Os figurinos de Carmen Jones (idem, 1954) e a estilista Mary Ann Nyberg

 As mulheres deveriam, determinadamente, seguir seus próprios gostos e usarem aquilo que as favorecem. - Mary Ann Nyberg, 1953. 

A estilista Mary Ann Nyberg teve uma das carreiras mais curtas da antiga Hollywood. Seu primeiro trabalho na MGM foi como a figurinista do filme Lili (idem, 1953) estrelado por Leslie Caron e Mel Ferrer. Logo em seguida, em apenas um período de dois anos, Nyberg também trabalhou em A Roda da Fortuna (The Band Wagon, 1953), Nasce Uma Estrela (A Star is Born, 1954) e por fim, em Carmen Jones (idem, 1954). 

Após uma breve consulta como estilista para a película O Homem do Braço de Ouro (The Man With The Golden Arm, 1955), e duas indicações ao Oscar de Melhor Figurino, Mary Ann desapareceu do mapa e nunca mais trabalhou na indústria do entretenimento.

Dorothy Dandridge como a sensual Carmen
Nascida em 7 de fevereiro de 1923 em Tulsa, Oklahoma, filha única de Jean Nyberg e Ernest C. Nyberg, Mary tinha apenas 20 anos quando partiu para Hollywood buscando seus sonhos de fama como artista e estilista. Nada se sabe sobre como a carreira de Mary começou, mas ela frequentava inúmeros eventos da alta sociedade e já foi namorada do cantor Rudy Vallee, que também fazia algumas pontas no mundo do cinema. Essa pode ter sido sua entrada no mundo do design, já que em todas as saídas dela, Mary usava peças idealizadas por ela mesma e os jornais faziam questão de elogiá-la.

Ela se casou em 1965 com o crítico de cinema Arthur Knight e posteriormente com Don J. Koch em 2 de setembro de 1977 até sua morte em 19 de setembro de 1979. Nyberg foi enterrada no mesmo jazigo de sua mãe Jean, que havia falecido 5 anos antes. 

Mas antes de tudo isso acontecer, Mary Ann era a nova badalada estilista de Hollywood. Suas criações para o filme A Roda da Fortuna (The Band Wagon, 1953) estavam em todos os jornais e não demorou muito para que ela fosse chamada para criar as roupas de Judy Garland em Nasce Uma Estrela (A Star is Born, 1954). Infelizmente ou não (depende do ponto de vista), os desentendimentos entre as duas fizeram com que Mary desistisse do filme e ela se concentrou em Carmen Jones (idem, 1954) trabalhando ao lado do diretor do filme, Otto Preminger.

Mary aos 30 anos de idade                                                Foto Shutterstock
Carmen Jones (idem, 1954) é baseado na ópera de Bizet, que por sua vez, se inspirou no livro Carmen escrito por Prosper Merimeé. O musical conta  a história de Carmen, vivida por Dorothy Dandridge, uma jovem sedutora que vira o mundo do saldado Joe, interpretado por Harry Belafonte, de cabeça para baixo, tanto que ele resolve desonrar seu compromisso com Cindy Lou (Olga James) e fugir para viver feliz com Carmen. O que ele não contava é que para a tentadora isso era apenas um jogo e ela não estava interessada em ser uma esposa. 

Em relação aos figurinos do filme, Mary Ann quis sair do óbvio ao desenhar as roupas de Dorothy, tanto que o vermelho nunca aparece, a não ser quase na primeira abertura do filme, no qual Carmen foge com o soldado Joe, seduzindo-o. Nele a personagem de Dorothy usa uma saia de cor laranja (que em algumas luzes passa-se por vermelho e é erroneamente reproduzido assim) com uma enorme fenda, além de segurar uma rosa vermelha na mão durante o número Dat's Love - personificando a sedução e a tentação que leva o alterego de Harry Belafonte à loucura.

Depois dessa cena, no entanto, Carmen Jones não usa mais nenhuma peça que possa remeter à cor vermelha e isso, de acordo com a própria Mary Ann Nyberg tem um motivo muito importante: sair do óbvio.

Em entrevista ao jornal The Beverley Times em 1955, a estilista explica:
Vermelho remete à paixão, fogo, sexo. E eu estou confiando de que a Dorothy vai projetar essas qualidades em sua performance.
Os esboços de Mary Ann para o figurino sedutor de Carmen Jones                          Reprodução
De acordo com a própria estilista, suas escolhas de cores para a personagem de Dorothy Dandridge foram: rosa, azul, um pouco de laranja, preto e branco. Mas isso não significa que o corpo bem delineado de Dorothy não seja evidenciado nos vestidos, que são justos e majestosos.

O seu primeiro conjunto em Carmen Jones (idem, 1954), como foi evidenciado, era uma blusa preta com mangas bufantes e uma saia de tafetá laranja-avermelhado. Logo depois, em uma luta com uma das namoradas dos soldados, as mangas bufantes são rasgadas e temos o visual icônico de Carmen Jones.

O decote e a fenda evidenciam os atributos mais sexies de Carmen: seu colo e as pernas. Ela se destaca de todas as outras mulheres do recinto, que são comportadas e usam vestidos sem decote e que vão até a altura do joelho. A roupa da personagem de Dorothy representa muito bem a trajetória de Joe: de um soldado bom moço, ele se enlouquece pela poderosa Carmen e seu modo de andar e suas roupas são um grande chafariz para essa mudança.

O figurino do filme também faz uma menção à do musical de Oscar Hammerstein II, uma atualização da ópera de George Bizet e que deu origem à Carmen Jones. Segundo a matéria da revista Theater Time de 1949, a entrada da personagem é o mais importante: ela dá o tom à peça e, posteriormente, no filme:
A sua saia bufante, acessório exagerado e o vermelho em seu figurino quebram a tonalidade marrom-amarelada do cenário, a cena tropical do meio-dia, prevendo as emoções excitantes que virão. 
A roupa de Dorothy faz exatamente isso no filme, embora numa menor escala e adequada ao filme.

O figurino mais famoso de Carmen                                                  Reprodução
Logo em seguida, o espectador vê Dorothy com dois lindos vestidos na suave cor rosa. O rosa, de acordo com o significado da cor, remete ao romantismo e ternura, completamente o oposto da personalidade de Carmen. É assim, no entanto, que Joe a vê: como a mulher mais bela e perfeita do mundo.

Assim, enquanto seus trajes rosas remetem à doçura e romance, as atitudes de Carmen na boate e ao largar seu namorado para paquerar o grande lutador de peso pesado Husky Miller (Joe Adam) dizem outra coisa completamente diferente. Neste trecho do filme, vemos a luta interna de Joe de ver Carmen por quem ela realmente é ou continuar acreditando que ela é uma jovem que o ama, projetando nela a imagem virginal de sua ex-namorada Cindy Lou (Olga James).

 

Não entenda mal: o corte bem justo e sensual dos trajes continua o mesmo, assim como os acessórios de pulso de Carmen e seus brincos espalhafatosos. A personagem gosta de chamar atenção de qualquer maneira e dribla sua aparente pobreza - usando sempre as mesmas luvas e bolsa pretas - com trajes muito bem delineados e que chama atenção ao seu corpo e rosto - e não ao contrário.

Como em uma transição, o próximo modelito de Carmen é um roupão curto de bolinhas na cor azul escura, que deixa as pernas da atriz à mostra. O azul, neste caso, representa a tranquilidade de Joe, que está em paz com sua decisão de sair do exército e seguir Carmen por onde quer que ela vá.

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O traje acima, em sua concepção original, era de um tom azulado, mas foi mudado para um pêssego claro. Com um corte assimétrico e bem solto, o vestido é complementado com acessórios discretos, um salto e conta com um capuz que está acoplado na parte detrás do vestido.

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Outro detalhe interessante é que comparada com suas amigas, Carmen não está tão espalhafatosa e se destaca pelo lema: "menos é mais". Enquanto suas companheiras parecem vulgares com o excesso de joias e acessórios, Carmen está simples e elegante, sem nenhuma distração para atrair seu ricaço pugilista. 

E assim acontece: assim que ela assegura o coração do famoso lutador, o guarda-roupa de Carmen ganha um upgrade. Ela se veste com um conjunto azul formado por uma blusa com listras reluzentes, uma saia lápis chique e um salto alto de bico. Ela não veste mais tamancos ou os mesmos acessórios: Carmen agora é uma mulher chique e refinada. 

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Na foto acima, percebe-se muito bem a diferença entre Cindy Lou e Carmen. Enquanto a primeira é mais pura e virginal, a típica namorada fiel que Joe tentou transformar a Carmen, a segunda está totalmente à vontade com sua sexualidade e até onde sua beleza pode levá-la. 

O que nos leva ao clímax de Carmen Jones (idem, 1954) no qual Carmen ao lado de suas amigas presencia a importante luta de boxe de seu affair. Agora ela está no auge de seu poder, usando um vestido branco com toques de dourado, um casaco de pele e acessórios de puro diamante. Não tem mais prata para essa garota, agora ela é a mais glamourosa e sensual de todas, provando que nem sempre precisamos do vermelho para representar o poder da sedução. 

O lindo vestido que Nyberg criou para Dorothy                   Reprodução/Montagem
No gran finale de Carmen Jones (idem, 1954), a personagem de Dorothy está mais bela do que nunca mostrando que o objetivo dela sempre foi conseguir vencer na vida, usando de seus melhores atributos. E que, é claro, os diamantes são os melhores amigos de uma garota. 

Sobre sua personagem no filme, em entrevista ao jornal The Australian Women's Weekly em 1957, ela explica que a sedução era sua característica mais importante:
Eu compreendo aquela Carmen. Ela é a mulher que todas querem ser, mas a maioria não tem coragem. Se eu não tivesse uma parte dentro de mim que fosse assim, eu não poderia interpretá-la da maneira correta. Mas não devemos admitir. Mulheres devem ser damas, mas geralmente tem um jeito de contornar isso. 
Um figurino à altura de Carmen Jones, Mary Ann Nyberg demonstrou todo o seu talento em Carmen Jones (idem, 1954). Uma pena que seu nome foi quase totalmente esquecido, afinal Mary Ann era uma verdadeira artista.


5 frases de Judy Garland para aplicar na sua vida

Judy Garland foi uma das estrelas mais icônicas da antiga Hollywood. No dia de seu falecimento, 22 de junho de 1969, acredite ou não, ocorreu também um tornado em Kansas (local onde esses fenômenos são recorrentes), fechando o ciclo de sua personagem Dorothy em O Mágico de Oz (Wizard of Oz, 1939). 

Considerada uma das maiores ícones gays do mundo do entretenimento, Judy teve uma vida dura: viciada em remédios, em pílulas de emagrecimento, drogas e álcool. Mas, apesar dessas turbulências, ela foi capaz de deixar seu talento brilhar e abençoou seus fãs com filmes e músicas que após 50 anos ainda fazem parte do imaginário e da vida de muitas pessoas. 

Sempre sábia, Judy Garland tem algumas das citações mais eloquentes das estrelas de Hollywood: uma mulher inteligente, ela sempre viu seu público LGBTQIA+ como iguais e apesar de ter casado cinco vezes, nunca desistiu do verdadeiro amor. 

Em sua homenagem, nós da Caixa de Sucessos listamos 5 frases de Judy Garland que são indispensáveis para sua vida! 

1. JUDY GARLAND SOBRE RELIGIÃO
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Judy Garland constantemente demonstrava uma sabedoria além de seus anos. Em uma entrevista a revista Screenland, em outubro de 1946, com apenas 24 anos de idade, a atriz dividiu algumas de suas convicções sobre a imortalidade, sobre a guerra e especialmente sobre a religião. 

Falando especificamente sobre a religião, ela demonstrou um pensamento que hoje em dia é muito divulgado: que não se deve infringir o direito das outras pessoas usando suas crenças como escudo, mostrando assim como ela sempre apoiou o público LGBTQIA+. Sua morte, alguns afirmam, foi o fim de uma era (já que Garland era considerada o 'Elvis dos homossexuais') e um dos pontos de virada para as revoltas de Stonewall acontecerem.

Sobre a aceitação e religião, ela afirmou, via Judy Garland on Judy Garland: Interviews and Encounters Por Randy L. Schmidt:
Eu acredito que a verdadeira extensão de suas crenças religiosas é mostrado no dia a dia de sua vida, no que você contribui e no que você leva, sem infringir o direto das outras pessoas.  Eu não desaprovo as pessoas que fazem um hábito ter apenas pensamentos religiosos, a menos que eles permitiam que a religião vire um ópio para fazerem coisas ruins aos outros. Ninguém deveria pensar que só porque vai a Igreja todo o domingo, que pode fazer algo mau que não deve fazer, acreditando que Deus não vai se importar com isso.

 2. JUDY GARLAND SOBRE TALENTO
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Dona de uma das vozes mais belas e poderosas do showbusiness, Judy Garland permaneceu com um poderoso alcance vocal durante toda sua vida, apesar de alguns percalços no caminho por conta de seus vícios. Uma mezzo soprano, Garland afirmou que nunca teve uma lição de canto, mesmo sendo acompanhada pela instrutora Kay Thompson da MGM, de quem virou uma ótima amiga e foi até madrinha de sua filha, Liza Minnelli.

Com uma técnica vocal invejável, conseguindo suportar inúmeras apresentações musicais por dia sem cansar, Judy também sabia que o talento era 90% do caminho para ser uma grande estrela. 


Tanto que, em entrevista ao jornalista Bob Thomas do Associated Press em 1949, ela afirmou que se preocupar muito para domar o seu talento (seja vocal, de escrita ou atuação) pode até prejudicá-lo: 
Eu acho que muito do talento de uma pessoa pode ser sugado com muitas lições. Se você tem talento, ele geralmente aparece de qualquer forma. 
Anotado!

3. JUDY GARLAND SOBRE O SUCESSO 
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A carreira de Judy Garland, no cinema e na música, sempre foi uma constante montanha-russa. Ou ela estava no topo, com filmes de sucesso e a adoração da crítica, ou tentando retomar seu lugar de direito entre as grandes estrelas. 

A verdade para a atriz, no entanto, era simples: ela nunca fez um retorno. Ela nunca fugiu dos holofotes: Judy continuou a trabalhar e colhia os frutos de seu grande trabalho, mesmo que a grande mídia não percebesse. 

Em sua última entrevista antes de sua morte, em 26 de março de 1969, ela ofereceu esse valioso conselho sobre o sucesso: ele até pode ir embora, mas seu trabalho e suas conquistas ficam com você para sempre, via Judy Garland: The Day-by-day Chronicle of a Legend Por Scott Schechter:

Você nem sempre fica no topo. Ninguém fica. Minha carreira, minha vida, sempre foi uma montanha-russa. Eu ou fui um sucesso enorme ou um fracasso completo, o que é muito bobo. Todo mundo me pergunta: 'Como é fazer um retorno?' Eu não sei onde estive, eu não estive fora. Eu trabalhei esse tempo todo. 

4. JUDY GARLAND SOBRE A MORTE 
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Ainda na mesma entrevista com a Screenland em 1946, Judy provou que era mesmo uma jovem com muito conteúdo. Embora a morte seja um assunto assustador para muitas pessoas, a então recém-casada com Vicente Minnelli não escondeu sua verdadeira opinião sobre o assunto. 

Para a starlet, a morte não é o fim, sendo apenas a preparação para algo ainda melhor. Ela morreu um pouco mais de 23 anos depois dessa afirmação, depois de sofrer uma overdose de barbitúricos com apenas 47 anos de idade. 

Sobre sua visão da morte, a atriz explica: 
Eu não acredito que a morte é o fim. Tem muita preparação na vida para ter algo a mais depois. 

5.  JUDY GARLAND SOBRE SUPERAR SEUS MEDOS 
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Com quase toda a sua vida controlada pelos estúdio MGM, Judy Garland vivia em medo constante: tinha que controlar o peso para conseguir papeis. Tinha que parecer sempre mais nova, saber todos os passos e músicas  e aceitar tudo que lhe era dado - sem reclamações. 

As prioridades de Judy foram mudando ao longo dos anos quando ela teve sua primeira filha, Liza Minnelli em 1946 e posteriormente com Lorna e Joey Luft, frutos de seu terceiro casamento. Apesar de estar longe dos holofotes constantes do cinema depois de ser despedida pela MGM, ela continuou a fazer turnês pelos EUA e ainda sofria do terrível medo de palco, afirmando em entrevista para Vanity Fair em 1961 que queria apenas: "comer e se esconder." 

Judy, no entanto, não contava com a grande aceitação do público, e foi aos poucos superando esse inescrupuloso terror. Tanto que, em entrevista em 1967 durante uma recepção na Washington Symphony Orchestra, a estrela afirmou:
Eu acho que chega um ponto da sua vida que ter medo dá muito trabalho. Você amadurece. Você se pergunta: 'Esse medo vai trazer algo de bom para a minha vida?' Agora minha vida parece estar melhor, gradualmente. Eu estou aproveitando e acho que meus filhos ajudaram muito nisso.

Os bastidores de um clássico: O Rei e Eu (The King and I, 1956)

*spoilers de O Rei e Eu (The King and I, 1956)

Um dos maiores clássicos do cinema de Hollywood, O Rei e Eu (The King and I, 1956) garantiu à Deborah Kerr, Yul Brynner e Rita Moreno os seus lugares de destaque no mundo do entretenimento. 

O filme foi o primeiro grande papel de Yul, que já arrebatou, logo de cara, um Oscar por reprisar sua performance do rei Mongkut do teatro, e foi também o grande destaque de Rita Moreno, que a partir daí conseguiu mais e mais papeis em Hollywood. Entre eles, na época, apenas Deborah Kerr já era amada e conhecida pelo grande público e isso contou muito para que ela fosse a escolhida entre inúmeras atrizes. 

O Rei e Eu (The King and I, 1956) é baseado na autobiografia de Anna Leonowens, uma professora que depois de ficar viúva, aceita uma posição na Tailândia, para educar e servir ao rei e seus filhos, que buscavam uma educação mais moderna e ocidental. Anna e seu filho Louis ficaram no país por seis anos e foi relatando sobre sua experiência em seu diário, entre 1862 a 1867, que ela lançou o famoso livro intitulado A Governante Inglesa na Corte Siamesa (1970). Mas foi a versão ficcionalizada da escritora Margaret Landon em sua publicação Ana e o Rei (1944) que o filme que todos amam e conhecem começou a tomar forma. 

Foi Yul quem indicou Deborah Kerr para o papel
A história do filme O Rei e Eu (The King and I, 1956) começou lá em 1950, quando o advogado da renomada atriz de teatro Gertrude Lawrence, Fanny Holtzmann, ligou para a famosa dupla teatral, o compositor Richard Rodgers e o letrista Oscar Hammerstein II, indagando se eles estariam interessados em criar uma produção musical baseada no livro best-seller Ana e o Rei do Sião. Os dois produziram musicais famosos como O Barco das Ilusões, Oklahoma e Carrossel. 

Lawrence já possuía os direitos do livro de Margaret Landon, por sugestão de sua agente literária Helen Strauss que previa que a personagem Anna seria um grande trunfo para ela. De acordo com a biografia Deborah Kerr: A Biography de Michelangelo Capua, Lawrence queria que Cole Porter compusesse as músicas, mas ele recusou. Assim o encontro de Fanny com a esposa de Hammerstein assegurou a presença dos dois para a peça. Mas não sem as suas ressalvas.

A dupla teatral também não estava muito animada de trabalhar com Lawrence. Tanto que em sua autobiografia, via Michelangelo Capua, Richard afirmou: 
Nós nunca tínhamos feito um musical com um ator ou atriz específico em mente e nos preocupávamos que esse trato não nos daria a liberdade de escrevermos o que queríamos, como queríamos. O que também nos incomodava é que, embora admirássemos Gertrude tremendamente, sentíamos que seu alcance musical era bem limitado e que ela nunca conseguiu superar suas notas chatas. 
Após assistirem o filme Ana e o Rei do Sião (Anna and the King of Siam, 1946) estrelado por Irenne Dunne e Rex Harrison, eles se convenceram de que a peça poderia ser um sucesso e trabalharam durante quase todo o final de 1950 para que a história e as músicas do musical fossem as melhores possíveis. Assim foram criadas canções clássicas como I Whistle a Happy Tune, Getting to Know You e We Kiss in a Shadow. 

A dupla queria que Rex Harrison reprisasse seu papel como o Rei (e Irenne Dune queria a chance de reinterpretar Anna), mas depois de uma audição fracassada, ele foi descartado. Outros nomes como José Ferrer, Ezio Pinza, Nöel Coward e Alfred Drake foram considerados, mas foi o diretor de televisão Yul Brynner quem arrematou o papel. Persuadido por sua esposa e amiga, Mary Martin, ele fez uma audição para ser o Rei (com o cabelo já raspado) e impressionou à todos, enquanto ele mesmo se apaixonava pelo personagem no processo! Assim nasceu o Rei da Broadway! 

Yul e Gertrude durante as primeiras performances de O Rei e Eu
As primeiras performances da peça O Rei e Eu não foram lá muito bem-recebidas: a peça tinha mais de 5 horas de duração e nenhum romance entre o Rei e Ana. Foi Yul quem sugeriu, de acordo com a biografia Yul Brynner: A Biography, de que uma grande história de amor faltava na peça. A canção Shall We Dance foi incluída e o Rei e Eu diminui para duas horas de duração. Em sua estreia na Broadway em 19 de março de 1951, o sucesso foi absoluto! Tanto que um jovem Sal Mineo, o mesmo de Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955) também participou da peça como um substituto e, posteriormente, filho do rei. Ele e Yul se tornaram ótimos amigos e colegas de trabalho.

Logo não demorou muito para que a peça fosse transformada em um filme e o estúdio 20th Century Fox aproveitou a deixa assegurando os direitos da peça. Gertrude, que possuía os direitos do livro, firmou um contrato no qual se fosse feita uma versão para o cinema, ela interpretaria Ana. Infelizmente, a atriz morreu em setembro de 1952 de um câncer não diagnosticado de fígado. Ela foi enterrada com o vestido de dança que usou na peça. 

Portanto, o papel de Anna poderia ser de qualquer uma: Vivien Leigh foi brevemente considerada e Maureen O'Hara quase assegurou o papel. Daryl F. Zannuck, diretor do estúdio, queria que O'Hara interpretasse Anna, mas de acordo com a autobiografia da atriz Tis Herself, Hammerstein e Rodgers não queriam que uma "rainha pirata interpretasse sua Anna!". Quando foi convidada para uma reprise da peça, contudo, Maureen recusou. Assim, a rosa inglesa Deborah Kerr, que tinha impressionado Yul com seu papel na peça Tea and Sympathy, conseguiu o tão cobiçado papel de Ana. 

Já para a Fox assegurar o temperamental Yul Brynner foi bem mais complicado: ele ainda estava envolvido na apresentação teatral de o Rei e Eu e afirmou que apenas participaria do filme se estivesse dentro de sua agenda. Mais do que isso, segundo o livro The Making of The Magnificent Seven de Brian Hannan, ele tinha a ideia maluca de dirigir o filme e contratar Marlon Brando para interpretar o Rei (o papel que ele mais amava no mundo). A afirmação de Yul, hoje em dia, parece apenas um papo para que ele conseguisse o maior lucro possível e assim foi feito, com urgência pelo produtor do filme, Charles Brackett: Brynner receberia 300 mil dólares de cachê e uma porcentagem dos lucros.  

Sobre a recusa de Marlon, na biografia Yul Brynner: The Inscrutable King de Jhan Robbins, Yul apenas afirmou:

Falamos sobre o papel, mas ele recusou. Foi uma pena porque eu sempre achei que Marlon faria um fascinante Rei Mongkut. 

Ademais, Yul, sempre muito modesto, também deixou claro que aceitou interpretar o Rei mais uma vez depois de muita ponderação espiritual e que: "acredite quando eu digo que o dinheiro não foi um fator decisivo". Pode até não ter sido decisivo, mas com certeza o ajudou bastante!

A verdade é que eu não tinha atingido nem a superfície das complexas contrariedades do rei. Você tem que conhecê-lo por um longo tempo para entendê-lo. - Yul Brynner sobre o papel do Rei. 

Seja como for, Yul e Deborah estavam confirmados e a produção de O Rei e Eu (The King and I, 1956) poderia finalmente começar.

Yul e Deborah durante as filmagens de O Rei e Eu (The King and I, 1956) em 1955
Contratando Ernest Lehman como o roteirista e Walter Lang como diretor, além de manter a dupla Rodgers e Hammerstein e a estilista Irene Sharaff, que criou as vestimentas da peça, as filmagens de O Rei e Eu (The King and I, 1956) se iniciaram em maio de 1955 e duraram sete meses, com seis semanas apenas para a preparação dos atores.

Atores estes que incluíam a incrível Rita Moreno, que ganhou o papel da escrava Tuptim por pura sorte - e por ser contratada da Fox! Segundo a própria atriz, em entrevista ao site Elle, ela conseguiu fazer parte do filme por pedido de Daryl F Zannuck:

Quando eu era contratada da Fox, eles me disseram que queriam que eu testasse para o papel de Tuptim. Eu estudei e fui para o teste. Lá tinham outras garotas testando para o papel e uma que era perfeita para ele. Era uma garota chamada France Nuyen - linda, maravilhosa - que era vietnamita e francesa. Eu pensei que ela conseguiria o papel. Mas fui eu quem conseguiu e sempre me senti culpada porque o papel deveria ter sido dela. Mas eu consegui porque era contratada do estúdio. 

Antes disso, no entanto, Dorothy Dandridge recebeu a oferta de interpretar Tuptim e tinha aceitado, mesmo que ela receasse interpretar uma escrava. Para piorar sua indecisão, seu então namorado, o diretor Oscar Preminger, havia afirmado que o papel secundário era muito pouco para ela e Dorothy então recusou. Como ela havia acabado de assinar contrato com a Fox, isso não caiu nada bem para os chefes do estúdio e ela foi considerada difícil de se trabalhar. 

Em entrevista para o jornalista Earl Conrad ao escrever suas memórias para o livro Everything and Nothing: The Dorothy Dandridge Tragedy, Dorothy conta:

Me ofereceram o papel de Tuptim. Era um papel secundário naquele musical. 

Infelizmente para Dorothy, a recusa dificultou ainda mais sua carreira no cinema (além dos obstáculos do gênero e raça), mas para Rita Moreno, o papel de Tuptim se provou um dos maiores triunfos de sua carreira. Não obstante, o produtor do filme e o diretor Walter Lang não tiveram a mesma sorte: trabalhar com Yul Brynner se provou um desafio e tanto!

Walter Lang, ao lado de Deborah Kerr, dando instruções para os seus atores em cena
Yul Brynner tinha uma visão bem específica de seu personagem, tanto que brigava com qualquer um que não as acatava, inclusive o produtor Charles Brackett. No livro Yul Brynner: The Inscrutable King de Jhan Robbins, Brackett conta que as ameaças do ator eram horrendas:

Ele tentava me incitar. Ameaçava sair do set de filmagens se suas ideias não fossem imediatamente adotadas. Em conferências do roteiro, ele sempre tinha que ter a última palavra. A partir do momento que ele agachava como um coletor de beiseball, eu sabia que ele me daria um sermão.

Com Walter Lang, então, a atitude de Yul era ainda pior. Segundo o diretor, para o astro, tudo o que ele fazia era errado e o Rei fazia questão de afirmar que dirigiria o filme O Rei e Eu (The King and I, 1956) muito melhor do que ele. Tanto que ele se abstinha em apenas direcionar Yul para o seu melhor ângulo. Ademais, os rumores de que Vincente Minelli teria dirigido o número Small House of Uncle Thomas também não ajudou a desmistificar a incompetência de Lang.

 Se você não concordasse com Yul, você poderia esperar ser chamado de um idiota de merda ou muito pior. Ele afirmava que ele era o real diretor do filme e que eu não era necessário. E que sem ele para mandar, o filme seria uma porcaria. - Lang sobre Yul. 

Deborah Kerr, a outra estrela do filme, no entanto, se deu muito bem com Yul e não se cansava de afirmar que o filme não seria nada se não fosse por ele, reafirmando a incompetência do estúdio e seus contratados:

Yul foi a inspiração sólida para esse filme. Ele conhecia e amava cada frase dessa história e tudo deu tão certo pela insistência dele de fazer isso e aquilo do jeito que ele queria. Ele podia ser difícil, mas só porque ele sabia que estava certo. 

Yul Brynner era tão obstinado (e francamente, difícil) que brigou com os executivos da Fox, que ele apelidou maldosamente de 16th Century Fuck, quando eles planejavam mudar o final de O Rei e Eu (The King and I, 1956) para que o Rei morresse não de um coração partido e vergonha e sim ao ser pisoteado por um elefante branco. O ator era persistente e apesar dos executivos rirem de sua explicação para o final melodramático, eles foram convencidos e o final de O Rei e Eu (The King and I, 1956) continuou intocado. 

O ator de origem russa, aliás, também fez questão que mais cenas fossem gravadas com pequenos gestos, salientando o amor entre Ana e o Rei do Sião. A química entre Deborah e Yul se provou explosiva e rumores de um romance entre eles corriam à solta. Para adicionar mais lenha à fogueira, os dois sempre falavam bem um do outro e Kerr já descreveu seu colega de cena como alguém que "emana sex appeal". Nunca foi confirmado esse possível envolvimento, contudo. 

Fotos tiradas por Yul Brynner do set de filmagens - replicadas na revista LIFE
Assim, excluindo as brigas entre Yul, Charles e Walter, a outra maior dificuldade ficou com a voz de Deborah Kerr. Apesar de ter começado aulas de canto com a professora Rhea Shelter, Kerr sabia que não tinha uma voz à altura do desafio. Portanto, após uma busca nacional Jean Bradley foi contratada, mas ela faleceu pouco tempo depois. Em agosto de 1955, foi contratada a novata Marni Nixon (que posteriormente dublaria algumas canções de Rita em Amor Sublime Amor) que conseguiu dublar com perfeição a atriz, replicando os exatos movimentos de Kerr nas cenas enquanto cantava as músicas. O resultado foi uma dublagem perfeita.

A dublagem foi tão perfeita que eu quase me convenci de que tinha cantado todas as músicas. - Deborah sobre Marni.

Rita Moreno, apesar de ter uma linda voz, recebeu a ajuda vocal de Leona Gordon nas notas mais altas de suas canções. Seu par, Lun Than, vivido por Carlos Rivas, foi dublado por Ruben Fuentes. Em sua autobiografia, Moreno afirmou que Carlos era "atraente, talentoso e comprometido a acabar com a discriminação racial". Pelo visto, ela também aprovou a sua co-estrela. 

Os dois grandes casais de O Rei e Eu (The King and I, 1956)
Em 29 de junho de 1956, o filme O Rei e Eu (The King and I, 1956) foi finalmente lançado nos cinemas e se tornou um sucesso absoluto de crítica e público. A película foi indicada a nove Oscars, ganhando Melhor Ator para Yul Brynner, Melhor Mixagem de Som, Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte.

Deborah afirmou que interpretar Anna foi uma das melhores oportunidades de sua carreira, já Yul, apesar de ter ganho um Oscar, não ficou tão feliz assim com o filme:

Eu não gosto do filme. Eu falo em alto e bom som, apesar de estar muito grato de ter conseguido um Oscar por ele. Foi uma pena que o filme deveria ter sido 10 vezes melhor, já que a peça era também.

Yul continuou a interpretar o Rei na peça da Broadway, entre várias temporadas, até a sua morte em 1985. O filme foi tão importante para ele e Deborah que os dois ganharam suas estrelas na Calçada da Fama em março de 1956, na própria Fox em volta dos cenários de O Rei e Eu. Em seu bloco de concreto, além das mãos e pé, Deborah escreveu "and I" e Yul "The King". Os dois blocos estão um ao lado do outro em frente ao Grauman Theater formando o nome da película tão querida para os dois. 

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O Rei e Eu (The King and I, 1956) apesar do aparente e inegável erro de escalação (contratando atores brancos para interpretar tailandeses), é um daqueles musicais que nos fazem sentir acolhidos, amados e sempre será um clássico, não importa que se passem 150 anos.

A atuação e dominância de Yul foi fundamental, apesar dos percalços, para que o filme se tornasse esse sucesso. Tanto que ao parabenizar o ator por sua vitória no Oscar pelo papel em um telegrama, Deborah escreveu:

Uma vitória dupla merecida. Você não é apenas um ator incrível como também é um diretor maravilhoso.
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