10 atores que quase conseguiram o papel

Nem sempre o papel destinado à um ator acaba acontecendo...um exemplo clássico disso foi Michelle Pfeiffer e Sean Connery, que estrelaram juntos no filme A Casa da Rússia (1990), mas o filme foi tão mal nas bilheterias que a futura parceria em uma refilmagem do filme O Fantasma Apaixonado, que nós da Caixa de Sucessos fizemos uma resenha sobre o livro, acabou caindo por terra. 

Pior ainda quando um papel destinado à um ator, se torna parte de um filme de sucesso, fazendo com que o artista fique pensando no que poderia ter sido. Por isso, listamos abaixo, 10 atores e atrizes que estavam destinados para um papel, mas que por culpa do destino ou deles mesmo, isso nunca se concretizou. 

Humphrey Bogart como Clem Spender em Eu Soube Amar (1939)

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Bette Davis e Humphrey Bogart atuaram em sete filmes juntos, todos na década de 1930, mas eles quase chegaram à marca de oito filmes, com a película Eu Soube Amar (The Old Maid), de 1939. O estúdio da Warner Bros ficou impressionado pela atuação de Bogart no filme Vitória Amarga (1939) e decidiu convidá-lo a atuar ao lado de Bette em Eu Soube Amar. O ator, no entanto, foi demitido depois de quatro dias no trabalho. 

Segundo a biografia de Humphrey Bogart, Tough Without a Gun: The Extraordinary Life of Humphrey Bogart, o ator foi demitido porque ele não tinha o porte de galã que o papel precisava. Em uma das cenas da película, em que ele estava em uma estação de trem, ele parecia "tão magro e patético em seu adeus, e nada romântico que a Warner exigiu que ele fosse demitido." 

O ator, é claro, ficou com muita raiva, já que sue papel ficou com George Brent, que se tornou a co-estrela favorita de Bette Davis, tendo atuado com ela em 11 filmes em uma período de 10 anos. Humphrey, no entanto, conseguiu sua vingança em 1942, quando fez o maior sucesso como o par romântico de Ingrid Bergman em Casablanca. 

Dorothy Dandridge como Pinky em O Que a Carne Herda (1949)

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Dorothy Dandrige, a primeira atriz negra a ser indicada para o Oscar de Melhor Atriz, teve sua grande chance no filme Carmen Jones, de 1954. Cinco anos antes, no entanto, ela fazia um teste para o drama O Que a Carne Herda (1949), para o papel principal de Pinky, uma negra de pele mais clara, que finge ser branca para se encaixar na sociedade e na vida de seu amor, um doutor branco. 

Jeanne Crain arrematou o papel, que a indicou ao Oscar de Melhor Atriz, mas antes disso acontecer, o diretor do estúdio 20th Century Fox, Darryl F. Zanuck tinha considerado Dorothy para o papel, enquanto Lena Horne batalhava pela chance de interpretar a personagem. Apenas Dandrige chegou a fazer um teste, mas Zannuck decidiu apostar em uma escolha mais segura e Crain ficou com o papel, como conta o livro Casting Might-Have-Beens de Eila Mell. 

Outra atriz que desejava muito interpretar Pinky Johnson foi Linda Darnell, mas Zanuck a vetou, dizendo que a personagem era muito parecida com o papel que ela havia interpretado em Entre o Amor e o Pecado (1947). 

Lana Turner como Madame Bovary em A Sedutora Madame Bovary (1949)

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Lana Turner tinha 27 anos de idade quando foi considerada para estrelar na adaptação do livro Madame Bovary de Gustave Flaubert. O filme A Sedutora Madame Bovary foi dirigido por Vincente Minnelli, com o roteiro desenvolvido por Robert Ardrey. Os dois tinham se decidido por Lana Turner, que achavam que seria uma ótima Madame Bovary. 

O problema foi que o código de conduta vigente na época negou a escolha de Lana, por ela ser vista como um símbolo sexual, que tornaria o filme de Madame Bovary - uma adúltera - ainda mais escandaloso. Eles, então, de acordo com a autobiografia de Minnelli, I Remember it Well, sugeriram que "uma atriz com um apelo mais digno como Greer Garson ou Jennifer Jones fosse escolhida."

Jennifer Jones, assim como Louis Jordan e o ator sueco Alf Kjellinm foram emprestados por David Selznick, que era o proprietário de seus contratos, para que a MGM produzisse o filme. Minnelli e o produtor Pandro Sherman ainda tiveram que tomar muito cuidado com o sensor, fazendo com que os dois amantes de Bovary fossem interpretados por atores estrangeiros, para apaziguar e satisfazer o restrito código de conduta americano. 

Clark Gable como o Conde Alexei Vronsky em Anna Karenina (1935)

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Nos anos 1930, não existia nenhum galã mais requisitado do que Clark Gable. Ele, que ganhou o Oscar de Melhor Ator por Aconteceu Naquela Noite em 1934, já era considerado o Rei de Hollywood, sendo que sua presença em um filme era garantia de sucesso. 

Por isso, o produtor David O. Selznick, da MGM, tinha Gable em mente para interpretar o famoso Conde Alexei Vronsky, na refilmagem de Anna Karenina (1935), que Greta Garbo havia lutado muito para conseguir, já que considerou o final do primeiro filme, que ela fez com seu então amante John Gilbert, uma afronta ao livro de Leo Tolstoy.

De acordo com o livro Casting Might-Have-Beens de Eila Mell, Clark Gable não estava nem um pouco interessado no papel. Ronald Colman também foi considerado, mas pediu um salário muito alto. Fredric March, que conseguiu o papel do conde, não o queria, mas foi obrigado a aceitar pelo estúdio. 

Clark pode ter recusado o papel, inclusive, porque teria Greta Garbo como protagonista. Os dois haviam atuados juntos em Susan Lenox (1931), depois que Garbo havia pedido a presença de Gable no filme, mas ela não ficou nada satisfeita com ele e nem com o roteiro, faltando vários dias do set de filmagens. Gable achou essa atitude extremamente rude e não profissional, e os dois tiveram uma relação bem fria depois disso. 

Jean Harlow como Jetty Strong em Nascida Para o Mal (1934)

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O filme nascida para o mal conta a história de Jetty Strong, uma prostituta com um filho para criar, que tenta tirar vantagem de tudo e todos, para se tornar rica. O que ela não contava era com a aparição de Malcolm Trevor (Cary Grant) e sua esposa Alyce (Marion Burns), que ficam encantados com seu filho Mickey, e além de tudo, são ricos - fato que não passa despercebido para Jetty, que tenta tirar vantagem disso. 

Loretta Young, uma católica fervorosa, estava acostumada a interpretar papeis de mocinhas boas, e fazer Nascida Para o Mal foi uma mudança e tanto para ela. O papel, na verdade, estava destinado à Jean Harlow - para quem a personagem e o filme foi escrito - mas segundo Cary Grant, em entrevista para James Bawden, Jean Harlow "se recusou a participar dele." Sobrou para a coitada de Young! 

O ator ainda contou mais, dizendo que havia sido emprestado para a FOX para estrelar em Nascida Para o Mal e que o filme era "simplesmente horrível." 

Anna Magnani como Rose Bianco em A Orquídea Negra (1958)

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Anna Magnani é uma das grandes atrizes da história do cinema. Tendo cimentado o seu lugar no cinema internacional ao ganhar o Oscar pelo filme A Rosa Tatuada, de 1955, ela era uma das atrizes italianas mais requisitadas pelos grandes diretores. 

O estúdio Paramount havia comprado os direitos do roteiro de A Orquídea Negra, escrito por um jovem italiano chamado Joseph Stefano que queria provar que conseguiria escrever uma história melhor do que via nos filmes, e logo pensou-se em Anna Magnani para estrelar na película, que eles - o estúdio- acreditavam ter a possibilidade de concorrer no Oscar. Ela recusou porque estava ocupada com outros projetos e o roteiro foi passado para Carlos Ponti, produtor casado com Sophia Loren.

Ele, que viu na história de uma imigrante italiana que tinha que sustentar seu filho à qualquer custo, um veículo para sua esposa brilhar resolveu produzir o filme com a Paramount. Sophia ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza em 1959, mas não pode aceitar a vitória ao lado de seu marido, já que a Itália ainda não havia considerado o divórcio dele com sua primeira esposa legal, e ele era considerado um bígamo por lá. 

Alain Delon como Michael Corleone na trilogia O Poderoso Chefão

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O Poderoso Chefão teve várias mudanças de atores que deixam muitos cinéfilos se perguntando o que poderia ter sido. Wynona Ryder poderia ter sido a filha de Michael Corleone em O Poderoso Chefão 3 e não Sofia Coppola. Laurence Olivier, se tivesse aceitado o papel, poderia ter sido o patriarca da família mais mafiosa do cinema e não Marlon Brando.

Mas, talvez, uma das opções de elenco mais curiosa tenha sido Alain Delon, que quase interpretou Michael Corleone na trilogia. De acordo com o livro Hollywood and the Mob: Movies, Mafia, Sex and Death de Tim Adler, o produtor do estúdio Paramount, Robert Evans, queria que seu amigo, Alain Delon interpretasse o protagonista do filme. Coppola, no entanto, se recusava, dizendo que se demitiria se Al Pacino não fosse contratado. 

Robert até se referiu à Al Pacino, como um "nanico", mas no final o diretor Coppola conseguiu que Al fosse o Michael Corleone que ele tanto queria. 

Brigitte Bardot como Barbarella (1968)

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A personagem Barbarella, criada por Jean-Claude Forest, foi criada em forma de história em quadrinhos em 1962 e se baseou no maior símbolo sexual da França, a atriz Brigitte Bardot. A história, que tinha um forte conteúdo sexual, se tornou um escândalo na França e ficou conhecido como a primeira história em quadrinhos com conteúdo adulto. 

Assim, a história chamou a atenção do produtor italiano Dino De Laurentis, que convidou Brigitte Bardot (a primeira escolha para o papel que havia sido baseado nela) e Sophia Loren. As duas declinaram a oferta, por acharem que se tratava de uma boba história em quadrinhos. 

Foi aí que Dino enviou uma carta para Jane Fonda pedindo que ela interpretasse Barbarella. De acordo com a biografia de Jane, My Life So Far, ela também iria dizer não ao papel, mas seu marido, o diretor Roger Vadim a convenceu do contrário, dizendo que filmes de ficção científica eram "o futuro" e que "eu deveria fazer e ele dirigir o filme." E assim foi feito! 

Carole Lombard (então Jean Peters) como Georgia em Em Busca do Ouro (1925)

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Carole Lombard, anteriormente conhecida pelo seu nome Jean Peters, começou a atuar muito cedo, com apenas 13 anos de idade e ficou conhecida por sua veia cômica em filmes como Irene. a Teimosa (1936) e Nada é Sagrado (1937). Antes disso, no entanto, ela era apenas mais uma atriz tentando conseguir trabalho em Hollywood. 

Assim, aos 16 anos de idade, ela estava concorrendo por um papel no clássico filme de Charlie Chaplin, o Em Busca de Ouro (1925). O problema era que Chaplin, envolvido com a atriz Lita Grey, que ele cismou em transformar em uma estrela, poderia ser acusado de estupro de menor já que Lita estava grávida, ela era menor de idade, com 16 anos e ele tinha 45 anos de idade. 

Por isso, Chaplin se casou com a atriz e escalou Georgia Hale, na época com 20 anos de idade, ou seja, de maior, para viver a personagem. Jean, ou melhor Lombard, foi descartada justamente por ser menor de idade, o que não ficaria bem para a imagem de Chaplin na época. 

Gina Lollobrigida como Cleopátra (1963) 

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A grande epopeia do filme Cleópatra e como ele demorou para ser feito é um assunto com muito pano para a manga. Antes de Elizabeth Taylor ser coroada a Rainha do Egito e começar um romance pra lá de caliente com Richard Burton, outras atrizes foram consideradas para o papel de Cleópatra, incluindo a atriz italiana, Gina Lollobrigida. 

Conhecida como 'A Mulher Mais Linda do Mundo', parecia fazer muito sentido que ela fosse escolhida como a rainha egípcia, mas ela acabou não sendo escolhida, por não ser um nome que atraísse muitos espectadores americanos para o cinema, como seria o caso de Elizabeth Taylor.

Segundo o livro My Life with Cleopatra: The Making of a Hollywood Classic escrito por Walter Wanger, produtor do filme, Gina e seu marido participaram de uma reunião para saber mais sobre o papel, em 1959. Audrey Hepburn também havia aceitado o papel, mas como estava sob contrato com a Paramount e eles não a deixaram ser emprestada para outro estúdio, a ideia caiu sob terra. Sophia Loren também estava disposta interpretar a soberana, mas seu marido achou um absurdo a ideia de que o filme seria feito totalmente no estúdio. 

Joan Collins, aliás, também estava morrendo de vontade, segundo Wanger, de interpretar Cleópatra, mas apesar disso, Elizabeth Taylor foi escolhida para o papel, recebendo o pagamento inédito de 1 milhão de dólares para o papel. 


O romântico livro Second Sight de Os Dois Mundos de Jennie Logan

*spoiler sobre o final do livro Second Sight e Os Dois Mundos de Jennie Logan 

Será que é possível viajar no tempo? Viver em uma época que não é sua e ir e voltar como você bem desejar até escolher onde o seu coração quer ficar? O tema da viagem do tempo é sinônimo de fascinação desde os tempos antigos, com mitos e histórias sobre ir para o futuro e voltar ao passado. O tema ganhou ainda mais força em 1985, com a trilogia dos filmes De Volta Para o Futuro estrelando Michael J. Fox e Christopher Lloyd. Mas nem de aventura e ação é feito o passado e nem mesmo o futuro...a paixão também já ganhou as telas em filmes como Em Algum Lugar do Passado (1981), com Christopher Reeve e Jane Seymour, A Casa do Lago (2006) e até a adorável comédia romântica Kate & Leopold (2006). 

Outro filme que fez muito sucesso no Brasil quando passava na 'extinta' Sessão da Tarde da TV Globo, foi Os Dois Mundos de Jennie Logan (1979), estrelado pela eterna Mulher Biônica, Lindsay Wagner e Linda Gray - que causou um furor à parte com sua participação no filme, já que participava da famosa série Dallas na época como a personagem Sue Ellen. 

Baseado no livro do desconhecido autor David Williams, Second Sight [algo como À Segunda Vista], a obra hoje é desconhecida, mas na época fez relativo sucesso. O livro conta a história de Jennie, uma mulher traída pelo seu marido Michael (Alain Feinstein) com uma de suas alunas, que se muda para o interior para conseguir um novo começo. Jennie se apaixonou pela casa que se mudou e ao encontrar um vestido no sótão não imaginava que ele lhe levaria até o seu amor verdadeiro: um pintor chamado David Reynolds (Marc Singer) que está envolvido em um grande mistério. 

Lindsay Wagner encanta como Jennie Logan                                                         Divulgação/Gif
Embora existam muitos homônimos do autor, o nome David Williams nos Estados Unidos é bem comum, o catálogo de David na editora Simon and Schuster, que publicou seu livro, mostra que ele apenas tem essa obra publicada. Não existe nenhuma informação sobre o autor online, em qualquer registro e nem mesmo uma foto sua. A única coisa que sabíamos é que ele registrou o seu livro no dia 12 de outubro de 1977 para conservar seus direitos autorais. 

Logo na primeira página, o autor agradece à autora de mistério Shelly Reuben pelo apoio e à um artista chamado Samuel J Warner, que possivelmente é um pintor, mas não se sabe muito bem. Na verdade, assim como a autora de Vozes na Casa que deu origem ao filme Um Fantasma Apaixonado com Gene Tierney e Rex Harrison, não sabíamos nada sobre David L Williams. Nós da Caixa de Sucessos, então, queríamos mudar isso e entramos em contato com Shelly e felizmente, a grande autora que foi super solicita, nos deu contato direto com David Williams e agora podemos contar um pouco mais sobre a criação de seu livro Second Sight e sobre ele! 


O autor hoje, que tem 77 anos de idade                                  Divulgação/Arquivo 
Segundo David Williams, a criação do seu livro veio de modo natural, quando ele se tornou editor em uma editora de livros nos Estados Unidos, em Nova York. Ele sempre teve vontade de escrever, e inclusive sua irmã, Joyce Parks garante que seu irmão sempre teve "nariz em cima dos livros" desde criança, mas a urgência de escrever Second Sight veio mesmo depois de ajudar um amigo a publicar sua novela gótica. David pensou: "Eu consigo escrever melhor do que isso!" e imediatamente começou a escrever algumas notas: "Inspirado por tudo isso, no fim do dia, eu tinha 18 páginas de notas, praticamente o embrião inteiro do livro ali e eu percebi que essa história era boa demais para não ser publicado em capa dura." 

 A inspiração continuou, afinal, porque ele tinha acabado de ler o livro de D.H Lawrence, A Virgem e o Cigano (The Virgin e the Gypsy), e David Williams revela que "algo do sabor daquele livro entrou na minha imaginação enquanto eu escrevia a história." A obra demorou mais três anos e meio para ficar pronta (ele começou a escrever em 1974), mas ele conta que não teve problemas ou grandes desafios ao ser publicado, o que é ótimo. 

O icônico vestido branco de Jennie Logan inspirado em Julie Christie              Divulgação/Montagem

Outra inspiração de David Williams, veio também do filme estrelado por Julie Christie e Alan Bates, O Mensageiro (The Go-Between) de 1971, especialmente o lindo vestido branco que sua heroína, Jennie Logan, usa: "Eu estava, até um certo ponto, inspirado por um filme britânico chamado O Mensageiro. A personagem da Jennie foi inspirada pela heroína do filme, interpretada por Julie Christie. A personagem de David Reynolds também foi inspirada pelo interesse romântico de Julie Christie, vivido por Alan Bates. O vestido branco foi inspirado no lindo vestido que Julie usa no filme, filme esse que é baseado no livro de L.P Hartley chamado The Go-Between. A frase que usei no epígrafo da minha novela - O passado é um país estrangeiro, eles fazem as coisas diferentes por lá - é a primeira frase desse livro." 

Apesar da obra Second Sight, que deu origem ao filme Os Dois Mundos de Jennie Logan (1979), falar sobre viagens no tempo, o autor garante que esse não é um assunto de seu interesse e o que aconteceu quando escrevia foi pura sorte: "A ideia que a Jennie voltaria no tempo veio em um fluxo de inspiração, enquanto eu rapidamente escrevia as notas. É um desses eventos abençoados que acontece com um escritor, quando a história vem e se inventa e aconteceu quando eu percebi que eu poderia escrever melhor do que o cara que eu tinha acabado de escrever o seu livro." Mas ele revela que o passado também é sinônimo de saudosismo para ele, ao dizer: "Provavelmente [a viagem no tempo] tem a ver com a minha visão romântica de um tempo mais bonito e em paz do que o nosso." 


Jennie Logan (Lindsay Wagner) viaja no tempo através de seu vestido                 Divulgação/Gif
Ao contar, no entanto, sobre a versão para filme de seu livro, Second Sight, ele admite que não participou do processo e que também prega a ideia de que "o livro é sempre melhor que o filme", o que nós da Caixa de Sucessos, temos que concordar no seu caso: "Francamente eu não gosto. Mas, também, eu nunca gostei de um filme baseado em um livro que eu gosto, muito menos um que eu escrevi. Você, entende, eu já fiz o filme na minha cabeça. Eu sei como cada cena é, como cada personagem é e como eles falam, como cada ambiente é, como todo mundo fala e se move...eles nunca fazem o meu filme." 

O final de seu livro Second Sight, que é bem similar ao Os Dois Mundos De Jennie Logan(1979), David Williams admite o que todos pensávamos: que Jennie Logan realmente conseguiu voltar no tempo e ficar com o seu amado David Reynolds: "O final como é agora deve te levar naquele momento em que Beverly sugere duas teorias sobre o que pode ter acontecido para que a cristaleira tenha quebrado dentro do armário da sala - um 'mundo paralelo' onde 'além de uma barreira cósmica tem outro mundo igual à esse - mesmo ambiente, mesma paisagem -algumas coisas são diferentes, mas basicamente é tudo igual' e 'outra teoria - que o passado, o presente e o futuro existem de forma simultânea e que se você souber como, pode se mover de um para o outro'. 


Jennie Logan e David Reynolds são alma gêmeas                                          Divulgação
Segundo David Williams, escritor de Second Sight, isso é mais do que suficiente para entender o final do filme: "Essas duas teorias, juntas, eu achei que proveriam uma causa plausível para a habilidade de Jennie de se mover do presente para o passado, mas também como ela poderia morrer em um mundo e sobreviver feliz em outro..." 

No final de nossa entrevista, aliás, David Williams deixou um recado para os fãs do filme Os Dois Mundos de Jennie Logan (1979) e que desejam ler o seu livro Second Sight, dizendo que "os fãs nunca sabem o quanto significa para um autor saber que o seu trabalho tocou o coração e a alma de muitos outros, evidência que a emoção e os pensamentos que o motivaram de escrever o livro saíram da imaginação privada do autor para a imaginação privada de outros." David ficou muito feliz de saber do interesse brasileiro no filme e no seu livro e ficou tocado com o pedido da Caixa de Sucessos para entrevistá-lo. 


O livro Second Sight de David Williams é uma obra-prima incompreendida - ela une o romance com o tema de viagem no tempo de um modo prazeroso e muito gostoso de se ler, além de conseguir construir o livro todo como uma grande poesia, que enaltece a esperança de encontrar o seu verdadeiro amor, por mais no passado que ele possa estar. 
"Não existia nenhuma distância entre o tempo dele e o dela; o tempo parou de existir, tudo que era incompleto não existia mais e eles se elevaram para o nível no qual toda a existência era apenas uma e inseparável - eterno e imortal." (Second Sight; David Williams, página 158) 

*Sobre o autor: David Williams nasceu em 3 de julho de 1939 em Oregon, nos Estados Unidos. Adolescente, ele entrou para as Forças Áreas esperando guardar dinheiro para cursar uma Faculdade. Aprendeu a falar russo e em 1959 ficou baseado na Rhein Main Air Base, onde ele conheceu sua esposa e participou de missões aéreas perigosas, pelo Mar Negro e o Mar Báltico, através da Cortina de Ferro. Voltou para os Estados Unidos, se formou na Universidade de Oregon em 1966, e foi para a Alemanha para estudar novamente. De volta aos Estados Unidos, foi para Noya York, e viveu lá durante 37 anos, editando livros. Ele vivia na cidade de Bend, em Oregon e faleceu em 29 de maio de 2021. Seu livro pode ser comprado, em inglês, pela Amazon, no link.


Para participar de nossa petição, que visa à tradução do livro Second Sight para ser lançado, em português, aqui no Brasil, acesse o link: http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR100014


Os figurinos do filme O Cangaceiro (1953)

O estúdio de cinema Vera Cruz, com o nome de Companhia Cinematográfica Vera Cruz, nasceu em 1949 e entrou em uma dívida irreversível nos anos 50, entrando em falência em 1954. O interessante é que mesmo na bancarrota, o estúdio conseguiu produzir um de seus maiores sucessos, o filme O Cangaceiro de 1953. 

A história do filme, idealizada pelo diretor Lima Barreto, foi inspirada nos filmes de faroeste americanos, mas colocando elementos brasileiros na película. Se aqui não temos caubóis, ele usou a figura dos cangaceiros - homens que viviam fora da rotina e que buscavam vingança pelo modo de vida - para dar vida à sua história, que segue Teodoro (Alberto Ruschel), um fora da lei que acaba se apaixonando pela professora da cidade do interior, Olívia (Marisa Prado). Apesar de Alberto querer ser diretor de cinema, o seu caminho como ator já estava destinado e ele foi considerado por Barreto, o intérprete ideal para Teodoro, segundo conta a revista Cinelândia.

Alberto foi um dos galãs do cinema brasileiro                                     Divulgação/Gif
Mas quem fez sucesso mesmo foi a atriz Vanja Orico, de quem supostamente John Wayne teria gostado tanto durante sua vinda ao Rio de Janeiro, que teria lhe convidado a fazer filmes em Hollywood. Como nós da Caixa de Sucessos, não achamos nenhuma outra evidência que atestasse esse fato, muito provavelmente essa 'vinda' de John Wayne não deve ser verdadeira ou pode ter sido bem breve. 

Mas, voltando ao filme, que foi aclamado durante o festival de Cannes de 1953, ganhando o prêmio de melhor trilha sonora, em uma menção honrosa para Gabriel Migliori, um grande compositor brasileiro, que também trabalhou em outro filme com temática de cangaço, o Lampião, o Rei do Cangaço (1964). O filme também ganhou o prêmio de melhor filme de aventura no festival, que Lima Barreto pode levar para a casa. Mas o foco aqui nesta matéria é o figurino fiel de O Cangaceiro (1953), que foi todo idealizado pelo grande artista Carybé. 

Carybé fez mais de mil desenhos para o filme, cena a cena                 Divulgação/Youtube
Carybé, ou para os mais íntimos Hector Júlio Baridé Bernabó, nasceu em 7 de fevereiro de 1911, num subúrbio de Buenos Aires, na Argentina, ele veio ao Brasil com 18 anos de idade e entre idas e vindas, se naturalizou brasileiro em 1957. A maioria das obras de Carybé (apelido que significa mingau ralo usado para doentes), eram feitos com a técnica de serigrafia - uma técnica na qual você vaza a tinta pela tela -, diferente das cenas que ele fez para o filme O Cangaceiro de Lima Barreto, que era de grafite. Seguindo o storyboard de Carybé, que ele morador da Bahia foi à São Paulo só para fazer isso, a figurinista Jacy Silveira (creditada como guarda-roupa no filme), encontrou as roupas que se adequassem à sua visão. O pintor, aliás, também fez uma pequena participação como figurante no filme. 

A storyboard feita por Carybé foi leiloada em 2014           Divulgação/Leilão de Arte Online

O figurino dos cangaceiros homens não mudam e são extremamente fiéis às figuras do cangaço brasileiro, que teve seu vigor na década de 20 e 30 aqui no Brasil. O traje deles é composto pelo chapéu com o símbolo do signo do salomão (que confere sua força e poder), com alpercatas (calçados feito de couro) e inúmeros acessórios, tornando assim, claro, o orgulho que eles tinham de seu bando e de sua atuação no nordeste brasileiro. Carybé e a figurinista Jacy conseguiram passar essa autenticidade para as telas, sendo que os cangaceiros nunca tiram seus trajes durante o filme: mostrando a fidelidade que eles tem para o seu trabalho. 
Abaixo, a cena do filme e acima uma foto com o bando do Lampião            Divulgação/Montagem
Vanja Orico, aliás, pode ser considerada a protagonista do filme, mais até do que a própria Marisa Prado, a outra metade do casal Teodoro e Olívia, isso porque ao cantar Mulheira Rendeira, a música-tema do filme O Cangaceiro e a história paralela de sua personagem Maria Clódia e do líder do cangaço, Galdino (Milton Ribeiro) é de certa forma uma das forças maiores do filme, não desmerecendo o belo trabalho da atriz Marisa Prado. Ela e Roberto tiveram uma ótima química, o que se transferiu muito bem nas filmagens. É que em termos de figurinos, Vanja, que teve sua estreia no filme de Frederico Fellini, Mulheres e Luzes de 1950, tinha muito mais com o que trabalhar, já que Marisa tinha apenas uma roupa durante toda o filme: o seu uniforme de professora. 

Marisa Prado começou como montadora de filmes, mas sua beleza a destacou      Divulgação/Montagem 
Mesmo com apenas a vestimenta de professora, ela conseguiu transpassar muito seus sentimentos através de seus trajes. Se no começo, na presença de Teodoro e os cangaceiros, ela ficava ereta, com os trajes bem cobertos, assim que ela começa a conhecer seu cangaceiro Teo e a se sentir mais à vontade com ele, ela dobra as mangas de seu vestido, solta o seu cabelo e até pega um dos colares de Teodoro como lembrança dos momentos que passaram juntos - ela não o julga mais, está apaixonada e seu guarda-roupa também denuncia isso. 

Já Vanja, a musa do ciclo do Cangaço, como era conhecida na época, tinha um figurino de cangaço de muito respeito. A única diferença para o vestuário masculino é que ela não usava calças e sim saias compridas, que chegavam até seus tornozelos. Quando não estava em ação, no entanto, ela apostava em roupas sensuais, que combinavam com sua persona sedutora, principalmente quando tinha sua atenção voltada para Teodoro, quem ela sempre amou, mas nunca sentiu o mesmo por ela. A sua cintura está sempre demarcada e ela usa seus cabelos sempre soltos, mostrando sua personalidade destemida e livre. 

A grande estrela do filme O Cangaceiro (1953)


O Cangaceiro (1953) é um dos clássicos do cinema brasileiro. Com diálogos escritos por Rachel de Queiroz, uma grande tradutora e escritora de sucesso, com um especial apreço ao assunto do cangaço, o filme de Lima Barreto tem seu lugar marcado na história, seja pelo seu roteiro que trata de amor e ódio na mesma medida, pelos seus atores talentosos e até pelo seu próprio trabalho e o de Carybé, que adicionaram muito à esse filme 'faroeste-cangaceiro'. Um dos grandes exemplos da qualidade do cinema brasileiro. 






As quatro estrelas do filme Ciúmes (Wife Vs Secretary), de 1936

O ciúmes é um assunto universal. Seja ficar com ciúmes de um amigo que está saindo com outra pessoa além de você, um namorado ou namorada flertando com outro alguém bem na sua frente ou até ciúmes do seu irmão, que ganha mais atenção do que você, o ato de sentir ciúmes é universal. Tanto que três das maiores estrelas de Hollywood da década de 1930, Clark Gable, Myrna Loy e a eterna Jean Harlow estrelaram em um filme chamado Wife Vs Secretary, traduzido corretamente como Ciúmes aqui no Brasil. 

A história do roteiro é a seguinte: Clark Gable interpreta um empresário do ramo jornalístico chamado Van que é casado com uma mulher linda e independente, sua esposa Linda, vivida por Myrna Loy. A relação deles é perfeita, a não ser por um pequeno e loiro problema: a secretária de Van, Whitey, vivida por Jean Harlow. Mesmo com um noivo, o Dave, interpretado por um novo James Stewart, o ciúmes e a desconfiança de Linda com Van e Whitey, que passam a maioria do tempo juntos, não cede e a relação entre eles começa a ruir. 

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Myrna Loy já revelou que esse foi um dos filmes mais sensuais dos quais ela estrelou ao conversar com o estilista David Chierichetti, segundo o autor do livro Myrna Loy - The Only Good Girl in Hollywood. Myrna teria dito: "Aquele mulher tinha um pé na cama durante todo o filme."Clark e Myrna passavam boa parte do filme se beijando e com cenas sensuais - para a época - talvez em um apelo para mostrar que escolher a esposa é sempre melhor do que a secretária, mesmo se ela for Jean Harlow. 

Jean, por outro lado, fica em boa parte do filme com roupas modestas, típicas de secretárias da época. Nem na cena em que Linda começa a ver Whitey com outros olhos - na qual estão dando uma festa em casa e Whitey aparece para falar sobre o trabalho super arrumada já que sairia com seu noivo - Jean Harlow está em um vestido mais sensual do que de Myrna Loy. Jean, aliás, aparece pela primeira vez com a cor natural de seus cabelos, sem o loiro platinado que virou sua marca registrada. 

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A química entre Gable com suas duas protagonistas é sensacional. Este foi o quarto de cinco filmes que Clark fez com Jean Harlow, com quem ele tinha uma amizade super especial - seu apelido para Jean era Baby e os dois eram como irmão e irmã dentro e fora dos sets de filmagens. Outra curiosidade do relacionamento deles é que antes de morrer, aos 26 anos de idade, Jean estava noiva do "grande amor de sua vida", o ator William Powell que tinha sido casado anteriormente com Carole Lombard, com quem Gable se casaria anos depois, em 1939, para perdê-la em 1942 quando o avião em que ela estava caiu. Sobre Jean, William Powell - que também atuou na saga de sucesso Thin Man - A Ceia dos Acusados com Myrna Loy - revelou: "Ela [Jean] morreu em meus braços. Foi o dia mais triste de minha vida." Clark Gable fez questão de carregar o caixão de sua grande amiga durante seu enterro em 9 de junho de 1937. 

Jean Harlow também causou uma grande impressão no novato James Stewart que no filme Ciúmes interpretava seu noivo bobão Dave. Quando perguntando qual era a sua parceira de filmes favorita, Jimmy em entrevista com Michael Munn, respondeu: "Jean Harlow...eu fiz um filme com ela.  Ciúmes (Wife Vs Secretary). Eu tinha um papel pequeno porque naquela época quando você tinha um contrato, você fazia papeis pequenos em filmes grandes e papeis grandes em filmes pequenos. Foi um papel pequeno e essa linda garota. Meu Deus...ela era linda! Eu tinha essa cena com ela que sentávamos no carro enquanto eu falava sobre meus planos de vida e nós acabávamos a cena com um beijo. O que tínhamos que falar era pouca coisa e no ensaio não demos muita importância e aí nós beijamos e bem...ela logo tomou a frente e eu soube ali que eu nunca tinha sido beijado de verdade antes disso." 

O beijo que James Stewart nunca esqueceu                                       Divulgação/Gif 
Os dois, aliás, namoraram um pouco depois do filme, mas o relacionamento acabou quando Jimmy soube do envolvimento do pai de Jean com gangsteres, coisa que ele achava muito perigoso. Mesmo assim, esse foi o filme responsável por mostrar o grande potencial de Stewart para monólogos, como ele mesmo contou para Michael Munn na biografia Jimmy Stewart: The Truth Behind the Legend. Sobre isso, o ator disse que o diretor Frank Capra, com quem ele fez filmes de muito sucesso, lhe contou que: "há algo em você que os caras comuns conseguem se relacionar e quando você diz um sermão, as pessoas não acham que você está lhes dando uma lição. Eles acreditam em você. Se Clark Gable tentasse fazer isso...bem, quem acreditaria que o rei de Hollywood poderia representar um cara normal?" 

Vale lembrar que, posteriormente, Jimmy Stewart deu monólogos maravilhosos em filmes como A Mulher Faz o Homem (1939), como o querido George Bailey no filme A Felicidade Não se Compra (1946), e no filme A Comédia dos Acusados (1936), no qual ele atua com Myrna Loy e William Powell, curiosamente. James credita o filme Ciúmes e seu monólogo sobre um aumento no salário de seu personagem em 20 dólares a razão pelo qual produtores acreditavam que ele sempre deveria ter um longo sermão nos filmes. Não que ele reclamasse, é claro. 

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Ciúmes também lidava já em 1936 com o crescimento da força feminina no mercado de trabalho, tratando sobre assuntos de 'casamento x emprego', 'filhos e marido x carreira profissional'. Outro filme da mesma época que lida, mais superficialmente sobre o assunto, é Esposas Ciumentas (1939), com Linda Darnell e Tyrone Power, que, inclusive, o ator teve uma estadia estrelada no Brasil. Mas pela primeira vez, Ciúmes não explorava a imagem sensual de Harlow e deixava outra estrela brilhar, criando um atrito magnífico ao reverter os papeis das estrelas do estúdio MGM, que é um dos pontos altos do filme, além da atuação breve, mas marcante de James Stewart. 

Ciúmes (Wife Vs Secretary) pode parecer um filme datado, mas com certeza não o é: o embate da vida familiar e profissional, a dúvida e a culpa que as mulheres sentem em escolher sua carreira e o próprio ciúmes de seu parceiro(a), permanece mais atual do que nunca, 81 anos depois. Quem diria! 



Tudo Sobre Minha Mãe (1999): Bette Davis, Romy Schneider e Gena Rowlands

*spoilers sobre o filme Tudo Sobre a Minha Mãe (1999)

O filme Tudo Sobre a Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre), de 1999 é um dos mais premiados da carreira do cineasta Pedro Almodóvar, afinal a facilidade do diretor em entender a complexidade da vida feminina, de compreender o nicho familiar e mostrar como tantas vidas e mulheres diferentes podem se unir, para sempre, de uma hora para outra, são a sua especialidade. 

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Em Tudo Sobre Minha Mãe, vemos tudo isso em ação, especialmente, no epílogo do filme, no qual Almodóvar dedica a todas as mães do mundo, mas em especial à três artistas: "A Bette Davis, Gena Rowlands, Romy Schneider...à todas as atrizes que interpretaram atrizes, à todas as mulheres que atuam, aos homens que atuam e se tornam mulheres, à todas as pessoas que querem ser mães. Á minha mãe." Em uma entrevista, aliás, ele revela que poderia ter expandido a lista para incluir Gloria Swanson, Lana Turner, Judy Garland e Ava Gardner, mas ele não o fez. Então por que ele escolheu essas três atrizes em particular? Cada uma delas tinha uma relação particular com seus filhos e que englobam o universo de Tudo Sobre Minha Mãe. 

Bette Davis

Uma das cenas iniciais do filme Tudo Sobre Minha Mãe é quando Manuela (vivida por Cecilia Roth) e seu filho Esteban (Eloy Azírin) estão em casa, preparando-se para jantar na frente da televisão, assistindo ao filme A Malvada, o original All About Eve, de 1950. Nele, conhecemos Margo Channing (Bette Davis), uma atriz mais velha que sofre retaliação de uma atriz mais nova e sem escrúpulos, Eve Harrington (Anne Baxter), que rouba seu lugar na sua peça e consequentemente, quer roubar sua vida. 
O filho de Manuela reclama da dublagem do título do filme, que em espanhol fica Eva Desnuda, e ratifica que o filme deveria ser chamado Todo Sobre Eva (All About Eve), como é no original. Escritor, ele finalmente dá o título para uma história que vem escrevendo sobre sua mãe: a Todo Sobre Mi Madre (Tudo sobre Minha Mãe), título também do filme de Almodóvar. 

Trecho do filme Tudo Sobre Minha Mãe                                        Divulgação
Além dessa relação inicial com Bette Davis, mais para frente quando o filho de Manuela morre, ela acaba se relacionando e atuando como secretária pessoal de uma atriz que seu filho adorava, a Huma Rojo (Marisa Paredes), que está em cartaz na peça Um Bonde Chamado Desejo. Huma está se relacionando com Nina, a atriz que interpreta sua irmã Stella, na peça. Quando Nina passa mal, é Manuela que entra em seu lugar e interpreta a personagem, ganhando aplausos tremendos. Assim, ela é acusada de dar uma de Eve Harrington, ou seja, roubar os holofotes de outra pessoa. 

Mas, apesar de Almodovar ter usado A Malvada como uma das bases para o seu filme, podemos também relacionar a escolha da dedicatória com a própria vida de Bette Davis como mãe. A atriz teve três filhos: uma biológica chamada Barbara Davis (B.D), com seu terceiro marido, William Grant Sherry, e adotou outros dois, Michael e Margot (uma criança com deficiências mentais) com seu quarto marido Gary Merill, que ela conheceu atuando em A Malvada. Ela e sua B.D eram super unidas, até que sua filha resolveu se casar, aos 16 anos de idade, com um homem 13 anos mais velho, chamado Eliot Hyman. De acordo com o artigo da Vanity Fair, Bette Davis culpou o casamento repentino de sua filha pela sua má relação, anos depois, culminando na publicação de um livro de sua filha contando tudo sobre sua vida com Bette Davis chamado My Mother's Keeper. 

B.D Hyman, a única filha biológica de Davis                                             Divulgação
Quando ela morreu, em 1989, Bette Davis deixou sua fortuna, estimada em quase 1 milhão de dólares, para seu filho Michael e o resto para sua secretária pessoal Kathryn Sermack. Ela não deixou nada para sua filha com necessidades especiais, a Margot. Foi Gary Merill quem cuidou das despesas de sua filha até sua morte, criando um fundo que é cuidado até hoje pelo seu filho e irmão de Margot, Michael.  

Bette Davis foi uma mãe que nunca conseguiu prover aos seus filhos o amor que poderia, quase como a mãe de Rosa, no filme Tudo Sobre Minha Mãe. Ela também deixava seus filhos aos cuidados dos outros e não sabia como se relacionar com sua filha, vivida por Penélope Cruz. A separação entre elas como mãe e filha era aparente, assim como a falta de conexão de Davis com seus filhos. 

Rosa e sua mãe                                                                     Divulgação
Bette Davis, representa, portanto, a separação entre mãe e filho, afinal, apesar de todo o amor e cuidado, nem sempre conseguimos nos entender com nossos filhos - eles são pessoas diferentes com seus próprios objetivos. E um dia sua mãe terá que lhe deixar ir e o relacionamento muda para sempre e a amargura toma conta. Bette Davis representa, portanto, o distanciamento. 

Gena Rowlands

Já Gena Rowlands, a atriz, não teve uma vida tão complicada quanto Bette Davis. Casada com o renomado diretor John Cassavetes de 1954 até 1989 (o ano de sua morte), o casal teve três filhos e viviam uma vida familiar pacífica e muito feliz. Gena era musa de John, já que ele criava muito de seus papeis tendo sua linda esposa em mente. Mesmo assim, Gena era uma mulher forte, que conseguia atuar diferentes personalidades em todos os seus filmes.  

Em Tudo Sobre Minha Mãe, há uma cena que faz referência direta à atriz, assim como o filme A Malvada faz com Bette Davis. Na cena no começo do filme, em que o filho de Manuela, Esteban, vai procurar sua atriz favorita, Huma Rojo, para conseguir um autógrafo, ele acaba atropelado e morre. Essa é uma referência direta ao filme de Cassavetes, Noite de Estreia (Opening Night), de 1977, na qual Gena interpreta uma atriz que observa um jovem fã morrer bem na sua frente para conseguir seu autógrafo.  

Cena a cena: Noite de Estreia (1977), acima e Tudo Sobre Minha Mãe abaixo
Também podemos ver influência de outro filme de Cassavetes na história: a de Glória, de 1980, também vivida por Gena Rowlands. Neste filme, ela se torna a guardiã de um jovem cujo os pais foram mortos pela máfia. Já em Tudo sobre Minha Mãe, Manuela se torna a guardiã legal do filho da irmã Rosa sem grandes problemas. O que as duas tem em comum? A capacidade de protegerem seus filhos a qualquer custo, afastando-se de quem for possível e tomando todas as medidas necessárias para cuidar deles. Essa qualidade combina perfeitamente com a personalidade de Manuela, a mãe central da trama. É ela que chamaríamos, portanto, de elo de aproximação do filme.  

Divulgação/Montagem
Enquanto a figura de Davis significa a separação, a de Gena Rowlands representa o cuidado entre mãe e filho e a busca de Manuela de sempre ter alguém por quem estar ninando em seus braços. Manuela é o apelo universal da figura maternal, da harmonia familiar. 

                                                            Romy Schneider 

Se Bette Davis representaria a separação natural e progressiva entre mãe e filho na história e Gena Rowlands, o cuidado, Romy Schneider representa o amor universal de mãe. A história da atriz austríaca, aliás, é a mais trágica entre as três artistas citadas. Ela nasceu Rosemarie Magdalena Albach em 1938 e já aos 16 anos de idade fazia sucesso como a imperatriz Sissi na trilogia Sissi a Imperatriz, que nós da Caixa já fizemos uma matéria especial sobre a obra. 

Mas foi ao se mudar para a França que Romy ganhou fama internacional e as maiores aclamações de sua carreira. No entanto, a sua vida ficou marcada pela tragédia. Logo depois de um noivado de mais de cinco anos com o ator francês Alain Delon, ele se casou com outra mulher e Romy, uns três anos depois, dava à luz seu primeiro filho, David Haubenstock fruto do casamento com o cenógrafo Harry Meyen. Os dois se separaram em 1975 e quatro anos depois, Harry se suicidava - já que sofreu de depressão durante a vida toda, agravada depois de ser torturado pela Gestapo na Segunda Guerra Mundial por ser judeu.  

Romy e seu filho David no filme A Morte Ao Vivo (1980)                            Divulgação
Outra tragédia viria: aos 14 anos de idade, David tentava subir o portão da casa de sua família, pois não queria incomodar seus avós e acabou se desequilibrando e caiu com o corpo atravessado pelos portões de ferro. Romy, apesar de ter uma segunda filha com Daniel Biasini, Sarah Biasini, não superou a perda de seu primogênito e acabou morrendo um ano depois, em 1982, por uma parada cardíaca depois de tanto abuso de remédios.   

Sobre ela e sua menção no filme Tudo Sobre Minha Mãe, Almodóvar afirmou no kit de imprensa da obra que foi a atuação de Romy no filme O Importante é Amar (L'important c'est d'aimer) de 1975 que o inspirou a modelar a vida de Sebastian como escritor e usando isso como ponto de partida para a jornada de sua mãe Manuela: misturando a ficção do que Sebastian achava ser a vida de Manuela com o que realmente era. Mas no filme O Importante é Amar também há a questão do amor: a personagem de Romy ama a qualquer custo, sentindo a nostalgia do que é ser amada até quando não é mais. 

Em Tudo Sobre Minha Mãe, a personagem de Rosa, vivida por Penelópe Cruz, sente exatamente isso. Uma freira, ela acaba se apaixonando pela travesti Lola e fica grávida com o seu filho. Mesmo doente, ao descobrir que tem AIDS, Rosa leva sua gravidez adiante e dá todo o amor para seu recém-nascido filho, fazendo no final, o sacrifício maior do amor: dar à luz seu filho, também chamado Sebastian, e morrer durante o trágico parto.  

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Para Rosa, o amor aos seus pais, o amor à sua família, o amor pelo próximo, o amor ao seu filho e aos seus amigos é que a guiaram durante seus dias na Terra. Ela era toda amor, assim como Romy Schneider era para com seus filhos. Ela amava demais, sem medidas, era simplesmente amor - amor de mãe. 


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