O mundo circense de O Maior Espetáculo da Terra (1952)

Cecil B. DeMille era um diretor tão obstinado que até em sua participação no clássico O Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950) dirigido por Billy Wilder, ele fez questão de mudar seu diálogo - o que foi acatado pelo também exigente Wilder. Esse é apenas um dos inúmeros exemplos que demonstram a grandeza de Cecil e como ele era uma lenda no mundo da sétima arte. Seu ego e sua maestria em fazer filmes que fossem grandiosos "como ele", o levaram a gravar, literalmente, o Maior Espetáculo da Terra. 

O filme O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) conta a história do dono de circo Brad Barden (vivido pro Charlton Heston) que enfrenta uma baixa no interesse do circo e precisa contratar um novo ato, o grande trapezista Sebastian (interpretado por Cornel Wilde). O problema era que ele já havia combinado em dar maior destaque para sua namorada, a também trapezista Holly (papel de Betty Hutton). Os dois brigam e Holly tem um caso com Sebastian. Assim Brad começa ser o alvo da atenção de Angel (interpretada por Gloria Grahame), o que causa a ira do domador de elefantes e seu amante, Klaus (vivido por Lyle Bettger). Phyllis (papel de Dorothy Lamour) e o palhaço Buttons (vivido por James Stewart) compõem o time de circenses, com um deles escondendo um segredo horrível. Tudo isso acontece no circo, como Cecil B. DeMille queria.

James Stewart, Betty Hutton, Charlton Heston e 
De acordo com a biografia Cecil B. DeMille's Hollywood de Robert S. Birchard, o diretor já havia pensado em fazer um filme sobre circo lá nos anos 1940, especialmente por amar essa temática. Ele, inclusive, havia passado três semanas, em 1949, viajando com o circo dos Ringling Brothers e em novembro daquele mesmo ano pediu para que o roteirista Theodore St John criasse uma história sobre o circo. O jornal Marshfield News, em agosto de 1949, afirma que o filme era uma realização de um sonho de dez anos de Cecil, afirmando que o diretor tinha evidências para comprovar que já havia começado a trabalhar nesse projeto em 1940. 

Todo esse trabalho em confirmar as datas aconteceu porque quem tinha a opção de gravar O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) primeiro era o produtor David O. Selznick do estúdio MGM. A história é um pouco complicada: em 1948, Selznick tinha adquirido os direitos para fazer o filme direto com John Ringling North, dono do circo Ringling Brothers, afirmando que participariam atores como Gregory Peck, Robert Mitchum e Jennifer Jones. Em maio de 1949, no entanto, o produtor decidiu não renovar seu contrato com Ringling - de acordo com o jornal The Telegraph quem não quis foi o trapezista e gerente do circo, Arthur Concello que comandava todas as operações do The Ringling Brothers. Assim começou uma batalha de exclusividade entre a MGM e a Paramount, na qual o último saiu vencedor, realizando assim, um sonho de De Mille. 


Cecil B. DeMille em agosto de 1949 ao lado de Emmett Kelly e Ruth Nelson do real The Ringling Brothers
Em dezembro de 1949, John Ringling North, do Ringling Brothers, e Barnum e Bailey Combined Shows (ou seja, o circo do inescrupuloso PT Barnum, que recentemente ganhou uma cinebiografia bem fantasiosa e pouco verídica) estavam comprometidos a serem consultores no futuro filme, no qual o estúdio Paramount prometeu em fazer com que fosse um drama clássico, e não uma mera representação circense. A trupe Ringling e de Barnum assinaram um contrato lucrativo, ganhando pelo período de dez anos muito dinheiro, em troca de de exclusividade. Como o filme foi gravado em technicolor, ou seja, era colorido, os dois donos de circo ganharam ainda mais dinheiro! 

Em maio de 1950, Cecil estava pronto para anunciar que preparava-se para gravar um dos filmes mais ambiciosos de sua carreira, O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952). Em entrevista para o jornal The Cincinnati Enquirer, ele afirma:
[...] A história que eu tenho em mente não será a história do circo. Eu planejo mostrar o que o circo significa como uma instituição americana para as pessoas. Nós vamos contar a história do circo e das pessoas do circo em relação aos cidadãos. [...] Certamente, nenhuma instituição de de entretenimento tem tanto apelo para jovens e idosos como o circo. Tem drama, suspense, corações partidos, risadas, beleza e tudo isso deve encontrar um lugar maior sob as lentes coloridas de uma câmera. 
O diretor, no entanto, afirmou que ele ainda não tinha ideia de quais pessoas escalaria para os papeis, afirmando que todos em Hollywood pareciam afirmar serem especialistas em alguma modalidade circense apenas para aparecer em O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952). Uma atriz que queria ser escalada em seu filme desesperadamente era Paulette Goddard. Ela havia sido taxada de difícil por Cecil já que havia se recusado de fazer uma façanha perigosa no filme Os Inconquistáveis (Unconquered, 1947) e lutava para cair em sua boa-graça novamente - enviando flores, cartinhas e até aparecendo "de surpresa" nos mesmos locais que ele -, já que sua carreira não estava lá essas coisas. Cecil não queria saber e procurou outras atrizes para formar seu time circense de belas e poderosas mulheres. Ele logo as encontrou! 


Betty Hutton, Gloria Grahame e Dorothy Lamour: as escolhidas!
Dorothy Lamour, que ficaria com o papel de Phyllis, uma cantora com uma mandíbula de ferro, já revelou em entrevista que sabe muito bem que apenas conseguiu o papel porque Cecil teve um desentendimento com Paulette. Como, você pergunta? Porque o diretor a dizia sem parar. Dorothy, a eterna garota da saronga, confessou: "Cecil sempre me iludiu e eu apenas consegui o papel de Phyllis porque ele estava bravo com Paulette." Ela foi chamada ao escritório de DeMille e pronto, estava escalada! Seus amigos e co-estrelas, Bob Hope e Bing Crosby com quem ela havia atuado em sete filmes da série Road To..., fizeram uma ponta no filme como espectadores do circo! 


Bob Hope e Bing Crosby aproveitando "um dia no circo"                             Divulgação/Gif
Já com Betty Hutton, foi sua astúcia que a fez ganhar um papel que Cecil B. DeMille desejava tanto que fosse de Hedy Lammar, sua estrela em Sansão e Dalilah (Samson and Delilah, 1949). De acordo com a biografia Rocking Horse - A Personal Biography of Betty Hutton de Gene Arcen, Betty foi chamada, assim como inúmeras atrizes para um teste no escritório de DeMille, e estava determinada em ser escalada para o papel feminino principal. 
DeMille se recusava a falar qual era o papel principal, mas ao sair do escritório, a atriz teve ajuda das secretárias e descobriu que Holly, a trapezista, era o papel que ela cobiçava. Para ganhá-lo ela mandou um arranjo de flores, com bonecas louras - uma em cima de um cavalo, fazendo menção ao papel que seria de Gloria Grahame, e outra em um trapézio - e um cartão que dizia: "C.B, meu futuro está na suas mãos. Qual deles será?" Encantando com a determinação de Betty, Cecil lhe deu, finalmente o papel principal, a de Holly. 

Já no caso de Gloria Grahame, ela foi escalada por Cecil B. DeMille porque sua primeira escolha, a comediante Lucille Ball, estava grávida em 1950 e não estaria disponível para fazer as preparações necessárias para participar de O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952). Gloria, então, se tornou Angel, que faz a performance ao lado do elefante Myanki. Na biografia Gloria Grahame, Bad Girl of Film Noir: The Complete Career de Robert J. Lentz  conta-se que trabalhar com a elefante foi um dos maiores desafios para Gloria, com a cena em que a pata do animal fica tão perto de seu rosto sendo "um dos momentos em que ficou genuinamente assustada em cena." 


Gloria Grahame brilhou como Angel e ganhou uma bola de cristal do diretor, que gostou de seu profissionalismo e coragem 
Já ao escalar as personagens masculinas para o filme O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952), o trajeto foi um tanto mais complicado. Para o papel do dono do circo, Brad, Cecil havia pensado em Kirk Douglas - o que foi descartado já que seu salário era alto demais e todos na película ganhariam um sálario de U$50.000,00. O produtor do filme Henry Wilcoxon, que já havia trabalhado com DeMille outras vezes, sugeriu Charlton Heston, um ator novato em Hollywood, mas DeMille não se convenceu. De acordo com a biografia Cecil B. DeMille: The Art of the Hollywood Epic de Cecilia DeMille Presley e Mark A. Vieira, o diretor não ficou impressionado e disse: "Ele é sincero, você acredita nele, ele tem algum poder, mas não é atraente neste filme [o filme em questão era o Cidade Negra de 1950]. Descubra se ele tem algum humor." 

Tudo mudou quando Cecil e Heston se encontraram, por acaso, no estúdio. O diretor estava saindo do escritório e Heston, com seu grande carro verde, lhe deu um aceno. Conta-se que Cecil perguntou a sua secretária Gladys Rosson quem era, no qual ela lhe respondeu que era Charlton Heston. Cecil, então, disse: "Heston? Sério? É melhor trazermos ele aqui para falarmos sobre o papel do gerente de circo." Assim, com um simples aceno, Charlton Heston conseguiu o papel protagonista em O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952). 


James Stewart como o palhaço, Charlton como o dono do circo e Cornel como o trapezista             Divulgação
Já para o papel do trapezista, o grande Sebastian, Henry Wilcoxon tinha sugerido Burt Lancaster, que já havia sido um acrobata em um circo de verdade. Cecil B. DeMille vetou a ideia e escolheu Cornel Wilde em seu lugar, sabendo que ele era um grande ginasta, mas sem saber que ele sofria com acrofobia, ou seja, um medo terrível de altura. 

Já com James Stewart ganhar o papel do palhaço Buttons foi muito mais fácil - ele teve apenas que pedir para Cecil B. DeMille e concordar com o salário bem mais baixo do que ele ganharia. Em entrevista, ele revelou: "Eu sempre amei o circo e quando soube que DeMille faria um filme sobre o circo, eu mandei um telegrama perguntando se poderia interpretar o palhaço. Todos nós tínhamos nossos sonhos de fugir com o circo. Fazer este filme foi um tempo glorioso para todos nós, muito mais do que só um filme." Para se ter uma ideia, Stewart gostava tanto da sua personagem que voltou a se fantasiar como o palhaço Buttons para um evento beneficente em 1960, como mostra o blog Filmes Antigos Club.

Finalmente, em novembro de 1950, depois de sete roteiristas e um investimento de 113 mil dólares, o roteiro de O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) estava pronto. 



Em janeiro de 1951, um ano antes do lançamento do ambicioso O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952), as gravações de fotografia já estavam começando em Sarasota, na Flórida. Mais de 1.400 pessoas do circo trabalharam no filme, sendo que o filme foi gravado intermitentemente por 83 dias. Depois, em abril do mesmo ano, DeMille e sua trupe voltaram para a estrada com o circo desde Washington até Filadélfia por uma semana para gravar algumas cenas dentro da tenda. Novamente, voltaram ao estúdio para gravar mais algumas semanas, mas isso durou apenas alguns dias. 

Todas as estrelas principais de O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) tiveram, no mínimo seis meses de preparação para fazerem suas próprias façanhas no filme.  Betty Hutton aprendeu seus truques de trapezista com a dupla Linda e Lynn Couch, com a supervisão de Concello - gerente do The Ringling Brothers - e Bill Snyder. Ambos, denominados de The Flying Concellos, atuaram com ela no filme. Dorothy Lamour, que interpretou a garota com mandíbulas de ferro recebeu treinamento do próprio Concello, que a ensinou a girar no alto enquanto mordia uma fita de couro. Já Gloria Grahame recebeu aulas dos domadores de elefantes Patty e Eugene Scott. James Stewart ficou com o famoso palhaço Emmett Kelly. 

Cornel Wilde, que tinha a conhecida acrofobia, teve como dublê o famoso trapezista Jackie Le Claire, já que os dois tinham um corpo parecido, embora Jackie precisasse usar uma peruca. Em entrevista, Le Claire confessou: "Cornel era o cara mais legal do mundo, mas ele tinha pavor de altura. Ele conseguiu o trabalho no último minuto." Assim, todas as cenas que exigiam maior esforço de Cornel, como a cena em que ele sofre o terrível acidente do trapézio, foi feito por profissionais.  Arthur Concello fez a cena e acertou de primeira - o fato de haver uma rede de proteção escondida também não fez mal algum. 

Cornel, conseguiu, aos poucos superar seu medo, trabalhando com o trapézio baixo e aumentando a altura, desde que conseguisse ver claramente a rede de proteção abaixo dele. Para DeMille, conhecido pela sua direção autoritária, exigindo sempre mais de seus atores, isso não era bom o suficiente, no entanto. 


À esquerda Cornel e à direita Jackie Le Claire como seu dublê...veja mais no link!
Sobre o tratamento dos profissionais circenses reais durante as gravações de O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952), Le Claire não poupou elogios à DeMille, como reproduz o livro Empire of Dreams por Scott Eyman:

O segredo de DeMille foi que ele tratava nós, circenses, com o maior respeito e dignidade. Ele sempre nos chamava de sr. ou sra. Então eu fazia a acrobacia de novo e ele me agradecia. Ele sempre nos agradecia. Ele era muito apreciativo, um homem muito bom. Nós do circo nos apaixonamos por ele. Quando ele falava, nós faríamos tudo por ele. Um de nós, Lola Dobritch [que participou do filme] deu o nome de seu filho de DeMille. 
Mas nem toda a trupe circense do Ringling Brothers concordava com a versão cor de rosa de Jackie Le Clair. Daisy Hall, uma das trapezistas, afirmou no livro Big Top Boss: John Ringling North and the Circus que DeMille era cruel com os circenses e a cena final na qual ela e mais cinco garotas tinham que fazer um truque no ar foi desafiador até demais: "Ele não se importava. Nós estávamos sangrando. Nossos pés estavam queimando. Sally Marnow desmaiou. Estávamos com queimaduras das cordas. Eu acho que ele não se importava com as pessoas. Ele queria um resultado. Ele nos escravizava." Fica então o questionamento: DeMille tratava bem apenas quem fazia o que ele queria? Bem possível, ainda mais com o temperamento exigente e egoísta do diretor. 

Muitos críticos tiveram problemas com o filme, entretanto, afirmando que a história de Buttons, o palhaço que se esconde do FBI por ter praticado eutanásia em sua esposa doente, já ficava muito evidente logo no começo de O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) e não acrescentava em nada na película. Outros falavam sobre a obviedade do enredo [afinal Brad e Holly vão claramente ficar juntos] e as longas cenas dos desfiles, que tornaram o filme muito mais longo do que deveria. 

Lançado em janeiro de 1952, o público não concordou com os críticos! O filme arrecadou 12 milhões de dólares, comparados com o orçamento de 3, 4 milhões de dólares, tornando-se o filme mais rentável daquele ano. O Oscar, a maior premiação de cinema mundial, não teve como esnobar O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) que conseguiu cinco indicações ao prêmio de 1953, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. 

Gloria Grahame, conhecida como a "bad girl" no filme noir teve em 1953 um dos melhores anos de sua carreira. Ela, junto com o filme O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em Assim Estava Escrito (The Bad and The Beautiful, 1952) e ganhou! Assim, a noite do Oscar para ela foi extra-especial: ela ganhou uma estatueta para si e um dos filmes que ela mais gostou de fazer saiu com o Oscar de Melhor Filme!

         Cecil B. DeMille ganhando o Oscar de Melhor Filme em 1953 por O Maior Espetáculo da Terra (1952)        

Muitos críticos de cinema na época acharam que o filme não mereceu o Oscar que ganhou, considerando que Cecil B. DeMille apenas ganhou a estatueta pelo simples motivo de nunca ter ganhado antes, apesar de seu status de diretor gênio. Isso porque os filmes competindo com O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) eram Depois do Vendaval (The Quiet Man, 1952) com Maureen O'Hara e John Wayne, Matar ou Morrer (High Noon, 1952), Ivanhoé, o vingador do rei (Ivanhoe, 1952) e Moulin Rouge (idem, 1952). 

O diretor foi indicado ao Oscar mais uma vez com o filme Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956) que estrelava mais uma vez Charlton Heston, mas nunca mais ganhou uma estatueta para si. O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) foi sua consagração no Oscar, mas sua grande carreira não acabou por aí e sim com o filme Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956), no qual ele sofreu um ataque cardíaco durante as gravações e teve que diminuir seu ritmo frenético na hora de trabalhar em seus filmes. 

O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) é um dos poucos filmes de circo que, além de lidarem com os performers circenses, também mostram a rotina de viver debaixo de uma tenda, por mais que fantasie um tanto demais. Um dos grandes trunfos de DeMille foi não se focar na crueldade que os animais sofriam no circo, especialmente os mais selvagens como os tigres e leões, e sim colocar o holofote nos elefantes, animais dóceis, mas com muita majestosidade. 

O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth, 1952) sofre com um roteiro um tanto esquizofrênico, mas prevalece com os números mirabolantes de circo e com astros que elevam o material com o qual trabalham, além de, é claro, a direção "punhos de ferro" de Cecil que honrou o circo e a sua história. 


A estadia repleta de samba de Rita Hayworth no Brasil

Em 1962, a vida de Rita Hayworth sofreu mais uma mudança que tinha a ver com um homem: recém-separada de James Hill [um dos piores maridos da vida de Rita, à frente até de Dick Haymes], seu quinto marido, ela resolveu aceitar o convite do representante americano de cinema no Brasil, vulgo Harry Stone, e vir ao Brasil para aproveitar o carnaval carioca. 

Com 43 anos de idade, Rita já não tinha mais a beleza jovem que ficou eternizada no filme Gilda (idem, 1946) e mostrava um encanto mais maduro, calmo e por que não, um tanto mais realista, depois de tantas amarguras em sua vida. 

De acordo com a finada revista Cinelândia, em 1962, Rita afirmou: "A maior alegria que experimentei de meus casamentos foi o momento de assinar a petição do divórcio." E com dois maridos bêbados e abusivos e outros três com falhas que iam desde a traição ao gênio forte, Rita chegou ao Rio de Janeiro sem a intensidade de Gilda, mas com o bom-humor e a fascinação que apenas Rita Hayworth poderia ter. 


                                                                            Rita Hayworth com Guilherme Araújo, diretor de televisão em sua estadia no Brasil                       Cinelândia
Rita Hayworth chegou ao Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, pelo aeroporto do Galeão em 25 de fevereiro de 1962, por um avião da Varig procedente dos Estados Unidos, às 20h22. Apesar de rumores de que a atriz já teria vindo ao Brasil uma outra vez,  em setembro de 1941 à pedido de seu então namorado - e futuro segundo marido - Orson Welles, isso não é verdade. Como sabe-se, o diretor veio ao Brasil para gravar um filme sobre a cultura brasileira chamado É Tudo Verdade e nessa época Rita estava ocupada gravando inúmeros filmes e ainda nem havia conhecido Orson. 

Outra oportunidade de Rita vir ao Brasil ocorreu em dezembro de 1952, quando segundo o jornal Correio Paulistano, ela havia sido convidada para a première de O Cangaceiro (idem, 1958) em 28 de dezembro de 1952, porém com o fim de seu casamento com Ali Khan, nunca foi comprovada sua chegada ao país. 

Mas voltando para a vinda definitiva de Rita: ela foi recebida no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro e o jornal Diário de Notícias, conta que: "logo que desceu do Galeão, quando foi feita esta foto, quis saber se a cidade já estava preparada para a folia e se os cariocas conservavam a mesma animação que a contagiou há alguns anos." A resposta da atriz pareceu ser positiva: Rita ficou quase um mês em terras brasileiras! 


Rita sendo recebida no aeroporto por fãs e jornalistas                                                                                                 A Manchete
Em breve entrevista com a imprensa em seu desembarque, Rita afirmou que estava animada para comemorar o Carnaval brasileiro: 
Tenho certeza que vou amar o Carnaval Carioca que eu conheço através do cinema. Não trouxe fantasia, mas pretendo comprar uma e me divertir bastante. 
Ainda no bate-papo, Rita falou sobre Aly Khan, seu falecido marido e deixou claro que ainda o amava:
Foi um ótimo esposo e um grande homem. Divorciávamos por questões que não valem repetir, principalmente agora que está morto. Eu ainda o amava. - Diário de Pernambuco
Alida Valli, famosa atriz italiana que também já trabalhou com Orson Welles, então ex-marido de Rita, curtiu o carnaval na mesma época de Hayworth e no mesmo dia de sua chegada, as duas curtiram um cocktail pré-carnavalesco em Joá, bairro do Rio de Janeiro. Ambas estavam no país para divulgarem o lançamento do filme O Sétimo Mandamento (Please Don't Tell, 1961) com o qual contracenaram com Rex Harrison. 

Alida também estava gravando, no Rio, o filme Hora da Sesta (1962), ao lado de Louis Jourdan e Alexandra Stewart, dirigido pelo argentino Leopoldo Nilsson. 


Rita Hayworth se divertindo no programa Ao Encontro da Música                                                                                                                                           
Rita, assim que chegou no Rio de Janeiro, falou pouco com a imprensa já que tinha que correr para fazer uma aparição no programa de televisão Ao Encontro da Música da TV Continental. O Jornal A Noite fez uma reportagem só sobre sua aparição, revelando a simpatia de Hayworth que ligou para o produtor do programa para saber que horas deveria chegar ao estúdio. A entrevista e o programa foram conduzidos pelo apresentador Haroldo Eiras e a atriz revelou estar muito animada para brincar durante o carnaval carioca.

Utilizando-se dos talentos de dança de Rita, a atriz se juntou à Elizote Cardoso, Jorge Veiga e Marlene e dançou samba em frente das câmeras. Essa foi a primeira vez  de todos os países que Rita visitou no qual ela concordou em ser entrevistada e aparecer em um programa de televisão. No ritmo do samba, a atriz mostrou toda sua graça e beleza e de quebra os brasileiros conseguiram um furo exclusivo! 

Além da TV Continental, outros canais como Canal 100 e TV Tupi também noticiaram a vinda de Rita ao Brasil, e existem até roteiros de televisão contando sobre sua vinda, porém infelizmente não temos os vídeos disponíveis.


Rita passeando pelo Rio de Janeiro - muito elegante                                                                                   O Jornal do Brasil
Hospedada no hotel Copacabana Palace, do qual o playboy Jorge Guinle era dono, a deusa do amor curtiu a noite carioca como nunca! De acordo com o jornal O Jornal, Rita tomou até alguns remédios para dormir em sua chegada no Rio e no dia seguinte, dia 27 de fevereiro, afirmou estar indisponível para a imprensa e que apenas sairia do hotel entre às 16h ou 17h. Á tarde, saiu com Jorge Guinle pela cidade para escolher sua fantasia e o Jornal do Brasil atesta que Rita não foi reconhecida pela maioria das vendedoras das lojas. 

Ainda no dia 27 de fevereiro de 1962, Rita partiu para a noitada carioca ao lado de Guinle no Iate Clube onde acontecia a festa Uma Noite no Havaí. Segundo O Jornal, Rita também estava acompanhada de Raul Miranda Santos, conhecido como o Raul Barulho. 

Em entrevista a revista Exame Vip em 1991, Jorginho Guinle afirma que seu romance com Rita começo ali:
Meu romance com Rita Hayworth foi num barco que estava a seco no Iate Clube, tudo muito bonito e romântico. Ela era muito sozinha. 

Rita se divertindo no Iate Club                                                                                                                O Jornal/Cruzeiro
Em 28 de fevereiro de 1962, Hayworth teve mais uma agenda bem agitada. A diretoria da Melo Tênis Clube ofereceu um coquetel para a estrela com início às 21h. Antes, no entanto, Rita compareceu no samba brasileiro ao lado da italiana Alida Valli, Alexandra Stewart, Paul Guera, Maurice Serfati e Violeta Antler. O grupo foi sambar com a Escola de Samba de Portela, detentora do chamado "tamborim de ouro".

Rita com a bandeira da escola de samba Portela                                                                Portela Blog
Em entrevista ao jornal Mundo Ilustrado na mesma noite, Rita revelou que entre todos seus maridos, apenas se casaria de novo com o príncipe Aly Khan, afirmando "quando morreu eu ainda o amava" e elogiou muito o samba, encerrando sua entrevista com a seguinte frase: 
Só quero agora saber de samba!
As crianças da escola a adoraram e Rita distribuiu beijos e autógrafos na mesma medida. 

Rita Hayworth em sua visita a Portela: muitos abraços e beijos e, claro, samba!                                                                          Mundo Ilustrado/Montagem
No dia 1 de março de 1962, Rita Hayworth partiu para Brasília, ao lado do representante de cinema americano no Brasil, Harry Stone e Jorginho, é claro, para participar do então primeiro "Baile da Cidade" no Teatro Nacional. Ao seu lado também Sette Câmara, o então prefeito de Brasília, que a convidou especialmente para a ocasião. 

Ela chegou a Brasília através do Aeroporto Internacional e foi recebida de braços abertos pela imprensa. Segundo o jornal Correio Braziliense, ela visitou toda a cidade, tirou fotos nos pontos turísticos e foi super simpática com a imprensa. 

Mais tarde, Sette Câmara a levou para um coquetel no Riacho Fundo, com todas as pessoas mais importantes da sociedade. À noite, a intérprete de Gilda verificou com seus próprios olhos que o Carnaval brasiliense também era de babar! 


Rita se divertindo durante o Baile                                                                                                                 A Manchete
Chique com um vestido bem colado (e com marquinhas de biquíni, sinal de que aproveitou bem a praia), Rita ficou ao lado do primeiro ministro Tancredo Neves e se divertiu muito no carnaval de Brasília. 

Manuel Mendes, repórter do Correio Brasiliense, estava presente na festa com Rita Hayworth e garantiu que ela se divertiu muito e até conversou com Joan Lowell, ex-atriz que fez de Goiás o seu lar: 
Por um momento, Joan Lowell, minha mulher, eu e outros convidados colocamos Gilda no centro. Alegre, tentava ela seguir o ritmo enquanto ria muito e batia palmas. Para mim, era a glória! - Manuel em seu livro O Cerrado de Casaca

Rita em sua chegada a Brasília e na festa com Tancredo Neves, Hermes Lima, Israel Pinheiro e Sette Câmara 
Logo no dia seguinte, Rita retornou para o Rio de Janeiro para curtir, de perto, o carnaval brasileiro. Ela continuou frequentando boates à noite, sempre ao lado de Jorginho Guinle e/ou de Harry Stone. Rita e Jorginho estavam tão próximos que os jornais até noticiaram um possível romance entre eles. O jornal Última Hora noticiava: "Rita Encantada com o Rio: Romance com Jorge Guinle?", afirmando que a atriz estava passando tempo demais com o playboy e que ele a levaria para conhecer sua família em Teresópolis. 

Segundo o Diário Carioca, o itinerário de Rita estava bem cheio: no dia 3 compareceu à uma festa no Copacabana Palace, no domingo assistiu os desfiles das escolas de samba. Dia 5 de março ela se esbaldou no Teatro Municipal, uma das festas mais faladas do momento  cujo o tema era "Carnaval em Veneza" e na terça-feira foi no Joquei Club.

Para a festa no Copacabana Palace, Rita tinha sua grande fantasia para carnaval pronta: o da baiana.  Idealizada pela estilista Mary Angélica, em tecido bangu, foi feita à pedido do colunista Ibrahim Sued. O traje de Rita, no entanto, era tão simples que nem parecia uma fantasia elaborada. Era feito para que ela se divertisse e o colar de contas completava seu look.


Rita abafando com seu look                                                                                                 O Cruzeiro

Rita estava tão animada de participar das festividades que até ficou como juíza no Desfile de Fantasias. A atriz, no entanto, foi bem criticada por sair do carnaval às 1h10 da manhã, com um jornal afirmando que ela "fingiu sambar na porta apenas para agradar ao público." Ninguém pode negar que Rita, no entanto, era um doce com seus fãs e ficou na porta do evento durante muito tempo apenas dando autógrafos! 

A ganhadora do desfile de fantasias foi Regina Glaura Lemos, fantasia de Cleópatra. A sortuda ainda tirou uma foto lado a lado de Rita que pareceu se divertir muito sendo juíza, dando para as câmeras as melhores caras e bocas para serem publicadas em um jornal! 

O júri foi composto por, além da Rita, por Partenette de La Vaille, Nelly Ribeiro, Lourdes Catão, Mary Angélica (que desenhou o vestido de Rita), Segadas Vianna, Nenm de Castro, Miss Ly e Nichole Mesquita. A fantasia de Regina, por acaso, foi unânime entre todos os nove jurados como a melhor do baile! 


Rita julgando cada uma das fantasias e ao lado da vencedora                             Divulgação/Montagem
No dia seguinte, 4 de março de 1962, durante os desfiles das escolas de samba,  Rita recebeu do Rei Momo, ou seja o rei do Carnaval, o diploma de "Cidadã Samba" e assinou centenas de autógrafos para fãs do lado de fora da folia. No "diploma", em tradução livre já que boa parte do documento está ilegível, lia-se: 
Pela alegria, animação e entusiasmo demonstrados durante os festejos de Carnaval Carioca de 1962, concede-se a Rita Hayworth o título de "foliona".  - replicado do jornal A Noite
Rita recebendo o título de "foliona"
Nessa data, Rita Hayworth chegou às 17h30 no palanque oficial, montado ao lado da Escola Nacional das Belas Artes, para apreciar os desfiles das escolas cariocas. Esperou duas horas e meia e viu a passagem da primeira escola, a Tupi de Brás de Pina. Depois, cansada e aborrecida com a espera, retirou-se discretamente, deixando de ver um dos "carnavais mais bonitos de Guanabara."; como noticia a revista O Cruzeiro. 


Como reitera o Jornal do Brasil, o desfile das escolas de samba atrasou e Rita, cansada, acabou nem indo para a festa da Quintandinha, que já estava programada em sua agenda. O baile do Municipal que ela viu do camarote presidencial lhe rendeu uma grande aventura na saída: envolvida pela multidão que amava a atriz, ela não conseguiu achar seu carro e andou até de radio patrulha para seu destino final. 


Rita ao lado de seu affair Guinle no carnaval do Copacabana Palace 
Cansada de toda a agitação, Rita partiu para Cabo Frio, no Rio de Janeiro, para descansar das tribulações do carnaval e ficou hospedada na casa do Príncipe João e Princesa Fátima de Orleans Bragança, que foram padrinhos em seu casamento com Ali Khan. Foi para lá no dia 7 de março e ficou dois dias, voltando ao Rio de Janeiro no dia 9 de março, para continuar com sua agenda de compromissos nas terras cariocas. 

Ao voltar, ela já fez presença no badalado desfile da grife Pipart, que fez um desfile exclusivo no Golden Room no Copacabana para mostrar suas mais novas criações intitulada "Côte D'Azur 62". Dizem que Rita amou o desfile, principalmente dos modelos esportivos. Isso mostra que apesar do glamour, Rita era mesmo uma mulher mais simples. 

Rita sempre ao lado de Jorginho Guinle - aqui no desfile da Pipart
Um dia depois, no sábado dia 11, Rita estava de volta ao Mello Tennis Clube, na Vila Leopoldina no Rio de Janeiro para receber seu título de sócia-honorária do clube. Um evento programado por Harry Stone,  teve presença de inúmeras personalidades, incluindo o diretor do clube, sr. Álvaro de Mello. Rita continuou em bons espíritos e continuou a dançar samba, como de praxe em sua viagem. 


Rita sendo muito bem recebida no Mello Tennis Clube                   Divulgação/Jornal dos Sports
Estava programada a viagem de volta de Rita Hayworth para Mar del Plata em Buenos Aires, no dia 13 de março, mas a atriz resolveu ficar ainda mais tempo no Brasil. Fez compras na já extinta Niná Boutiques, assim como sua amiga Alida Valli, comprando um biquíni rosa. Já Valli comprou um azul. 
Continuou a frequentar clubes ao lado de Harry Stone e de Jorginho Guinle, inclusive participando de uma festa em Joá, no RJ em 20 de março de 1962 feita por Eduardo Farah, em sua homenagem. 

Diziam que o motivo na demora de volta de Rita era seu romance com Jorginho que estava se tornando sério. Em entrevista ao livro Copacabana, cidade eterna: 100 anos de um mito de Wilson Coutinho, Jorge confirmou o envolvimento e o chamou de algo "muito bonito":
Eu namorei várias das atrizes que trouxe para cá.A Rita Hayworth, por exemplo, que passou um mês aqui. 
Rita acima no Golden Room e abaixo em recepção em Joá        Divulgação/Montagem
Foi no Carnaval, aliás, que Rita conheceu Lincoln Gordon, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, e fez amizade com a embaixatriz, que convidou Rita para participar de uma exposição de artistas brasileiro contemporâneos em sua residência oficial. 


Foi de óculos para ver todas as obras e até conversou com o pintor Antônio Bandeira, em francês, sobre sua arte, apreciando e muito o abstracionismo da obra. Ela foi escoltada por Lúcia Stone, esposa de Harry Stone. Isso no dia 17 de março de 1962. 

Rita observando as obras 
Rita continuou passeando pelo Rio de Janeiro ao lado de Jorginho Guinle, aproveitando boites como a Zum Zum, o Golden Room e outros lugares encantadores do nosso país.  Em sua partida no dia 23 de março de 1962, Rita estava escoltada por Guinle e para a imprensa afirmou que sentiria muita falta do país e que considerava o "Grande Otelo"maravilhoso, e que se ele tivesse a chance brilharia nos palcos da Broadway.


A deusa do amor, que ganhou seu próprio perfil aqui na Caixa de Sucessos, foi embora das terras brasileiras no dia 23 de março de 1962, exatamente um mês depois de sua chegada, para começar os ensaios de sua mais nova peça na Broadway, a Step on Crack, no qual interpretaria uma ex-atriz infeliz casada com um médico tradicional. Por "razões médicas", Rita nunca conseguiu interpretar o papel que seria sua estreia nos palcos. 



Com muito bom humor, estilo e é claro a doçura típica de Rita, que era sempre muito calorosa e doce com os fãs e amigos, sua estadia no Brasil foi sem a turbulência típica das outras estrelas que chegaram e não sem motivo: a atriz amava o samba e, em retorno, o Brasil ainda a ama. 


*Matéria atualizada no dia 29 de maio de 2020.



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