia funcionava para Luca e Anna. Os dois sempre se divertiam e saíam juntos, como um par de mãe e filho bem unidos. Ele não seguiu a mesma carreira que sua mamma - apesar de ter a beleza de galã do pai - e se formou na faculdade em Arquitetura. Em 1974, aos 32 anos de idade, casou-se com a atriz Gigliola Faenza, com quem teve sua única filha Olivia Magnani, nascida em 1974- esta seguiu os passos da avó e tornou-se uma atriz. 

Luca e Gigliola se divorciaram em 1986, e a atriz até fez uma festa super exclusiva para comemorar o divórcio! Anna Magnani faleceu em 16 de setembro de 1973 e não pode conhecer sua neta. Já Massimo Serato, faleceu apenas em 1989, e apesar de alguns casos com atrizes famosas, e alguns casamentos curtos, não teve mais nenhum filho e pelo que pesquisei, nunca quis ter contato com o Luca.

Luca Magnani, foto recente, em sua casa - atrás uma foto de Anna Magnani                          Da Gospia
Em entrevista ao jornalista Louis Valentin, publicada em outubro de 1973, um mês depois de sua morte, Anna fez como se fosse uma biografia de sua vida e dedicou lindas palavras ao seu filho: 
Hoje Luca é um homem. Talvez ele tenha os mesmos sentimentos que tinha sobre a minha mãe. Mas eu não queria deixá-lo Luca, eu não queria abandoná-lo. Um dia você entenderá que nossa separação era necessária. Hoje tenho medo de seu silêncio, de sua solicitude e de seu caráter difícil. Me diga que é apenas uma fase temporária, assim como eu tinha quando queria 'conquistar' a minha mãe. Vai passar. Eu só peço para viver o máximo de tempo que posso ao lado de meu filho. - replicado no site Archivio Anna Magnani.
Anna, no entanto, não precisava se preocupar. Seu filho Luca, já afirmou com todas as palavras: "ela era o homem da casa, no final das contas era ela que tinha que pagar as contas em dia", mostrando o quanto a admirava por sua força e obstinação.

Apesar de terem vidas diferentes, o carinho e amor entre Luca e Anna Magnani são lindos de se ver e de recontar para o público. Uma verdadeira história de amor! 




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