Confira quatro fatos curiosos sobre o Brasil no Oscar

É como dizem: saber sobre nossa história é importante para que possamos evoluir. Em 2017, por exemplo, é a primeira vez que temos atores negros indicados ao Oscar em todas as quatro importantes categorias: de melhor atriz, de melhor ator, além de atriz e ator coadjuvante. Mesmo assim, se pararmos para pensar, a falta de diversidade da academia é de chorar: em 1940 quando Hattie McDaniel ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo E o Vento Levou..., ela nem ao menos pode sentar ao lado de seus colegas de elenco já que o prédio em que a cerimônia estava sendo realizada, a Cocoanute Groove NightClub, tinha uma política de segregação entre negros e brancos. 

E não são só os negros que sofreram com o racismo da academia: Merle Oberon, atriz com descendência indiana que tentava, à todo custo, esconder suas raízes foi a única indicada a um Oscar de Melhor Atriz em 1935. Ben Kingsley é também o único descendente de indianos que ganhou um Oscar de Melhor Ator por Gandhi até agora. O talentosíssimo Dev Patel é o terceiro indiano indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Como um país com uma população de mais de 1 bilhão de pessoas teve apenas três representantes no Oscar? A disparidade é espantosa! 

O Brasil, como país, também passou por várias injustiças. Este ano, por exemplo, Aquarius foi esnobado para uma indicação ao prêmio em favor do filme: O Pequeno Segredo, fato que alvoroçou os fãs da sétima arte. Desde 1963, com a indicação do filme O Pagador de Promessas, o Brasil tenta ganhar a tão cobiçada estátua de Melhor Filme Estrangeiro. Mas não se alarmem: o Brasil faz parte dos 90 países que nunca ganharam um Oscar para seus filmes, ou seja, há ainda esperança para todos. 

Portanto, nesta nossa edição da A Listinha, revisitaremos algumas curiosidades sobre o Brasil durante seus percalços nessa premiação importante do entretenimento.


O caso de Fernanda Montenegro
Divulgação/Montagem

Caso de indignação até hoje, Gwyneth Paltrow ganhou seu Oscar de Melhor Atriz em 1999 por sua atuação como Viola em Shakespeare Apaixonado (1988), As má-línguas dizem que ela roubou esse papel de sua então melhor amiga Winona Ryder quando teria visto o roteiro do filme na casa dela. Paltrow logo depois teria feito um teste para o longa-metragem pelas costas de Ryder e, assim, conseguido o papel.

Mas no caso de Fernanda Montenegro foi diferente. A primeira, e única, atriz brasileira a ser indicada para o Oscar, todos estavam torcendo para que ela trouxesse ao Brasil a tão desejada estátua de ouro pela sua interpretação como Isadora no filme Central do Brasil (1998). Suas outras concorrentes, além de Paltrow, eram Cate Blanchett, Meryl Streep (que em 2017 recebeu sua vigésima indicação ao prêmio, quebrando seu próprio recorde) e Emily Watson.  

Até hoje a vitória de Gwyneth pelo Oscar de Melhor Atriz é alvo de diversas discussões, porque, apesar de Shakespeare Apaixonado ser um filme divertido e de vários críticos da época, como no jornal New York Times, definirem a atuação da atriz como "de tirar o fôlego", a maioria do público cinéfilo discorda, principalmente os brasileiros, que não se conformam que Fernanda não tenha ganhado o Oscar. 

O caso do filme Orfeu Negro (1959), co-produção do Brasil e da França 
Divulgação
O Brasil não ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Orfeu Negro, mesmo ele tendo sido gravado e filmado por atores brasileiros. Quem ganhou foi a França, durante o Oscar de 1960. Ainda não entendeu? A explicação é simples: a produção do filme, baseada no mito grego de Orfeu com sua amada Euridíce, foi toda feita por profissionais franceses. Do Brasil, haviam apenas as locações; o filme se passava no Rio de Janeiro; e alguns atores contratados, inclusive Breno Mello que interpretou o protagonista da história e era, antes de participar do filme, apenas um desconhecido.

Por isso, quando o longa ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o prêmio foi para a França, que foi o país que submeteu o filme à Academia. Mas o Brasil há de se orgulhar: Orfeu Negro é o único filme a ter ganhado a estatueta que é todo falado em português. Além do mais, o diretor do filme, Marcel Camus, conseguiu ajuda do então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek para utilizar os equipamentos de filmagem do país, já que ele tinha gastado quase tudo de seu limitado orçamento.  

Quem não gostou do filme foi o poeta Vinícius de Moraes, cuja sua obra Orfeu da Conceição foi a inspiração para o longa. Segundo o livro A vida louca da MPB de Ismael Canepelle, ao assistir a primeira sessão de Orfeu Negro, ao lado do diretor Marcel e o presidente Juscelino Kubitschek, ele saiu furioso da sala, irritado com o exotismo exagerado da produção. Este foi um entre vários filmes que ajudaram a perpetuar a noção errônea de que a vida no Brasil é uma festa constante.  


Ary Barroso, o primeiro indicado ao Oscar do Brasil
Domínio Público
Antes mesmo do Brasil conseguir sua chance nos holofotes com a indicação do Pagador de Promessas como Melhor Filme Estrangeiro em 1964, o músico Ary Barroso já havia sido indicado, 20 anos antes pela composição de sua belíssima música intitulada Rio de Janeiro para o filme Brasil (1944). A única pegadinha é que o longa-metragem foi todo produzido nos Estados Unidos e quem acabou cantando a canção foi o ator mexicano Tito Guizar, que interpretava, ironicamente, um brasileiro. 

O ganhador do Oscar de Melhor Canção Original em 1945 foi a Swinging on a Star do filme O Bom Pastor (Going My Way) de 1944. Vale ressaltar que Ary foi responsável por fazer o arranjo da música Rio de Janeiro enquanto que a letra da canção foi composta por Ned Washington, que, posteriormente, ficou responsável por escrever em trilhas sonoras de filmes como Meu Maior Amor (1949), Matar ou Morrer (1952) e até da animação Pinóquio (1941).  

Mas Ary Barroso não estava muito atrás não: o músico compôs o arranjo da querida Aquarela do Brasil, escreveu inúmeras músicas para a estrela Carmen Miranda em filmes como Entre a Loira e a Morena (1943) e Alegria, Rapazes! (1944). Na época de sua indicação os Oscar, ele tinha contrato com a Republic Pictures, mas estava em fase de negociação com a Twentieth Century Fox, tanto que foi a Fox que deu um ingresso ao músico para participar do Oscar de 1945, pelo qual ele estava concorrendo. Outra curiosidade, segundo a biografia No Tempo de Ary Barroso de Sérgio Cabral, foi que o músico ficou desconcertado ao descobrir, durante a cerimônia, sentando ao lado do astro Humphrey Bogart, que o mesmo perderia o Oscar de Melhor Ator para Paul Lukas. Gilberto Souto, o repórter que acompanhava o músico, contou que Ary ficou mais emocionado do que o próprio ator pela derrota. 

Sonia Braga foi, até agora, a única brasileira a atuar como apresentadora no Oscar
Divulgação/Youtube
Sonia Braga é uma daquelas atrizes super talentosas: começou a atuar com 14 anos de idade e nunca mais parou. Indicada a diversos prêmios durante sua carreira, incluindo recentemente como melhor atriz no Cesar's, considerado o Oscar francês, por Aquarius (2016), a atriz fez uma baita de uma aparição durante a cerimônia do Oscar em 1987. 

Seu filme, O Beijo da Mulher Aranha (1986), uma co-produção do Brasil com os Estados Unidos, ganhou quatro indicações à estatueta: de melhor ator para o americano William Hurt, o de melhor diretor para Hector Babenco, além de melhor filme e roteiro adaptado. O único ganhador foi Hurt, convenientemente o único americano do filme. 

Mesmo assim, a cerimônia nos concedeu a ótima participação de Sonia apresentando o prêmio de Melhor Curta de Animação ao lado de Michael Douglas. Ela permanece, até hoje, a única brasileira a apresentar um prêmio no Oscar. Caetano Veloso, aliás, foi o único músico brasileiro a fazer uma performance no prêmio, ao lado da cantora Lila Downs com a música Burn it Blue, o tema do filme Frida, que concorreu ao Oscar de Melhor Canção Original. Isso que é poder do Brasil! 





A comédia maluca de Confissão de Uma Mulher (1937)

Uma das atrizes cômicas mais engraçadas da golden age de Hollywood, Carole Lombard começou a sua carreira cedo, quando tinha apenas 12 anos de idade, no filme A Perfect Crime (1921), quando ainda era conhecida como Jane Peters. Sua grande chance de sucesso, no entanto, veio a partir dos anos 1930, quando adicionou um e no final de Carol e moldou sua imagem como a engraçada e doce Carole Lombard também nas telonas de cinema. 

O último e quarto filme que ela fez ao lado do ator Fred McMurray, o Confissão de Uma Mulher (True Confession) demonstra exatamente essa personalidade cômica da atriz. No filme ela interpreta Helen Bartett, uma mulher casada com seu querido e honesto marido Ken Bartett (Fred McMurray). O problema é que ele é um advogado que não aceita representar alguém que for culpado. Com dívidas se amontoando, ela resolve aceitar um emprego para ser secretária que parece bom demais para ser verdade. E era! O novo patrão de Helen tenta assediá-la e transtornada ela sai de lá, esquecendo sua bolsa. Quando ela volta com sua amiga Daisy (Una Merkel) descobre que Krayler foi assassinado e ela é a principal suspeita! 

Mas é claro que como o filme é uma screwball comedy, ou seja, uma comédia com situações inesperadas, não espere uma busca pela verdade absoluta ou um suspense de arrepiar os cabelos. Você vai é dar risada de cada bagunça e mal entendido que Helen faz com que seu marido e as pessoas à sua volta passem. 

Carole Lombard é repleta de caras e bocas                                Paramount Pictures/Gif
De acordo com a biografia da estrela Carole Lombard: a Twentieth Century Star de Michelle Morgan, a atriz continuava a pregar peças hilárias em seus colegas, hábito pelo qual ela ficou conhecida nos bastidores de seus filmes. Mas ela também era extremamente competente e segundo sua co-estrela Una, já na segunda semana de filmagem de Confissão de Uma Mulher, eles estavam cinco dias adiantados na escala e que durante toda a produção apenas ocorreu uma regravação de cena. 

A atriz estava muito animada de fazer o filme para trabalhar com o roteirista Claude Binyon porque ela sempre admirou seu trabalho na Paramount, como conta o livro Carole Lombard: a bio-bibliography de Robert Matzen. Aliás, esse foi seu último trabalho na produtora já que logo passou para a RKO, com muito sucesso. Mas Confissão de Uma Mulher também colocou em voga sua amizade com o grande ator John Barrymore que no filme interpretava o bêbado pilantra Charley Jasper. Ainda segundo o livro de Michelle Morgan, foi a partir daí que ela começou a lutar para que Barrymore, com quem ela já havia trabalhado no filme super bem-sucedido Suprema Conquista (Twentieth Century), conseguisse mais papeis no cinema, apesar de seu vício com a bebida. 

Una e Carole se tornaram boas amigas durante o filme              Paramount Pictures/Divulgação
Todo mundo que trabalhava com Carole afirmava inúmeras vezes como ela tinha uma natureza bondosa, como era uma ótima colega, livre de vaidades que as grandes estrelas possuíam na época. Quem não estava livre desse egocentrismo era o produtor David Selznick, que criou sua própria produtora de filmes, a Selznick International Picture, que já com contrato fechado com Carole não gostou de saber que ela interpretaria em Confissão de uma Mulher, uma personagem erroneamente acusada de um crime, assim como no longa que ele estava produzindo com ela, o Nada é Sagrado (Nothing Sacred), do mesmo ano. A tensão foi tanta que ele fez com que seu filme fosse lançado antes de Confissão de Uma Mulher para ter sucesso. E ele conseguiu! Se bem que quem não gostaria de ver Carole Lombard em cores? O seu único filme que não foi filmado em preto-e-branco foi um sucesso de crítica e público.

Mas isso não tira o mérito do filme Confissão de Uma Mulher. Com um elenco afinadíssimo e uma história cativante, o longa é o tipo de história que vai fazer com que o telespectador ria do começo ao fim. Fred McMurray, apesar de não ser o protagonista deste filme, faz uma participação coadjuvante muito boa, mesmo que todos os olham fiquem voltados à Carole, sem que se possa evitar. 

Menos quando ele tira a camisa, é claro!                               Paramount Pictures/Gif
E não foram apenas risadas que o filme arrancou, não! Para os atores provou, também, como a vida em Hollywood é uma coincidência sem fim. Isso porque a atriz que interpreta a empregada do casal no filme, a Hattie McDaniel, atuaria mais tarde ao lado de Clark Gable no que é considerado um dos maiores filmes de todos os tempos E o Vento Levou...(1939). Carole já estava namorando com o ator há mais de dois anos e acabaria se casando com ele durante as gravações desse premiado longa-metragem. 

A vida é repleta de coincidências, assim como no filme Confissão de Uma Mulher       Divulgação/Montagem


Um dos filmes mais adorados pelo público de Lombard, Confissão de Uma Mulher mostra a atriz em ótima forma em um filme subestimado e nos garante uma grande diversão, com direito a gargalhadas e tudo que há de bom! 


O estilo do casal Bogart e Bacall em Uma Aventura na Martinica (1944)

Lauren Bacall e Humphrey Bogart se apaixonaram sob circunstâncias incomuns. Ela, com 19 anos de idade, nunca tinha sequer atuado antes e tinha medo da rejeição que temia sofrer no set de filmagens Uma Aventura na Martinica (1944). Bogart, com 25 anos a mais do que que Lauren, estava preso em um casamento infeliz, seu terceiro, com a atriz Mayo Methot. Os dois, por destino ou por sorte, acabaram juntos, por mais de 12 anos, com uma química que rendeu quatro filmes de sucesso. 

No primeiro filme do casal juntos foi quando Lauren Bacall começou a firmar sua imagem de femme fatale. Sua personagem chamada Slim era uma cantora em um bar na Martinica, no Caribe, e acaba se apaixonando pelo capitão do navio pesqueiro Harry (Humphrey Bogart). Mas o que algumas pessoas podem desconhecer é que a personagem Slim foi baseada na esposa do diretor do filme, Howard Hawks. Ela chamava-se Nancy 'Slim' Keith e era uma socialite e modelo famosa. E é claro, que para a Slim verdadeira, o estilo significava muito. 

Foi graças à esposa de Hawks, aliás, que Bacall foi descoberta. Para ser completamente precisa, o autor Todd McCarthy conta no livro Howard Hawks: The Grey Fox of Hollywood, como Lauren na edição de fevereiro de 1943 na revista Harper's Bazaar adorou a jovem que parecia tanto com ela que seu marido também gostaria de transformá-la em uma nova estrela. Slim tinha razão e um ano depois a personagem do livro de Ernest Hemingway To Have and Have Not foi moldada de acordo com Slim Keith.

A cena mais lembrada do filme                                                        Warner Bros/Gif
O figurinista responsável pelas roupas de Lauren Bacall tinha uma vasta experiência no cinema, bem antes de ela sequer pensar em se tornar uma estrela. Milo Anderson criou todas as vestimentas, no total quatro, que Lauren usou no longa-metragem Uma Aventura na Martinica (1944). Nascido em 9 de janeiro de 1910, ele começou a aprender tudo sobre moda por si só, e ganhou sua grande chance em 1932, ao terminar de criar os figurinos para o filme Cortesãs Modernas (The Greeks Had a Word for Them). Tudo aconteceu, de acordo com o livro Creating the Illusion de Jay Jorgensen, porque Milo estava namorando com um antigo colega de escola, que chamou a atenção de outro figurinista, o famoso Adrian Greenberg.
Chateado porque seu paquera escolheu Milo, Adrian, que foi impedido de continuar no filme já que a parceria de Coco Chanel com o diretor da produtora MGM, Samuel Goldwyn, não estava dando certo, resolveu indicar Milo Anderson como uma piada, esperando que ele se desse muito mal. O que aconteceu foi exatamente o contrário: Milo trabalhou regularmente em 117 filmes e Uma Aventura em Martinica foi um deles.

Baseando o estilo da personagem Marie 'Slim' Browning na esposa do diretor, Milo criou quatro roupas, com o máximo da elegância, sem decotes ou saias com frestas, apostando na beleza de Lauren Bacall e na chamada sensualidade sofisticada. A primeira vez que avistamos a personagem, ela está usando um tweed quadriculado, um conjunto com paletó e saia, bem discreto, fazendo com que a jovem atriz parecesse anos mais velha do que ela realmente era. Uma bolsa saco do mesmo tecido do conjunto e uma boina preta completavam o visual, além do relógio, a pulseira de ouro e o cigarro é claro. 

Slim deixava sua marca clara: sensual e elegante                              Warner Bros/Divulgação
Já no caso do personagem de Humphrey Bogart, o Harry 'Steve' Morgan, ele apenas tem duas trocas de roupas durante o filme todo. Uma é seu uniforme de marinheiro, com o chapéu, o paletó azul-marinho e um lenço amarrado no pescoço, além de sua calça jeans e o relógio, com a tira de couro. O outro visual é uma camiseta de manga longa, com abotoaduras simples, uma calça reta, a parte de cima de um terno trespassado, na moda naquela época, e só. Assim, esses dois visuais evidenciam, não a simplicidade do personagem, mas sua falta de vaidade, permanecendo durão e mais focado nas pessoas que pode ajudar do que em si mesmo. O personagem é uma reflexão da persona durona de Bogart na época: simples, mas nunca simplório. 
As roupas ajudaram a moldar a personalidade direta do personagem              WarnerBros/Divulgação
Apesar de Uma Aventura na Martinica não ser necessariamente um filme noir, já que a personagem de Bacall não leva Harry à loucura e não há nenhuma grande trama a ser descoberta, a paleta de cores é a mais neutra possível. As cores das roupas dos personagens são em sua maioria bege, preto e azul marinho, mesmo que toda a ação aconteça em uma ensolarada ilha no Caribe. Isso serve, também, para mostrar a maturidade dos personagens, principalmente quando se trata de Slim

O vestido no comprimento do joelho e o decote discreto eram requintados          Warner Bros/Divulgação
Uma cantora iniciante na ilha, ela atrai a atenção de Steve logo de cara e é extremamente aberta sobre sua sexualidade, mesmo que suas roupas não deixem o fato explícito. É quase como se Howard Hawks quisesse deixar o rosto de Bacall em evidência, com as roupas o mais discretas e elegantes possíveis, deixando assim, a atriz, como uma tela em branco da qual ele poderia moldar e transformar em sua mais nova estrela. 
Uma das jogadas mais interessantes do filme e do figurino, no entanto, é que são com as mesmas roupas que vemos nossos protagonistas pela primeira vez, que eles vão embora da ilha. As vestimentas representam um novo começo, quase como se para os personagens, o filme estivesse começando outra vez, em outro lugar, com apenas eles mesmos. 
Uma das últimas cenas dos personagens                            Warner Bros/Divulgação
Ou apenas com Lauren Bacall e Humprhey Bogart, já que depois da finalização do filme, o ator se divorciou de sua esposa e 13 dias depois, ele e Bacall estavam unidos pelo sagrado matrimônio e por mais três filmes de sucesso, com figurinos maravilhosos para ela e a mais nova estrela de Hollywood. 

Um final mais estiloso, impossível.


Doutora Quinn: exemplo de mulher forte

Uma médica, a mais nova de cinco filhas, vinda de uma família rica e com todos os recursos necessários, acaba decidindo se mudar para uma cidade no interior dos Estados Unidos, no século XVIII e assim se descobrir na nova fronteira do Colorado Springs. Lá, ela é discriminada por ser uma mulher, solteira, e o pior de tudo: afirmar, com todas as letras e com o seu diploma, de que ela é uma doutora. O único laço de amizade que Michaela Quinn (Jane Seymour) forma é com a simpática Charlotte Cooper que tem três filhos: o mais velho Matthew (Chad Allen), a irmã do meio Colleen (Erika Flores)  e o pequeno Brian (Shawn Tooney). 

Depois de um começo conturbado na cidade, Michaela consegue conquistar a confiança de alguns moradores e inclusive dos índios, além do corajoso Sully (Joe Lando) de quem recebe muito ajuda a iniciar seu trabalho como doutora. Mas a série Dra. Quinn: A Mulher Que Cura é sobre Michaela e seus pacientes. Sua família está presente, é claro, mas é quebrando as barreiras como uma mulher da medicina que a doutora enfrenta o machismo, ainda mais grave na época, e a teimosia que as pessoas tinham ao ver o desconhecido sendo desbravado por uma mulher. 

A série passava aqui no Brasil nos anos 90 no SBT                        Divulgação/Montagem
O impacto da atuação de Jane Seymour na pele da personagem, que a fez ganhar um Globo de Ouro por sua atuação, somente acrescentou mais credibilidade a doutora Michaela Quinn. A vida toda, ela foi criada de igual para igual por seu pai que atendia todos seus pacientes ao lado dela, como em um clínica compartilhada. Sua morte foi o estopim necessário para que Quinn começasse a procurar um lugar onde não tivesse que lutar tanto para ser aceita. O problema é que isso não existe e ela apenas percebeu que teria que lutar mais para conquistar seu posto de direito, não importa se a cidade em que estava fosse mais desenvolvida ou não. 

Já no primeiro episódio da série conseguimos admirar a tenacidade da doutora Quinn. Em uma cidade dominada por homens, ela faz questão de tratar qualquer paciente, seja ele negro, índio ou uma prostituta. O que ela menos atura é a presunção dos homens, como ela mesma faz questão de mencionar. Aliás, no quarto episódio da primeira temporada, ela continua vivendo ao seu lema de contar a verdade e quando uma matriarca morre de apendicite, ela faz questão de ficar na frente de todos e contar o que realmente aconteceu: mesmo engolindo seu orgulho. 

Assim, não é de se surpreender de que foi necessário uma mulher forte para criar outra semelhante. A criadora da série Beth Sullivan baseou muito dos personagens em sua própria família. Com a doutora Quinn, ela revelou que pensou nela mesma, ao fazer uma entrevista para o jornal LA Times: "A personagem é muito próxima de mim. Eu a criei pensando: 'O que eu faria se vivesse in 1867?' A maioria desses problemas estão ligados com o que lidamos hoje, como ser uma profissional mulher, tentando fazer isso de uma maneira na qual você é aceita sem ser mandona ou amarga e sem ter as coisas negativas que as pessoas tendem a associar com mulheres no comando." 

Dra. Quinn foi um sucesso de série que rendeu mais dois filmes                           Divulgação/Gif
O romance de Michaela e o solitário Sully funcionou na série porque os dois tinham personalidades fortes e se apoiavam sempre que era necessário. Podemos perceber o respeito mútuo que existe entre eles quando Sully fala sobre a doutora, durante a terceira temporada: "Existe apenas uma coisa que eu sei sobre mulheres...você tem que ser sortudo para achar a certa e então nunca largá-la." 
Jane Seymour, aliás, também revelou em uma entrevista para a ABILITY Magazine que ela acredita que sua personagem é, sim, um modelo de mulher forte: "Ela é a mãe de uma família e ela tenta ajudar as pessoas na cidade em que ela está a não serem racistas, preconceituosos e tenta ajudá-los ecologicamente - ela é basicamente uma mulher dos anos 1990 na década de 1870." 

Dra. Quinn foi uma das primeiras séries de televisão com uma mulher protagonista que provou que uma personagem feminina central pode ser rentável. Muito do que Michaela enfrentou naquela época ainda se aplica a nós, mulheres, atualmente. A série enfrentou críticas de que não seria bem sucedida porque se passava no Velho Oeste, acompanhando uma mulher que praticava medicina. Disseram que não haveria interesse. Estavam enganados: Dra. Quinn: A Mulher Que Cura durou por seis temporadas e teve dois filmes feitos para a televisão. Isso só prova que Michaela Quinn nem sequer precisa de Sully, mas com certeza, ele é um bônus. 

Não mesmo!                                                           Divulgação/CBS/Gif


A música de Nino Rota para Romeu e Julieta (1968)

Uma das histórias de amor mais conhecida no mundo todo, Romeu e Julieta de Shakespeare já foi adaptada em mais de 30 filmes e peças, isso sem falar em danças e filmes de animação. Mas a versão de 1968, dirigida por Franco Zeffirelli se tornou minha favorita desde que assisti o filme, durante a aula de literatura na minha escola, quando tinha 14 anos de idade. 

Naquela época, eu pouco sabia sobre os atores e até mesmo sobre o diretor da obra e, mesmo assim, o longa-metragem me fascinou tanto quanto a trilha sonora de Romeu e Julieta, composta por ninguém menos do que Nino Rota, que é famoso por seu trabalho de compositor para criar o tema do filme O Poderoso Chefão (1972), pelo qual ganhou um Oscar junto de Carmine Coppola.

Nascido em Milão, na Itália, em 3 de dezembro de 1911, Nino já era conhecido como uma criança prodígio na música. tanto ao compor músicas quanto ao comandar orquestras. Sua primeira experiência como músico foi em abril de 1922, aos 11 anos de idade, ao finalizar o tema do oratório Infanzia di S. Giovanni Battista para vocalistas solos, coro e orquestra. De acordo com o livro Nino Rota's The Godfather Trilogy: A Film Score Guide de Franco Sciamenno, ele até foi rotulado como o "novo Mozart" por um jornal local. 

Nino ainda compôs para filmes como La Dolce Vita e 8¹/²             Divulgação/Domínio Público
Muitos anos depois, já que sua estreia como compositor de filmes aconteceu em Treno Popolare (1933), com a parceria com o diretor Franco Zefirelli já acertada, apareceu a oportunidade de adaptarem a peça de Shakespeare para as telonas. A conversa entre o diretor e compositor sobre essa possibilidade ocorreu enquanto ambos trabalhavam no filme A Megera Domada (1953) com Elizabeth Taylor e Richard Burton. Zefirelli, confiante após o sucesso de A Megera, e já tendo adaptado Romeu e Julieta no começo de 1960, deve ter achado que a história dos dois jovens amantes seria mais um sucesso para ele, como conta o livro Romeo and Juliet de Jill Levenson, e ele não estava errado não: até hoje essa é a adaptação de Romeu e Julieta mais bem-sucedida no mundo todo.

Assim, não demorou que Nino concordasse em fazer parte dessa produção, já que ele, anteriormente, havia criado as músicas para Zefirelli quando a peça de Romeu e Julieta estava nos palcos da Itália. Ainda de acordo com Sciamenno, a canção mais querida do filme, a música-tema de amor entre os dois jovens, chamado de What is a Youth, foi construída por uma escala menor, chamado modo eólio, que os gregos utilizavam, deixando a harmonia mais leve. E leveza e nuances não faltam neste longa-metragem, que contava com os iniciantes Leonard Whiting como Romeu e Olivia Hussey como Julieta. 

Zefirelli apostou em dois atores desconhecidos e a química deu certo                    BHE Films/Gif
Logo no prólogo do filme, os acordes utilizados para a canção são extremamente melancólicos, quase como se já nos dissessem, pelas entrelinhas, que o amor de Romeu e Julieta nunca dará certo. Até mesmo as canções na parte do baile, apesar de terem um estilo renascentista, nunca são de fato alegres. Elas permeiam toda a tragédia da vida dos dois amantes, como um aviso que nos assombra.

Até a música quando conhecemos os personagens deixa claro a intenção de Nino Rota. Ao avistarmos Romeu, por exemplo, a canção nos transmite a sensação de esperança que ele sempre teve quando se trata de amor, tanto que na primeira vez que ele aparece na tela, ele está segurando algumas flores, presentes para sua antiga amada Rosaline. Ele, assim como o tema, representam o poder do amor juvenil, aquele que parece nunca ter um fim.

Já com Julieta, a canção tem acordes bem mais alegres, quase como se ela representasse a juventude por si só. Sua primeira aparição acontece enquanto ela espia através da janela, remetendo a famosa cena do balcão entre Romeu e ela. Ela representa, tanto quanto a música, a vivacidade e a alegria de viver, o que atraiu seu amado até ela. A música deixa isso muito mais claro.

Johnny Mathis ao cantar a versão de What is a Youth

O cuidado de Nino Rota ao montar a trilha sonora do filme valeu a pena. O tema de amor do longa-metragem se tornou o número um nas paradas de sucesso, já que no baile dos Capuletos existe um cantor professando os versos com a música, e ganhou uma versão no ano seguinte, em 1969, chamada a Time for Us, pelo compositor Henry Mancini, que deixou a canção um pouco mais rápida com a voz do cantor Johnny Mathis. Um CD com a trilha sonora do filme foi lançado antes, em 1968, e é necessário para qualquer amante desse clássico. 

De acordo com o livro The Invisible Art of Film Music: A Comprehensive History de Laurence E. MacDonald, o tema, aliás, tem várias outras nuances que ouvidos não treinados para música podem deixar passar batido: quando Romeu vê Julieta dançando no baile, a canção ressoa com um oboé sob o fundo do efeito trêmulo de cordas. Isso se refere a ânsia de se apaixonar. O coração batendo mais forte, o aumento das batidas do coração. 

Nenhuma música neste filme, seja apenas ao fundo enquanto os personagens conversam, ou preparando o clima de uma cena em particular, é usada em vão. Nino Rota nunca o permitira e os amantes de Romeu e Julieta o agradecem por isso. 

O visual provocante do filme bollywoodiano Devdas (2002)

A história de um amor nunca realizado, de dois jovens separados por suas famílias e pelas suas próprias vaidades, foi escrita em 1917 pelo escritor bengalense Sarat Chandra Chattopadhyay quando ele tinha apenas 17 anos de idade, mas foi apenas publicado 16 anos depois. Um dos escritores mais amados da Índia, ele permanece no topo como o autor com mais livros traduzidos, plagiados e adaptados. 

Sua novela Devdas, com pouco menos de 128 páginas, já foi adaptado na Índia mais de dezesseis vezes, com a primeira versão sendo produzida em 1928. As primeiras versões da história mostraram muito bem a opulência e, posteriormente, a decadência de Devdas, mas para a adaptação de 2002, o diretor Sanjay Leela Bhansali e o diretor de arte Nitin Chandrakant Desai buscaram representar o cinema indiano, o amado Bollywood, da maneira mais extravagante que poderiam conseguir. E o resultado foi um filme com um apelo visual de tirar o fôlego. 

O ator Shah Rukh Khan e a querida Aishwarya Rai são os protagonistas       Red Chilles/Mega Bollywood/Gif
Com este cenário, Sanjay e Nitin conseguem invocar a rasa:  uma teoria do cinema indiano que, segundo o livro Understanding Indian Movies de Patrick Hogan, se refere ao sentimento que impacta o público do filme. A principal função dessa teoria é criar um estado perfeito de beleza para seus espectadores se deslumbrarem, seja através da dança ou dos cenários. O filme Devdas (2002) conseguiu juntar os dois perfeitamente. 


No longa-metragem, que demorou mais de dois anos para ser concluído, conhecemos Devdas (Shah Rukh Khan), que apesar de estar estudando fora da Índia por mais de dez anos, continua apaixonado por sua namorada de infância, Paro (Aishwarya Rai). O único problema é que ele é rico e ela uma mera filha de um servente. A família dele se opõe a união e cada vez mais ele afoga suas mágoas na bebida, um triste caminho que nem a apaixonada prostituta Chandramukhi (Madhuri Dixit) consegue livrá-lo. 

A começar pela opção de enquadramento panorâmico, com a primeira visão do filme sendo a mansão luxuosa da família de Devdas, os Mukherjee, que ficam eufóricos ao saber do retorno de Devdas, que estava estudando em Londres, na Inglaterra, por mais de dez anos. Outra técnica utlizada é o travelling, já que conhecemos o interior da casa da família quando eles correm por ela, felizes pelo retorno do filho pródigo. Esse posicionamento da câmera ocorre outras vezes no decorrer do filme, para deixar em evidência um set construído nos mínimos detalhes. 


Cada set foi construído com o maior cuidado e luxo         Red Chilles/Mega Bollywood/Divulgação
O filme mais caro já feito por Bollywood, custando 50 crores, ou seja, mais de 23 milhões de dólares, Devdas foi o primeiro grande sucesso depois de um ano ruim para a indústria de filmes indianos. De acordo com o site India Today em seu artigo Devdas: Hollywood Gamble, na construção de apenas seis sets foi gasta a quantia de 20 crores, que são em torno de nove milhões de reais. 

Os sets, aliás, necessitavam de uma quantidade extrema de iluminação e ao invés de usarem dois ou três geradores, como de costume, tiveram que usar 42 deles e pedir a ajuda de 700 iluminadores que trabalharam com mais de 2.500 lâmpadas. Como se isso só não bastasse para que tivéssemos uma clara ideia do luxo da produção, não para por aí. Ainda segundo o artigo do site India Today, foram necessárias 12 quilos e 200 gramas de vidro manchado para tornar o quarto de Paro em um espaço privado. 

Já para o pequeno palácio da segunda amante de Devdas, Chandramukhi, o preço foi uma exorbitante quantia de 12 crores (cinco milhões de reais). Nitin Chandrakant Desai já era conhecido por sua extravagância e depois de trabalhar com filmes desde 1989, ele criou os sets para o filme Quem Quer Ser um Milionário (2009), ganhador de inúmeros Oscar. Em entrevista ao site Real Bollywood, via Hamaraphotos, ele afirmou que quase sempre constrói seus sonhos através de seus sets. E que sonhos lindos ele deve ter! 


A riqueza dos detalhes dos set são sempre vistas de forma panorâmica   Red Chilles/Mega Bollywood/Divulgação
Ao se casar com um homem mais velho, aristocrata, Paro se vê cercada de luxo e de roupas finas, morando em uma mansão duas vezes maior do que a de seu amado. O entulhamento da sua nova morada funciona quase como uma claustrofobia, relembrando-na de sua antiga casa, que era aberta e a deixava livre. Algo que ela nunca mais experimentará: assim como seu amor com Devdas. 

Outra jogada de mestre do diretor para exibir os lindos cenários que Desai construiu foi filmar a jovem Paro em duas situações: quando ela encontra o seu amado e quando o perde. Em ambas as situações ela sai correndo por toda a casa, permitindo que o público consiga observar todos os detalhes da casa, sejam seus os livros, os armários e até a decoração interna dos cômodos. 


Paro perde toda a sua vitalidade ao perder seu amor        Red Chilles/Mega Bollywood/Divulgação
Os cenários, assim como os trajes dos personagens revelam muito sobre os personagens. No caso de Paro, ela vive, literalmente, em uma casa de vidro, que assim como seu amor, pode quebrar em qualquer momento. Já Devdas vivia na abundância, mas em um quarto extremamente simples, pintado de amarelo e com poucos móveis, o que significa que ele não se importava com as riquezas da sua família: ele apenas queria ser amado. 

No caso de Chandramukhi, a apaixonada sempre viveu cercada de ouro, mas pretende desistir de tudo assim que encontra alguém por quem valha a pena amar. 

Alguns dos belíssimos cenários do filme           Red Chilles/Mega Bollywood/Divulgação
Parece que para o diretor de arte Desai, os cenários acompanham a vida dos personagens, quase como se fossem animados e pudessem nos contar, detalhe por detalhe, sobre a história do filme. E talvez em Devdas (2002), eles realmente possam, já que são tão majestosos quanto a própria história. 


Real ou Fictício? Analisando a saga Sis(s)i: A Imperatriz da Áustria

Conta-se a lenda que o Imperador Franz Joseph, da Áustria, se apaixonou por Elisabeth Amalie Eugene, assim que colocou os olhos nela. O encontro fatídico aconteceu na cidade de Bad Ischl, na Aústria, em um famoso resort no verão de 1853, antes do aniversário de 23 anos do imperador. A prometida para o Franz era sua irmã mais velha, Helene, mas o vigente do trono se encantou por Sisi, mesmo com aquele nada favorável vestido preto de luto que a família usava por causa da morte de sua tia. 

Mas, diferente do que a trilogia de filmes alemães da imperatriz, mostra, Elisabeth odiava a vida na realeza e nas mãos de sua dominante sogra, Sophie. Ela amava Franz, mas não desejava ser uma imperatriz. Ela era tímida demais e sem conhecimento dos protocolos adequados. 
Porém na trilogia, dirigida por Ernst Marischka, o diretor optou por romantizar várias partes da vida dela, como é de praxe em filmes biográficos. O título do filme já nos deixa intrigados, afinal porque Sissi com dois 'S' se o apelido da imperatriz era com um só? De acordo com o livro Sissi: The Tragic Empress por Ludwig Merkle, esse erro é comum porque as pessoas que a admiravam ou queriam honrá-la, chamavam-na de Sissi e até de Sissy. 

Sisi era conhecida por sua beleza deslumbrante, mas foi mais do que isso         Divulgação/Montagem/Erma Film
Deixando de lado o seu apelido, é notável afirmar que a saga de filmes apenas se focou nos momentos mais felizes da imperatriz, mostrando as tragédias como passageiras. 

Por isso, na nossa série Real ou Fictício?, a Caixa de Sucessos irá analisar os três filmes de Sissi e mostrar suas semelhanças e diferenças da vida real da imperatriz da Áustria, que depois se tornou Rainha da Hungria. 
  • Real ou Fictício: a infância de Elizabeth não ocorreu de acordo com as normas da realeza: Real
Sisi teve uma infância em contato com a natureza                         Erma Film/Divulgação/Gif
"Se não fossemos da realeza, nós teríamos sido corredores de cavalo." Foi com esta frase do pai de Elisabeth, o duque Max, definiu perfeitamente a infância de Sisi. Nascida no dia 24 de dezembro de 1837, ela foi a quarta filha do duque Maximilliam e da duquesa Ludovika da Baviera. 

Com uma infância longe da Corte, Sisi muitas vezes deixava de fazer suas lições e até deixava de estudar apenas para andar de cavalo e brincar na sua grande propriedade, um castelo, construída na cidade de Possenhonfen, na Baviera, Alemanha. 

Segundo o livro The Imperial Style: Fashions of the Hapsburg Era de Polly Cone, ela e seus seis irmãos se divertiam com seus vários animais, escalavam as montanhas da Baviera com facilidade, além de pescar, dançar e tocar um pouco de música. Porém, quando se tratava de erudição, nem Max e nem seus filhos se preocupavam com isso. 

Para Elisabeth, terrivelmente tímida e envergonhada, aquela liberdade sempre foi muito querida e perdê-la quando se tornou rainha a deixou extremamente deprimida. 
  • Real ou Fictício: Sisi e o Imperador se apaixonaram à primeira vista: Real 
Sisi e Franz se entenderam imediatamente                              Divulgação/Domínio Público
A controladora princesa Sophie da Baviera, mãe do pretendente mais cobiçado do século XVIII, o imperador Franz Joseph, estava obstinada em casar seu filho com sua sobrinha mais velha Helene, conhecida como Nené, filha de Ludovika, meia-irmã de seu falecido marido. Para Sophie, Helene era sofisticada e poderia se tornar uma linda mulher, além de já ser da família. 

Assim, ninguém prestava atenção em Elisabeth, que aos quinze anos de idade, era um tanto simplória e não teria um grande dote a oferecer para seu futuro marido. Secretamente, Ludovika planejava um possível casamento de Sisi com o irmão mais novo de Franz, Maximiliam. Mas não era isso que o destino tinha reservado para ela. 

Desde o primeiro encontro de Franz com suas primas o jovem não conseguia tirar os olhos de Sisi e estava obstinado em tê-la como esposa. Helene nunca teve chance. 

Em confidência para sua mãe, segundo o livro Notorious Royal Marriages de Leslie Caroll, Sisi disse: "É claro que o amo, mamãe. Como não poderia? Se apenas ele não fosse imperador." Ludovika, então, aceitou o casamento em nome da filha, diferentemente da proposta de casamento no baile do primeiro filme, que nunca aconteceu. Em 19 de agosto de 1853 o noivado dos dois foi anunciado e oito meses depois, em 24 de abril de 1854, eles se casaram. 
  • Real ou Fictício? Sisi teve dificuldades ao agir como uma Imperatriz: Real
Sisi passava muito pouco tempo com seu marido, ocupado com seu país       Erma Film/Divulgação/Gif 
No filme, Sisi parece atender à todos os requisitos de uma futura imperatriz: bela, receptiva e feliz. Apesar de sua paixão pela natureza e a saudades de sua família, ela não parece demorar para receber com os braços abertos os seus mais novos súditos.  

Infelizmente, na vida real, a história não foi bem assim. A falta de entendimento dos protocolos era um dos motivos pelos quais a mãe de Franz, Sophie, não gostava de Elisabeth. A princesa considerava Sisi incapaz de cumprir suas obrigações e não estava errada. Em uma situação específica, logo depois de ser anunciado seu noivado, o povo foi em massa para as ruas, tentar ver de perto sua nova imperatriz. Dentro da carruagem, de acordo com o livro de Leslie Carroll, Sisi chorava descontroladamente, sem saber como lidar com a pressão. O fato de ela não falar outras línguas e não saber como manter uma conversa com os outros nobres, também não ajudou sua causa.

Para o público, Sisi representava seu papel perfeitamente bem, mas se sentia cada vez mais infeliz ao ter que viver sob o protocolo real.  Tanto que, em sua festa de casamento, antes de partir para Viena, a imperatriz ficou maravilhada com toda a população lhe desejando um feliz casamento e chorou e acenou como nunca. Críticos, na época, disseram que não havia nada na situação para uma resposta tão "exasperada". 

Elisabeth, aliás, agia muitas vezes contra os protocolos de propósito para, principalmente, afrontar sua sogra. 
  • Real ou Fictício? Sisi lutou para ganhar controle de sua primogênita, Sophia, para puro amor: Quase real 
Sisi com suas filhas Gisela e Sophie                                                  Domínio Público
Ao dar à luz sua primeira filha, Sophie, na tenra idade de 17 anos, a imperatriz foi considerada muito jovem para cuidar de um bebê sozinha. Assim, sua sogra fez com que o quarto do bebê fosse colocado perto de seus aposentos, permitindo pouco contato entre mãe e filha. 

Enquanto o filme retrata a busca de controle de Sisi sobre sua filha de modo correto, os motivos nem sempre foram por amor. Muito jovem, a imperatriz não era do tipo maternal e buscou apenas tirar sua filha fora do controle de sua sogra, que observava cada passo dela. 

Aliás, essa mudança não aconteceu pela intervenção da mãe de Elisabeth, Ludovika, como o segundo filme da trilogia Sissi mostra. Sisi apenas criou fortes laços com sua quarta filha, Marie Valerie, que nasceu em 1868, que era sua pessoa favorita no mundo. 
  • Real ou Fictício? A imperatriz interviu para que seu marido de tornasse Rei da Hungria: Real 
Sisi adorava o povo da Hungria                                  Erma Film/Divulgação/Gif

No filme, Sissi: A Imperatriz (1956), o segundo da trilogia, Elisabeth é retratada de forma modesta ao ajudar seu marido a chegar em um acordo de paz com o povo da Hungria, através do conde Gulya Andrassy, fazendo com que os dois acabassem coroados rei e rainha da Hungria. Porém, os fatos não aconteceram dessa maneira. 

Sisi, depois de quase dez anos como imperatriz, já era mãe de dois filhos, Gisela e o sucessor do trono Rudolph. Sua primogênita, Sophie havia morrido em 1857, depois de uma luta contra o sarampo. Vale ressaltar que a imperatriz nunca perdoou sua filha Gisela, já que a culpava por ter passado a doença para sua filha mais velha, quando ambas estavam em Budapeste, na Hungria.
Com 29 anos de idade, Elisabeth, mais linda do que nunca, usou seus atributos para garantir que seu marido fosse rei: apoiando, assim, a igualdade política dos húngaros, já que a Áustria queria um imperador, mas a Hungria um rei. Promovendo a autonomia dos dois países, ao lado de Andrassy, por quem ela estava completamente apaixonada, Sisi conseguiu convencer o seu marido a aceitar a honra. Tornar-se rainha da Hungria se tornou ainda mais fascinante quando descobriu que sua sogra não gostava do país.  

Portanto, em junho de 1867, ambos foram coroados rei e rainha da Hungria e um ano depois sua filha, Marie, nasceu. Apesar dos boatos na época, Andrassy não era o pai de Marie, já que seu romance com a imperatriz/rainha foi puramente platônico. 
  • Real ou Fictício: Sisi deixa o país por causa de uma doença no pulmão: Quase Real
Mas Sissi não estava realmente doente por causa disso                                   Erma-FilmDivulgação/Gif 

No último filme da trilogia, Sissi e Seu Destino (1957), os médicos descobrem que Sisi tem uma doença no pulmão e precisa se retirar do país para um clima mais ameno, para tentar se recuperar. 

Segundo a biografia Sissi: The Tragic Empress por Ludwig Merkle, o comunicado oficial do palácio foi que a imperatriz estava com tuberculose, mas a verdade era outra. Os historiadores usam duas alternativas para explicar a doença de Sisi:  a primeira era que seu marido Franz, envolvido com suas amantes, provavelmente havia lhe passado uma doença venérea.
A segunda explicação vinha da má alimentação de Sisi, que passava dias sem comer para manter seu corpo esbelto (uma anorexia nervosa) e a rejeição que sentia por seu marido, com quem ela não conseguia mais ficar perto. 

Mas isso aconteceu em 1860, antes de sua coroação como Rainha da Hungria e não depois como mostrado no filme. Além do mais, Sisi viajou sozinha, sem a companhia de seus filhos ou de seu marido, e foi desde Madeira até Corfu, mantendo-se longe das cortes reais. Sua mãe não foi lhe visitar durante sua recuperação, bem diferente do ambiente otimista do filme.
  • Real ou Fictício? Franz leva sua esposa para ganhar a confiança do reino Lombardo-Vêneto: Real 
Sophie, a filha mais velha de Sisi, não estava presente na viagem              Erma Film/Divulgação
Franz Joseph estava obstinado a prestar uma visita à Itália, já que não queria ceder nenhum de seus territórios do reino Lombardo-Vêneto, a atual Itália, para os nacionalistas. O encontro aconteceu em novembro de 1856, quase dez anos antes de Sisi e Franz terem sido coroados rei e rainha da Hungria, como o filme Sissi e Seu Destino (1957) mostra erroneamente. Ele achava que se levasse sua nova e linda esposa, conseguiria conquistar a simpatia de muitos. 

Apesar disso, o longa retratou fielmente o silêncio da multidão, que apenas ficou ao lado do imperador quando depois da insistência de Elisabeth, o seu marido declarou anistia a inúmeros presos políticos italianos. Foi assim que o casal conquistou uma maior influência fora da Áustria. 

Infelizmente, ao voltar da viagem, sua pequena filha Sophie já havia morrido de sarampo. Apesar de não ser maternal, a imperatriz ficou mais de onze horas ao lado do leito de sua filha e apenas saiu de lá ao desmaiar de fome. A maior perda de sua vida. 

O diretor e roteirista dos longas, Ernst, queria continuar a contar a vida de Sisi porém Romy Schneider se recusou em interpretar a personagem novamente. Estava cansada. Talvez se ela tivesse continuado no papel, tivéssemos visto uma versão mais amadurecida de Sisi, que odiava sua posição na sociedade e que nunca se sentiu confortável com sua nova vida. 

Extremamente vaidosa, Elisabeth temia envelhecer e fazia tudo que estava ao seu alcance para aparentar ser mais nova. Tanto que a partir dos 33 anos de idade, ela não permitia mais que fotos ou pinturas fossem feitas sobre ela. 

Sisi foi assassinada em 10 de setembro de 1898, aos 60 anos de idade, quando estava viajando para Genebra, na Suíça. Ela foi esfaqueada por anarquista italiano chamado Luigi Lucheni, que ao não conseguir assassinar o príncipe Philippe, matou o primeiro membro da realeza que viu, que foi a imperatriz. O corpete de Elisabeth estava tão apertado que ninguém percebeu que ela havia sido esfaqueada até que ela perdeu a consciência. 

Amada pelo seu povo, sua morte foi um choque profundo e até hoje a bela Sisi é venerada. Não pelo que ela foi e sim pelo que ela aparentava ser: uma rainha bondosa e bela. 


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