O relacionamento de Elvis e Priscilla Presley e o livro Elvis e Eu

Priscilla Beaulieu Presley decidiu lançar o livro autobiográfico Elvis e Eu (Elvis and Me) em 1985, oito anos após a morte da lenda conhecida como Elvis Presley, para relatar seu relacionamento de mais de 12 anos com o cantor de rock.

O livro, que foi escrito por Priscilla com a ajuda da escritora Sandra Harmon, logo se tornou um dos grandes bestsellers daquele ano e cimentou, de vez, a fascinação dos fãs sobre a vida pessoal de Elvis, especialmente seu namoro tóxico com a jovem Priscilla, que começou quando ela tinha apenas 14 anos de idade e Elvis, 24 anos. Para os fãs, a história do casal já é conhecida: quando o cantor estava na Alemanha após ser convocado para prestar serviço militar (que consistia em basicamente entreter as tropas), um amigo de Presley convidou Priscilla para uma das festas do músico. Elvis ficou encantado com ela e fez questão de conhecê-la cada vez mais, transformando-na, pouco a pouco, em sua "mulher ideal". 

O livro Elvis e Eu (Elvis and Me) tenta mostrar um pouco da dinâmica entre o músico e Priscilla, incluindo os altos e baixos do relacionamento, mas nunca se aprofunda de verdade nos assuntos que os fãs querem saber. No fim, é uma versão higienizada da história do casal, quase como se Priscilla tivesse medo de contar toda a verdade.

Elvis e Priscilla em seu dia de casamento, em 1 de maio de 1967
A história do livro Elvis e Eu (Elvis and Me) começa com Priscilla relembrando o dia da morte de Elvis, em 16 de agosto de 1977, e como ela se sentiu impotente e sem direção ao saber dessa notícia, pois havia sido o cantor que a havia transformado na pessoa que se tornou:
Ele havia me ensinado tudo: como me vestir, como andar, como aplicar maquiagem e usar o meu cabelo, como me comportar e como retribuir o amor - da sua maneira. Ao longo dos anos ele se tornou meu pai, marido e quase Deus. Agora, ele se foi e eu me senti mais sozinha e com medo do que nunca. - Elvis e Eu, pág 15. 
A partir daí, no esquema de narrativa na 1ª pessoa, Priscilla tenta se tornar mais próxima do leitor ao contar mais sobre sua vida antes de conhecer Elvis, porém falha em seu objetivo. Isso porque ela apenas "risca" a superfície de todos os assuntos que a obra trata. Neste ponto sabemos que a jovem, aos 12 anos de idade, descobre que quem ela achava que era seu pai, na verdade é seu padastro. Sabemos que ela era considerada uma jovem linda e, que além de tudo, era inteligente e requintada. Mas essa é apenas a imagem que ela passa e nunca, durante todo o livro, conseguimos entender a fundo, quem Priscilla é.

Outro ponto narrativa que gera alta especulação foi o começo de seu namoro com Elvis. Em 1959 na Alemanha; que foi onde eles se conheceram, Priscilla tinha 14 anos e Elvis, 24. Durante toda a extensão da obra, Priscilla deixa claro que seus pais eram totalmente contras ao seu relacionamento com Elvis e que ela teve que implorar para ficar ao seu lado. Mas se seus pais, Anna e Paul (pai adotivo, o biológico era James) não aprovavam o namoro, por que deixaram uma jovem de 16 anos de idade morar sozinha com Elvis nos Estados Unidos?

Priscilla e seus pais
Elvis retornou aos Estados Unidos depois de sua passagem na Alemanha em 3 de março de 1960 e a própria Priscilla deixa claro em seu livro que as ligações e as cartas eram escassas entre eles. Se os seus pais não queriam que a jovem, então com 14 anos, namorasse o cantor eles tinham todos os meios e possibilidades para tal. Assim, apesar de grandes falácias na biografia escrita sobre Priscilla Presley, intitulada Child Bride: The Untold Story of Priscilla Beaulieu Presley por Suzanne Finstad, uma teoria se sobressai como verdadeira: o fato de os pais de Beaulieu, especialmente sua mãe, terem-na impulsionado a namorar Elvis, já que eles sempre esperavam que a jovem atingisse a grandeza, em boa parte por ser tão bela, independente dos meios para tal.

O fato é que, mesmo um fã do Elvis, não pode negar que o relacionamento entre Priscilla e o cantor era abusivo: o consagrado Rei do Rock a transformou em uma boneca real, sua mulher fantasia, e a jovem aceitou alegremente este papel, muito provavelmente pela seguinte combinação: pressão dos pais, o sonho de namorar um grande astro, aspirações de grandeza e a ingenuidade de uma jovem garota que se achava a mais bela de todas.

Muitos fãs se perguntam por que Elvis sempre voltava para Priscilla, apesar de Ann-Margret sua co-estrela em Amor a Toda Velocidade (Viva Las Vegas , 1964) ser um par tão mais acertado para ele. A resposta está no próprio relacionamento dos dois e no livro Elvis e Eu (Elvis and Me): Priscilla já estava moldada, desde os 14 anos, a fazer tudo que Elvis desejava e ele não conseguiria encontrar isso em nenhuma outra mulher. O fato de o namoro dele e Priscilla ter sido tão divulgado, até mesmo na Alemanha, também serviu como um impulso a mais: com a jovem, Presley teria segurança.
A parte mais fundamental de nosso relacionamento era que Elvis era o meu mentor, alguém que estudava cada um dos meus gestos, escutava criticamente cada uma de minhas palavras e era generoso com algumas de minhas falhas. Quando eu fazia algo que não era de seu agrado, eu era corrigida. Era extremamente difícil relaxar sob tanto escrutínio. Quase nada o escapava. - Elvis e Eu, pág 136. 
Elvis tinha em casa uma mulher perfeita e de seu agrado: com os longos cabelos pretos, maquiagem forte, sempre vestida com as roupas que ele aprovava e que não colocaria sua carreira acima dele, afinal Priscilla não tinha uma. Era apenas uma jovem que desde os 16 anos de idade morava ao seu lado em Graceland, casa do cantor em Memphis, e exibia sua incrível beleza.

E não é só Priscilla que conta esse lado de Elvis. Billy Smith, funcionário do cantor e parte do grupo Memphis Máfia (que englobava todos aqueles amigos, colegas e funcionários que trabalhavam com Elvis) contou em entrevista para o livro Elvis and The Memphis Mafia de Alanna Nash: "Quando Elvis disse que queria as moças jovens para que ele pudesse moldá-las e educá-las, ele não contava que Priscilla seria tão boa em flertar quanto ele."

Priscilla e Elvis quando o cantor partia da Alemanha em 1960
Apesar das circunstâncias bizarras do relacionamento deles, Priscilla nunca tem uma palavra ruim sobre Elvis no livro: ela escreve sobre suas mudanças de comportamento, seu vício em pílulas e seu temperamento forte, mas sempre segue com algum elogio ou enaltece sua natureza generosa, que presenteava pessoas até com carros. Tanto que ao contar que ficou dois dias "apagada" com uma das pílulas que o cantor lhe deu em sua primeira viagem para Memphis, ela minimiza com a seguinte exclamação:
-Dois dias? São dois dias que não pude aproveitar minha viagem! - Elvis e Eu, pág 99
Até quando Priscilla escreve, com a ajuda de Sandra Harmon, sobre sua vida sexual com Elvis, ela deixa claro que não ocorria nada mais sério, perdendo a virgindade só depois de seu casamento em 1967, quando tinha 21 anos de idade e que os dois apenas gravam as fantasias sexuais do astro. Exemplificando, enfim, o ideal sulista de Presley: a mulher tinha que ficar em casa, cuidar do seu marido e ser o mais virginal e pura possível. Isso só prova que Priscilla, com Elvis e Eu, não pretendia revelar tudo sobre sua vida com Elvis em seu livro e deixa isso claro a cada página, inclusive ao escrever sobre sua lua de mel.

Sobre a ocasião, ela se limita a escrever: "A intensidade da emoção que eu estava sentindo era eletrizante. O desejo e a luxúria que foram se empilhando durante os anos explodiram em um frenesi de paixão." Assim, o leitor não se sente próximo de Priscilla e Elvis e a leitura se torna distante: ela nem dá detalhes sobre as traições de Elvis e nem as dela. Não dá detalhes sobre o vício do marido e nem sobre sua convivência com a avó do Rei ou seu relacionamento com a filha do casal, Lisa Marie, ela apenas narra os fatos.

Para os fãs ferrenhos de Elvis, o livro não consegue desfazer a impressão que muitos tem sobre Priscilla: de que ela é uma mulher mimada, manipuladora e fútil, isso porque o leitor nunca conhece ninguém na "história" a fundo, são apenas fatos contados de maneira superficial. Mas cuidado: Priscilla pode muito bem ser todas essas coisas, contudo isso não exclui o fato de que ela foi moldada e manipulada por Elvis também, com o objetivo de se tornar sua mulher perfeita. Ninguém é a vítima perfeita. O Rei aprendeu, da pior maneira, que não existe perfeição e foi uma lição merecida - Elvis teria se beneficiado e crescido muito se tivesse vivido uma relação de igual para igual, assim como a própria Priscilla.

Priscilla, Lisa Marie e Elvis em 1970
Tanto que, quando Priscilla soube que estava grávida, seu primeiro pensamento segundo o livro Elvis e Eu foi que ela ficaria menos atraente para o seu marido:
Eu queria ser linda para ele. Ao invés disso, minha estreia como a noiva de Elvis seria arruinada por uma grande barriga, rosto e pés inchados. - Elvis e Eu, pág 249. 
A partir daí, Priscilla descreve como diminuiu o número de refeições e fez questão de perder peso no primeiro mês de gravidez para não ficar "gorda". Exibindo, enfim, a visão individualista e superficial da própria musa de Elvis, que foi ensinada de que as mulheres devem ser lindas e apenas isso importa. No livro, ela também admite que não deu a atenção necessária à sua filha, Lisa Marie, e que teve que correr atrás do prejuízo e dedicar mais do seu tempo para ela, deixando assim Elvis de lado.

Por fim, Priscilla narra seu divórcio de Elvis, sua descoberta de que havia um mundo além de seu marido e como ela ainda o amava, apesar de tudo. Infelizmente, a ex-esposa de Elvis e sua co-autora Sandra Harmon apenas provocam e nunca chegam aos finalmentes do relacionamento de Priscilla e Elvis.

Elvis e Eu (Elvis and Me, 1985) se tornou um sucesso de vendas graças ao fascínio com a vida do astro do rock. Isso porque em suas páginas, os fãs de Elvis não conseguem compreender, a fundo, a intimidade do músico e de sua esposa. Apenas aproveitam algumas das histórias dele ao lado de Priscilla.

Susan Walters e Dale Midkiff interpretaram Priscilla e Elvis no filme Elvis e Eu, de 1988
A verdade é que o livro é desconcertante: vemos um Elvis diferente do idealizado, um que moldou uma menina de 14 anos de idade para se tornar a esposa perfeita e que era manipulativo e inseguro. Priscilla, em minha visão, viu uma chance de ficar com Elvis e foi sem pensar, impulsionada por sua própria prepotência juvenil e a ambição de seus pais.

O livro Elvis e Eu não torna Priscilla necessariamente uma menina boa e sem defeitos e nem torna Elvis em um monstro: ela sabe dosar as qualidades e os defeitos de cada um e mostrar como, aos poucos, conseguiu assegurar cada vez mais sua própria voz em um mundo só de Presley. Mas o fato é que o livro só insinua as atribulações e as felicidades do casal, nunca permitindo que o leitor conheça a vida de Priscilla e Elvis a fundo. O leitor não consegue forjar uma conexão com Priscilla porque ela não dá abertura suficiente para isso, fazendo com que a obra parece mais uma homenagem ao ex-marido do que uma biografia.

Uma ação inteligente de Priscilla, que na época já era muito criticada por tentar capitalizar em cima de Elvis, através de publicidades, papeis no cinema e televisão e por chefiar Graceland, que após a morte de Presley se tornou um grande santuário para seus fãs, com grande fluxo de dinheiro. Ela tenta ganhar simpatia, mas sem falar mal do ex-marido no processo, o que se tornou um grande trunfo para ela e sua reputação.

O livro ganhou uma versão para a TV em 1988, intitulado Elvis e Eu (Elvis and Me) que não foi um grande sucesso, mas se mantém em voga graças ao fascínio ao redor da relação entre o casal.

Elvis e Eu, escrito por Priscilla Presley e Sandra Harmon, exibe uma visão superficial do astro do rock e de seu casamento e relacionamento abusivo (sim!) com Priscilla. É uma ótima leitura inicial para quem quer saber mais sobre a vida do astro, mas não conta toda a relação complexa que ele tinha com sua ex-esposa. Para isso você terá que comprar outro livro!
INFORMAÇÕES SOBRE O LIVRO ELVIS E EU

Livro: Elvis e Eu
Autora: Priscilla Beaulieu Presley e Sandra Harmon
Páginas: 350 

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11 filmes clássicos para assistir no Natal

A época do Natal é feita para reflexão. Para as crianças, contamos que o Papai Noel as separa em uma lista de 'bonzinhos' e 'levados', deixando claro que apenas os que foram caridosos ganharão um presente. Os 'malvados' não tem direito à nada, apenas um carvão na meia.

O Natal é uma celebração que se propagou nos Estados Unidos, graças, em boa parte, ao cinema. Isso porque ao imaginar a comemoração, vem à mente o seguinte: neve, presentes debaixo de uma árvore, uma lareira quentinha e luzinhas por toda a parte. Em dezembro no Brasil, entretanto, enfrentamos o calor sufocante do verão. 

Mas o verdadeiro triunfo dos filmes natalinos é que eles não se resumem apenas à imagem preconcebida por nós. As películas de Natal transmitem a mensagem de solidariedade, de união, de mudança de vida e de nos sentirmos grato pelo ano que passou, ao lado das pessoas que mais amamos. Esse sim é um sentimento universal, independente de seu credo, sua raça, sua criação ou seus objetivos. 

Assim, nesta mais nova edição de A Listinha, compilamos onze filmes que não podem faltar em sua festa de Natal! 

A Felicidade Não se Compra (It's a Wonderful Life, 1946)
Donna Reed e James Stewart interpretam Mary e George Bailey
A Felicidade Não Se Compra (It's a Wonderful Life, 1946) é o grande clássico do cinema natalino. Mais de sete décadas após seu lançamento, o filme é cultuado pelos norte-americanos e todos os fãs de cinema clássico. Assim muitos se surpreendem ao descobrir que a película não fez sucesso em sua estreia e apenas ganhou fama ao cair em domínio público e começar a ser exibido nas emissoras de TV nos anos 70. Mas é verdade!

Em A Felicidade Não Se Compra (It's a Wonderful Life, 1946), o primeiro filme de James Stewart após seu retorno da II Guerra Mundial, o ator interpreta George Bailey, um jovem com grandes aspirações de se tornar um arquiteto e viajar pelo mundo. O destino dele, no entanto, não o permitiu concluir esse desejo de grandeza, como acontece com muitos. Ele fica em sua cidade natal cuidando do negócio imobiliário de seu falecido pai, se casa com a adorável Mary, vivida por Donna Reed, e continua a ajudar sua comunidade. Mas, insatisfeito com o rumo de sua vida, George cogita suicídio, mas ganha um anjo da guarda para lhe mostrar como sua vida é necessária. 

O diretor do filme, Frank Capra afirmou em entrevista que queria mostrar "uma atitude positiva diante da vida, otimismo e reverência ao individual". Ele conseguiu exatamente isso com A Felicidade Não se Compra (It's a Wonderful Life, 1946). 

Com atuações maravilhosas, incluindo a aparição de Gloria Grahame e Thomas Mitchell, o filme dosa com perfeição a insatisfação de George com sua vida e todas as pessoas que se importam com ele e é obrigatório para qualquer cinéfilo no Natal. A Felicidade Não Se Compra (It's a Wonderful Life, 1946), exibe o espírito caridoso e a união entre as pessoas, acima da ganância, do orgulho e das segundas intenções. Um mundo repleto de amor, nos fazendo lembrar que sim, a vida pode ser maravilhosa! 

 Lembra-se Daquela Noite? (Remember The Night, 1940)
Barbara Stanwyck e Fred MacMurray são Lee e John
Barbara Stanwyck e Fred MacMurray atuaram pela primeira vez juntos neste filme e provaram que sua química era tão boa que acabaram protagonizando mais três películas juntos. Mas é em Lembra-se Daquela Noite? (Remember The Night, 1940) que temos um verdadeiro hino de Natal. 

Em Lembra-se Daquela Noite? (Remember The Night, 1940), Barbara interpreta Lee, uma jovem delinquente que é pega tentando roubar uma joia dentro de uma loja de departamento bem na véspera de Natal. John, vivido por Fred MacMurray, é um promotor da Justiça que decide fazer uma boa ação e dispensar a jovem para que ela possa aproveitar as festas em casa. Mas Lee entende de outra maneira e aparece na porta de John para "agradecê-lo". O promotor esclarece o erro e oferece uma carona para Lee em Idaho para passar o Natal, afinal os dois são de lá. Pouco a pouco, no entanto, eles vão se apaixonando e o resto é história!

O diretor Mitchell Liesen e o roteirista Preston Sturges uniram forças ao escrever essa comédia romântica, com ares de filme noir, conseguindo subverter o clichê e transformar Lembra-se Daquela Noite? (Remember The Night, 1940) em um clássico único de Natal, embora as festividades não sejam o foco da película. A timidez de Fred, que ficou em pânico ao saber que teria que beijar Barbara acaloradamente, e a vivacidade e Stanwyck se mesclaram bem e tornaram o filme um sucesso. 

Lembra-se Daquela Noite? (Remember The Night, 1940), apesar de sua temática de amor x razão, é um filme perfeito para as festas pois trata do amor, do modo mais puro e romântico e como esse sentimento pode nos mudar tanto para o bem quanto para o mal, também.


O Maior Presente deNatal (The Kid Who Loved Christmas, 1990)
Este foi o último filme estrelado por Sammy Davis Jr

O Maior Presente de Natal (The Kid Who Loved Christmas, 1990) pode não ser um clássico de Natal propriamente dito: o filme foi lançado "recentemente" se comparado aos outros desta lista, mas merece seu lugar de destaque. Além de ser um dos poucos filmes natalinos com um elenco totalmente negro, este também foi a última participação do astro Sammy Davis Jr. nas telas. 



O Maior Presente de Natal (The Kid Who Loved Christmas, 1990) conta a história de um casal Tony, vivido por Michael Warren, e Lynette Parks, interpretada por Vanessa Williams, que desejam adotar um menino. Com o processo quase finalizado, Lynette morre em um acidente de carro e seu marido Tony acaba sendo considerado inapropriado para se tornar pai do pequeno Reggie, interpretado por Trent Cameron,  por ser um músico que viaja o tempo todo ao lado de artistas como Sideman, vivido por Sammy Davis Jr. Apenas um milagre de Natal poderia unir essa família novamente. 

O filme, aliás, foi produzido pela produtora de Eddie Murphy da época e conta com um roteiro conciso, que apesar de alguns 'furos', consegue preencher cada telespectador com o espírito natalino. As cenas com Davis, que morreu cinco meses depois do final das gravações de O Maior Presente de Natal (The Kid Who Loved Christmas, 1990), dão um tom agridoce a película.  

O Maior Presente de Natal (The Kid Who Loved Christmas, 1990) demonstra que nunca devemos desistir de nossos sonhos e objetivos e que no final tudo vai dar certo se o seu coração estiver no lugar correto. Nem sempre isso pode ser verdade, mas não há mal nenhum em deixar que isso aconteça nos filmes. 

Ver-te-ei Outra Vez (I'll Be Seeing You, 1944)
Ginger Rogers é Mary e Joseph Cotten é Zachary
Nem todo o filme de Natal apresenta um mundo idealizado, como é o caso de Ver-te-ei Outra Vez (I'll Be Seeing You, 1944) no qual ambos os personagens são neuróticos, compreensíveis e sem medo de exibirem suas falhas.

Ginger Rogers interpreta Mary Marshall, uma jovem que foi presa por ter cometido um homicídio acidental. Ela ganha um passe livre para passar o Natal ao lado de sua família e no trem, a caminho de casa, conhece um jovem sargento do exército chamado Zachary Morgan, interpretado por Joseph Cotten, que ganhou licença do hospital do exército após sofrer graves ferimentos em combate. Os dois se apaixonam, apesar das dificuldades e logo são inseparáveis, mas contar sobre seus passados um para o outro poderá colocar tudo a perder. 

Shirley Temple também faz uma aparição no filme, já com 16 anos de idade, como a prima mais nova de Mary. Ver-te-ei Outra Vez (I'll Be Seeing You, 1944) foi baseado em uma história de rádio famosa que contava a história de romance durante as festividades de final de ano, com o título de Double Furlogh, ou seja, Licença Dupla.

Ver-te-ei Outra Vez (I'll Be Seeing You, 1944) é um filme de Natal que tinha tudo para dar errado:ao retratar uma criminosa e um herói de guerra traumatizado, mas são justamente esses elementos que tornam o filme único e com um jeitinho peculiar cativante. A mensagem do filme é a seguinte: você não deve deixar seu passado te definir e nunca é tarde para mudar o seu futuro.

De Ilusão Também se Vive/Milagre na Rua 34 (Miracle on 34th Street, 1947)
O Milagre na Rua 34 é um grande clássico natalino
Quando se pensa em clássico de Natal, o filme Milagre na Rua 34 (Miracle on 34th Street, 1947) é outro que não pode faltar em qualquer lista. Estrelado por Maureen O'Hara, John Payne e uma pequena Natalie Wood, o filme é a epítome de esperança e fé. 

Em De Ilusão Também Se Vive ou Milagre na Rua 34, dependendo da tradução brasileira do título, conhecemos a pequena Susan Walker, vivida por Natalie Wood, que não acredita em qualquer mito ou fantasia e assim, também não acredita no Papai Noel. Sua mãe Doris, interpretada por Maureen O' Hara, não quer que sua filha acredite em qualquer sonho. Mas quando um novo Papai Noel começa a trabalhar em sua loja, o velhinho Kris Kringle, o Edmund Gwenn, e ele afirma ser o verdadeiro Noel, todas as crenças e vida das duas Walker vão mudar para sempre. 

Milagre na Rua 34 (Miracle on 34th Street, 1947) é um apelo contra o consumo excessivo da data comemorativa, tentando mostrar que o verdadeiro espírito de Natal é a caridade, o carinho e a fé em coisas boas (Natalie, aliás, acreditava que Edmund era o verdadeiro Noel). A crítica contra o consumismo exacerbado continua mais atual do que nunca em uma época em que, com a tecnologia, mas vale o que você tem do que você é. O filme quase ganhou uma sequência, mas o roteiro criado pelo ator John Payne, que interpretou Fred, se perdeu e nunca foi encontrado depois de sua morte. 

Milagre na Rua 34 (Miracle on 34th Street, 1947) ganhou uma refilmagem em 1994, mas que não possui exatamente o mesmo espírito e a leveza do original. A película é de uma sensibilidade incrível, com atuações de alto nível e o melhor de tudo, transmite o verdadeiro sentido do Natal: não os presentes e sim quem está presente! 

Duas Vidas se Encontram (Holiday Affair, 1949)

Janet Leigh e Robert Mitchum tem uma ótima química

Duas Vidas se Encontram (Holiday Affair, 1949) é uma joia de Natal subestimada. Estrelado por Janet Leigh e Robert Mitchum, o filme é como aquele abraço que você ganha de um amigo que não vê há muito tempo. Caloroso e que você nem sabia que sentia falta. 

Em Duas Vidas se Encontram (Holiday Affair, 1949), Janet interpreta a mãe solteira Connie, que trabalha como uma espiã comercial que compara os preços e os produtos de lojas concorrentes, especialmente no Natal. É no trabalho que ela conhece Steve, vivido por Robert Mitchum, que trabalha em uma das lojas concorrentes. Logo ele descobre que Connie é uma espiã, mas por não reportar ao chefe acaba demitido. Sem emprego, os dois acabam se encontrando no parque e criam uma conexão, para o deleite de Tim, filho de Connie que é interpretado por Gordon Gerbert, que não quer que a mãe se case com Carl, interpretado por Wendell Correy.

Robert Mitchum, aliás, aproveitou as gravações para provocar a sua colega de cena, Janet Leigh. Em entrevista, a atriz conta: "Tanto ele quanto Corey aproveitavam para tentar me provocar. Como quando Bob foi requisitado a me beijar como eu nunca tinha sido beijada antes." Essa atmosfera leve e brincalhona dos bastidores é transmitido para as telonas.

Duas Vidas se Encontram (Holiday Affair, 1949) é uma comédia romântica natalina perfeita para os apaixonados de plantão. Com um casal protagonista extremamente atraente, o filme é bem diferente de tudo que Mitchum já fez e prova a versatilidade do ator, assim como a noção de que o amor pode acontecer das maneiras mais estranhas, até na véspera de Natal em uma loja de departamento.

O filme ganhou uma refilmagem para a TV em 1996, mas que não teve o mesmo sucesso. 

Indiscrição (Christmas in Connecticut, 1945)
Barbara Stanwyck em mais um filme natalino
Seria Barbara Stanwyck a rainha do Natal clássico? Brincadeiras a parte, a atriz já participou de inúmeros filmes feitos para as festividades e Indiscrição (Christmas in Connecticut, 1945) é um filme típico de Natal: com muitas confusões, comédia e a presença de um espírito caridoso.

Em Indiscrição (Christmas in Connecticut, 1945) conhecemos Elizabeth, vivida por Barbara Stanwyck, uma colunista de culinária de sucesso que diz ter a vida perfeita: com um marido amável e um bebê forte e saudável. A verdade é que Elizabeth é solteira e hesitante de firmar seu noivado com John Sloan, interpretado por Reginald Gardiner. Mas quando seu chefe decide fazer uma matéria especial de Natal para a revista onde Elizabeth faz uma linda ceia ao lado do marido e filho para um herói de guerra Jefferson Jones, vivido por Dennis Morgan. ela tem que se virar para conseguir dar tudo certo. Será que o amor desabrochará daí ou será apenas uma confusão depois da outra?

O filme, infelizmente, não atinge todo o seu potencial: algumas cenas de humor se estendem por tempo demais, tornando-nas enfadonhas, e a demora de atingir o desfecho dos personagens também deixa o Indiscrição (Christmas in Connecticut, 1945) com a sensação que é longo demais, mesmo tendo pouco mais de 1h30 de duração.

Indiscrição (Christmas in Connecticut, 1945), um dos filmes favoritos que Dennis já atuou, é um filme doce, sem grandes aspirações e feito para que você acredite na magia do Natal e principalmente na magia do amor. Não tem nenhuma mensagem reflexiva ou pretende elevar seus pensamentos: é apenas uma comédia romântica para se assistir depois da Ceia. E também não tem nada de errado nisso!

 Nunca Me Digas Adeus (Never Say Goodbye, 1946)
Eleanor Parker e Errol Flynn surpreendem com sua química!
Nunca Me Digas Adeus (Never Say Goodbye, 1946) é outra comédia romântica natalina que resolveu unir duas grandes estrelas em um roteiro um tanto quanto insosso, mas que é elevado por seus protagonistas e pela atriz mirim que interpreta sua filha.

Em Nunca Me Digas Adeus (Never Say Goodbye, 1946) conhecemos a pequena Flip Gayley, vivida por Patti Brady, que deseja mais do que tudo que seus pais, Ellen e Phil, interpretados respectivamente por Eleanor Parker e Errol Flynn, reatem seu casamento. O problema é que Phil continua flertando com várias mulheres e Ellen não confia que ele tenha realmente mudado. Assim, com a chegada do soldado da II Guerra Mundial, Fenwick, vivido por Forrest Tucker, por causa de um mal entendido, Phil finalmente tem uma grande competição e terá que suar para conquistar sua ex-esposa.

Dirigido por James V Kern, o filme é uma comédia despretensiosa com um roteiro leve e divertido, que não é tão cansativo como o romance em Indiscrição (Christmas in Connecticut, 1945), por exemplo. A presença da voz de Humphrey Bogart em uma das cenas do filme também eleva a qualidade e o efeito de humor da obra. Errol e Eleanor dão grandes atuações e provam seu valor tanto na comédia quanto no drama.

Dentre as comédias românticas natalinas nesta lista, Nunca Me Diga Adeus (Never Say Goodbye, 1946) pega o terceiro lugar facilmente, atrás de Duas Vidas se Encontram (1949) e A Loja da Esquina (1940), mas é apenas isto: um filme feito para você se sentir bem e acreditar que o amor, especialmente no Natal, pode vencer tudo!

 A Loja da Esquina (The Shop Around The Corner, 1940)
James Stewart e Margaret Sullavan nesta comédia natalina adorável
Se Barbara Stanwyck é a rainha do Natal nesta lista, James Stewart com certeza é o rei! O jovem ator estrelou em dois filmes natalinos essenciais: o A Felicidade Não Se Compra (It's a Wonderful Life, 1946) e a doce comédia romântica A Loja da Esquina (The Shop Around The Corner, 1940). 

Em A Loja da Esquina (The Shop Around The Corner, 1940), que deu origem ao filme Mensagem Para Você com Meg Ryan e Tom Hanks, conhecemos Alfred Kralik, interpretado por James, um jovem vendedor de uma loja em Budapeste. Quando Klara, vivida por Margaret Sullivan, consegue um emprego no local, os dois não se dão nada bem e tem uma relação conturbado de trabalho. Mas, sem saberem, a verdade é que um é o correspondente de carta do outro e  que eles estão se apaixonando, através de cartas, por alguém que acreditam odiar. Será que o amor continuará quando descobrirem a verdade? 

Vale lembrar que James Stewart era apaixonado por Margaret Sullavan na vida real, mas havia um porém: ela já tinha sido casada com seu melhor amigo, Henry Fonda, no começo dos anos 30. Sobre sua parceria com Margaret, James afirmou: "Você nunca sabia realmente o que ela poderia fazer na frente das câmeras e isso fazia o trabalho tão interessante. Não era como se ela fizesse algo grandioso, sempre eram as pequenas coisas." 

A química entre Margaret e James era dinamite e a tensão entre ódio e o amor entre os personagens, torna o A Loja da Esquina (The Shop Around The Corner, 1940) em uma preciosidade entre os filmes natalinos, que mostra que o amor e a cumplicidade podem florescer nos lugares mais inóspitos e que apenas precisamos olhar à nossa volta para encontrá-lo. 

 Um Anjo Caiu do Céu (The Bishop's Wife, 1947)
Loretta Young e Cary Grant, além de William Powell,estrelam este clássico de Natal 
Um Anjo Caiu do Céu (The Bishop's Wife, 1947) ganhou uma refilmagem maravilhosa em 1996 estrelada por Whitney Houston e Denzel Washington, que vale muito a pena assistir, embora não seja um filme clássico. Mas é na versão original de 1947 que temos uma história menos musical, mas com uma sensibilidade artística grande. 

Em Um Anjo Caiu do Céu (The Bishop's Wife, 1947) conhecemos a personagem de Loretta Young, Julia, uma esposa de um bispo que se sente cada vez mais negligenciada já que seu marido Henry, interpretado por William Powell, só pensa em seu trabalho e não dá a atenção devida à ela. Assim, um anjo chamado Dudley, e vivido por Cary Grant, é ordenado a descer para a Terra e ajudar o bispo a retomar seu casamento e terminar sua nova catedral, que consome grande parte de seus esforços. 

O filme dirigido por Henry Koster deveria ser um clássico de maiores proporções. O anjo vivido por Grant toca cada vida que encontra e ajuda à todos a perceberam que o dinheiro, a beleza e o egoísmo de nada importam de maneira geral. É aquilo que temos por dentro e o que podemos oferecer de bom ao mundo e as pessoas à nossa volta que realmente importa. 

Um Anjo Caiu do Céu (The Bishop's Wife, 1947) foi baseado em um livro escrito por Robert Nathan, o mesmo de O Retrato de Jennie (Portrait of Jennie, 1948) e transmite toda a doçura e a beleza do Natal ao mandar um anjo, ou seja alguém iluminado, para demonstrar que espalhar o bem, independente como, nunca é demais.

 Natal Branco (White Christmas, 1954)
Vera-Ellen, Danny Kaye, Bing Crosby e Rosemary Clooney estrelam este clássico
O filme Natal Branco (White Christmas, 1954) já teve seus dias de glória na década de seu lançamento, ao combinar o clima natalino com canções, danças e mensagens de otimismo e solidariedade combinando tudo isso com um quarteto extremamente talentoso.

Em Natal Branco (White Christmas, 1954) Bing Crosby interpreta Bob Wallace, um cantor e dançarino famoso, que forma uma dupla com Phil Davis, interpretado por Danny Kaye. Os dois acabam conhecendo outra dupla famosa, dessa vez de mulheres: as adoráveis irmãs Haynes, Judy e Betty, vividas respectivamente por Vera Ellen e Rosemary Clooney. Os dois ficam encantados pelas meninas e vão atrás delas até seu próximo local de show. Por coincidência eles se hospedam no hotel de seu antigo general do exército, Major Thomas, interpretado por Dean Jagger, que está à beira da falência e precisa de ajuda para restabelecer seu negócio. Será que Phil e Bob poderão ajudá-los?

O filme que foi dirigido por Michael Curtiz tem todos os elementos natalinos clássicos: neve, dança, música, amor e é claro, músicas cativantes escritas por Irving Berlin, que criou a canção inesquecível White Christmas que ficou ainda mais linda com a voz de soprano de Rosemary Clooney (tia de George Clooney), Danny Kaye e a de Bing Crosby. Vera-Ellen foi dublada.

Natal Branco (White Christmas, 1954) tem grandes atuações e grandes canções, o que é essencial para que um filme musical atinja enorme sucesso. A película foi até indicada ao Oscar de Melhora Canção por Count Your Bleesings Instead of Sheep, outra música que ecoa o sentimento de gratidão que é essencial e inerente ao Natal. Um filme imperdível!
Todos os filmes listados acimas podem ser encontrados em plataformas como Netflix, em canais On Demand e até no Youtube, em alguns casos.

E para você e sua família: que filme não pode faltar no seu Natal?


Nasce uma Estrela (A Star is Born) e todas suas versões para o cinema

*spoilers sobre a história de Nasce uma Estrela (A Star is Born) - estão avisados!

O cultuado Nasce uma Estrela (A Star is Born) voltou a ser destaque na mídia neste ano depois que a nova versão, com Lady Gaga e Bradley Cooper, foi lançada em outubro nos cinemas.


O caso de Jo e Laurie - As Mulherzinhas de Louisa May Alcott

*spoilers de As Mulherzinhas (Little Women), Esposas Exemplares (Good Wives) e os subsequentes livros

Se você, assim como eu, viu os filmes de As Mulherzinhas antes de ler o livro de Louisa May Alcott, deve ter se apaixonado pelo rebelde e livre Laurence, especialmente o da versão de 1994 interpretado por Christian Bale. 

O professor Baher, apesar de doce e prestativo, não parecia ser exatamente o par ideal de Jo e ao ler os dois livros As Mulherzinhas (Little Women) e Esposas Exemplares (Good Wives) essa sensação continuou, mas com um porém: enquanto Jo, Beth e Meg permaneceram com as mesmas características entre As Mulherzinhas para Esposas Exemplares (que tem três anos de intervalo), Laurie e Amy sofreram as maiores alterações de personalidade e caráter e isso foi algo que nunca entendi, até pesquisar sobre a vida da própria autora, a Louisa May Alcott, e seu estado de espírito ao escrever a obra.

Jo e Laurie em suas versões cinematográficas: em 1933, 1949 e 1994 (temos matéria sobre aqui)
Louisa recebeu o pedido de escrever um livro infantil de seu editor Thomas Niles, apesar de já ter escrito, anteriormente, inúmeras obras de suspense de relativo sucesso. O motivo? Segundo a biografa Madeleine Stern, Thomas queria tentar recriar o sucesso da saga infantil Oliver Optic e pediu que Louisa tentasse escrever uma história de garotas, já que a escritora teria se dado bem com outras publicações mais juvenis.

A escritora, então, se inspirou no que conhecia: sua vida ao lado de suas três irmãs. No livro As Mulherzinhas (Little Women) ficou dividido assim: Jo, inspirada em Louisa era a protagonista. Anna, a irmã mais velha de Louisa que sonhava em ser atriz e se tornou uma dona de casa, era a carinhosa Meg. A doce Beth no livro tinha o mesmo nome na vida real, Elizabeth, e morreu de febre escarlate aos 22 anos de idade, devastando toda a família. Por fim Amy, na verdade, Abigal May, uma grande artista que encontrou sucesso em sua profissão, diferente de sua personagem.

Louisa May Alcott para começar, não queria escrever um livro para garotas e relutou com essa tarefa até o fim. Em seu diário, ela escreveu: "Eu faço, embora não goste deste tipo de coisa. Nunca gostei de garotas ou conheci poucas delas - além de minhas irmãs, mas nossas peças alegres e experiências talvez se provem interessantes, embora eu duvide muito." Alcott não poderia estar mais errada! Com o lançamento de Mulherzinhas (Little Women) em 1868, as irmãs March cimentaram seu espaço na literatura mundial, assim como o incessável debate do possível caso de amor entre Jo e Laurie.

Jo e Laurie eram o casal perfeito? 
O livro As Mulherzinhas conta a história das irmãs March - Meg, Jo, Beth e Amy - que, apesar de não serem de uma família rica, contam com os bons conselhos de sua mãe, apelidada carinhosamente de Mammie, e com muita imaginação e amor familiar. O que elas não esperavam é que Theodore Laurence, Laurie, um jovem menino rico fosse se mudar para a mansão ao lado, pertencente ao seu avó. Introvertido e sem amigos, logo Jo teima em tê-lo como seu parceiro e assim se inicia uma linda amizade, que poderia se tornar algo a mais. Além disso, em cada capítulo do livro, um ensinamento de amor e compaixão é ensinado para os leitores.

Mas por que nós, leitores, fixamos tanto entre o que poderia ter sido entre Laurie e Jo? A resposta está no primeiro livro de Louisa sobre as irmãs March, o As Mulherzinhas. Durante todo o livro, Alcott dá pistas sobre um possível romance desabrochando entre Jo e Laurie e como a sintonia entre eles seria quase perfeita. Mas quando o leitor chega na continuação Esposas Exemplares (Good Wives), a personalidade de Laurie muda completamente.

O Laurie em As Mulherzinhas é um jovem que sonha em ser músico, é alegre, travesso e não se importa com as formalidades da sociedade. Impulsivo, ele não quer ser um homem de negócios e sim um músico famoso como sua mãe. Jo, aliás, também tem sonhos grandes: quer ser uma escritora de sucesso e almeja a independência. Um par, no papel, que seria ideal, certo?

O Laurie de As Mulherzinhas não é o mesmo em Esposas Exemplares 
Em As Mulherzinhas (Little Women), aliás, temos vários momentos entre Jo e Laurie que corroboram esse possível romance. Primeiro: quando os dois se conhecem, em uma festa na casa de Laurence, ele está em uma ante-sala, sozinho, tentando se esquivar dos convidados empertigados. Ele não repara nas roupas "surradas" de Jo e preza sua companhia mais do que qualquer outra. Isso acontece também quando encontra Meg toda arrumada em uma festa de sociedade, no qual Laurie afirma: "não gosto de exageros e plumas". O Laurie em Esposas Exemplares (Good Wives) é o total oposto: parece amar extravagâncias e presentes.

Segundo ponto, em As Mulherzinhas, a própria Louisa dá a entender que Jo pode ter uma estima a mais por Laurie, que ela tem medo de admitir. Ao descrever o "seu menino", como ela o chama durante a saga de livros, Jo afirma:
"Ele é maduro para a idade que tem, é alto, e quando quer pode ter maneiras muito adultas. Além disso é rico, generoso, bom, ama à todas nós." 
Tudo bem que nesta cena em particular, Jo o descreve pois almeja o casamento entre Laurie e Meg, sua irmã mais velha (apenas com medo que ela se casa com John Brooke e desfaça a família). Sua mãe pede para que não se meta, já que ela deveria deixar "o tempo e o coração unir seus amigos." Logo depois, aliás, Laurie faz uma surpresa para Jo, referente ao bem-estar de sua irmã doente Beth e tem a coragem de lhe dar uns dois beijos tímidos na boca.

Jo se afasta dele com delicadeza e pede para que ele não faça mais isso, porém Laurie demonstra que quer se tornar mais íntimo de sua amiga rogando que lhe abrace novamente. Mas os fatos de um possível romance não são só físicos! Laurie a encoraja, inclusive, a perseguir seu sonho de se tornar uma escritora  quando ela leva alguns de seus contos para a editora local no capítulo 11 de As Mulherzinhas, afirmando: "Seus contos são obras de Shakeaspeare se comparados ao lixo que publicam diariamente. Não será divertido vê-los publicados e nos orgulhar de nossa autora?"


A prova definitiva, no entanto, de que Louisa May Alcott provavelmente planejava tornar Jo e Laurie um casal está no capítulo 10, no qual a narradora dá a entender que cartas de amor estavam no futuro da família March-Laurence, que então tinham criado uma caixa postal exclusiva entre eles. Em As Mulherzinhas, lê-se: "Sem imaginar quantas cartas de amor aquela pequena caixa postal receberia em anos futuros".

A caixa postal não recebeu cartas de amor futuras, pelo menos não em sua sequência Esposas Exemplares (Good Wives) e isso apenas torna ainda mais forte a teoria de que Louisa desistiu de tornar Laurie e Jo um casal. Tudo pela insistência atormentadora das fãs.

Em seus diários, Louisa deixou bem clara as suas intenções: "Garotas me escrevem pedindo para saber com quem as irmãs vão se casar. Eu não vou casar Jo com Laurie para agradar ninguém." May Alcott foi além e em carta para sua amiga, Elizabeth Powell, declarou:
Jo deveria ter permanecido uma escritora solteirona [assim como ela] mas tantas jovens leitoras entusiásticas escreveram que Jo deveria se casar com Laurie ou com alguém que eu não me atrevi a recusar e perversamente fui e criei um par peculiar para ela." 
É assim que em Esposas Exemplares (Good Wives) entra o autoritário e paternal Professor Baher (que preenche o papel do pai de Jo, que quase nunca aparece nos livros) e que a personalidade de Laurie se transforma completamente, em uma rotação de 180º, para que Alcott pudesse dar um choque de realidade para suas leitoras e justificar a separação do já tão querido casal.

Jo e Professor Baher em As Mulherzinhas, filme de 1949
Jo, Beth e Meg continuam com as mesmas personalidades, desejos e problemas na sequência Esposas Exemplares. Laurie e Amy são os que mais se transformam e isso tem uma explicação: já que Alcott não deixaria Jo ficar com Laurie decidiu que o jovem deveria, ainda, continuar na família e assim se casar com a outra March disponível, a egoísta Amy que se torna, ao longo da sequência, realmente o protótipo de uma boa esposa.

No primeiro capítulo de Esposas Exemplares, o leitor conhece, logo de cara, um Laurie diferente que "fazia loucuras, namorava, mostrava-se dado a elegâncias requintadas, deu e levou trotes, falou em gírias e esteve perigosamente próximo da expulsão ou da suspensão." Um jovem que nada tem a ver com aquele que conhecemos no primeiro livro. Pode-se argumentar que essas mudanças fazem parte da adolescência, de cometer erros, de se descobrir, mas a mudança de Laurie é escrachada demais para ser apenas uma coincidência.

Tanto que, quando Thedore Laurence finalmente tem coragem e pede sua Jo March em casamento, no triste capítulo  Coração Partido, ela nega seu pedido e dá esta resposta como justificativa:
"Sou feia, desajeitada, pobre e velha e você se envergonharia de mim e nós discutiríamos...eu não gostaria da sociedade elegante e você detestaria minhas escritas e eu não poderia viver sem ela e seríamos infelizes e desejaríamos que nunca tivéssemos nos casado." 
O mesmo Laurie que jurou não gostar da alta sociedade? Que desejava viajar ao mundo e se tornar um pianista famoso? E que sempre incentivou as escritas de Jo? Louisa May Alcott transformou completamente a personalidade de Laurie na sequência de As Mulherzinhas e fez isso de propósito: para que o Laurie por quem Jo poderia se abrir e se apaixonar não existisse mais. Para jogar um "balde de água fria" nos sonhos românticos de milhares de suas leitoras. O fato de Mammie também considerar que o par não combinava (na base do novo Laurie), também não ajudou o caso do jovem apaixonado.


A introdução de Professor Baher ocorre gradualmente, antes mesmo de Jo ser pedida em casamento por Laurie, e ele é apresentado como alguém mais velho, sábio, que aos poucos ganha a afeição de Jo. Mas um leitor mais sagaz consegue ler nas entrelinhas: quando a jovem escreve de Nova York para a família, a pessoa que ela mais menciona é o Baher, sempre em uma luz positiva, falando de sua bondade e de seu carinho. Louisa May Alcott já estava programando o personagem para ficar com Jo e para que os leitores, mesmos os aficionados por Laurie, não pudessem odiá-lo.

Amy, aliás, ganha mais destaque na continuação da história e acompanhamos como ela se desenvolve em uma mulher de respeito da sociedade em Paris, que entende todos os pormenores do que faz uma dama ser uma dama. Não soa familiar o fato de Amy ser a dama que Jo nunca seria? Quando Laurie tem seu coração partido ele vai viajar pela Europa e encontra a pequena March pelo caminho que lhe dá um "sacode" e o endireita. A intenção de Louisa May Alcott é muito óbvia: transformar Laurie e Amy em um casal e deixar Jo ao lado do sempre correto e bondoso Professor Baher.

Para isso ela transforma, essencialmente, Laurie e Amy em outras pessoas, que agora seriam compatíveis um com o outro. Nesse meio tempo, Jo enfrenta a morte de Beth, sua irmã mais próxima, e isso lhe abre o coração para o amor. Para o amor do constante Baher, que lhe dá o que mais necessita em um momento de luto: segurança.

Não me levem a mal, o professor Baher nem de longe é um mau personagem. Ele é bondoso, cuidadoso, atencioso e ama crianças, mas fica claro que ele foi inserido apenas para que Laurie não tivesse chance alguma. Para atender as necessidades de Jo e não desafiá-la. Para mostrar, aliás, que nem sempre a vida acontece de acordo com o que esperamos, com o que desejamos.

Peter Lawford e Elizabeth Taylor como Laurie e Amy em Mulherzinhas, 1949
A verdade nua e crua é  que Louisa May Alcott em Esposas Exemplares simplesmente narrou as verdades da vida: nem sempre ficamos com aquele que sonhamos. Nem sempre conseguimos realizar nossos sonhos (Laurie se torna um homem de negócios e Amy desiste de sua pintura) ou temos uma vida idealizada e repleta de aventuras. O destino é cruel e, muitas vezes, nos leva a tomar decisões de acordo com nossa segurança e não por nossas paixões.

Quer um exemplo? Laurie foi baseado em um dos romances da vida real de Louisa May, o pianista Ladislas Wisniewski, apelidado por ela de Laddie (Laurie?) além de inspiração em outros amigos como Alf Whitman, Ralph Emerson e Henry Thoreau. Louisa e Ladislas não poderiam ser um casal e assim, Jo e Laurie também não.

Afinal, a vida nos muda e muda aquelas à nossa volta. Mas a moral é esta: se permanecermos unidos, como família e amigos, nada é tão ruim que não se possa enfrentar juntos. Jo e Laurie, aliás, permaneceram amigos durante os quatro livros de May, com uma cumplicidade bem maior do que dividiam com suas caras-metades.

O caso de Jo e Laurie é simples: a Jo e Laurie de As Mulherzinhas com toda a vida pela frente eram o par perfeito um do outro. O de Esposas Exemplares, com o passar dos anos e a intervenção óbvia da autora, não poderiam ser mais diferentes. Louisa elevou o sonho dos leitores apenas para despedaçá-los no caminho, como a vida mesma faz. Mas isso teve, ao menos, um efeito positivo.

Passaram-se mais de 200 anos da publicação do livro e continuamos a falar de Jo e Laurie. Continuamos a falar de As Mulherzinhas (Little Women). Continuamos a desejar que tudo pudesse ser diferente. E não é este o objetivo, afinal?



A parceria de Rita Hayworth e Glenn Ford nos cinemas

Rita Hayworth foi o amor da vida de Glenn Ford. Você, como fã do cinema clássico, pode considerar essa afirmação um desrespeito às quatro esposas de Ford, especialmente a atriz Eleanor Powell, com quem ele ficou casado por vinte anos e teve seu único filho, Peter Ford. Mas não é exagero e nem desrespeito: Rita e Glenn tinham uma relação super especial. 

O ator, aliás admitiu esse tanto, em entrevista para o jornalista Ron Miller, enquanto sua terceira esposa Cynthia estava presente. Ao falar sobre seu relacionamento com Rita, a esposa afirmava que os dois eram como "irmão e irmã", algo que Glenn veemente negou: "Não como irmão e irmã. Eu amo essa mulher. Cynthia entende." 

Rita Hayworth e Glenn Ford começaram uma amizade no set de filmagens de Protegida do Papai (Lady in Question, 1940) e nunca mais se desgrudaram. Às vezes amantes, mas sempre amigos (morando até em casas anexas nos anos 60/70), os dois atores formaram um dos relacionamentos mais duradouros de Hollywood. Tanto que no enterro de Hayworth em 1987, Ford foi um dos homens que carregou o caixão da grande amiga e fez questão de continuar a honrá-la após sua morte. 

Rita Hayworth e Glenn Ford atuaram em cinco filmes juntos, ao longo de 20 anos, e a química deles dentro e fora das telonas é a coisa da qual lendas são feitas! Por isso, em homenagem ao centenário de Hayworth, confira em nossa edição de A Listinha todos os filmes dessa dupla incendiária.  

Rita Hayworth e Glenn Ford em foto publicitária para Gilda (idem, 1946)
Protegida do Papai (Lady in Question, 1940)

Rita Hayworth e Glenn Ford contracenaram pela primeira vez em Protegida do Papai (Lady in Question, 1940). Um filme "tipo B", Rita interpretava Natalie, uma jovem acusada injustamente de cometer um terrível crime. Convencido de sua inocência, o jurado Andre (Brian Aherne), um senhor de família, convida Natalie para viver em sua casa até que tudo seja esclarecido. Nele, Glenn Ford interpretou Pierre, o filho de André, por quem Natalie se apaixona e vice-versa. 

O filme foi dirigido por Charles Vidor (que ironicamente reuniria Glenn e Rita anos depois em Gilda e Os Amores de Carmen) e foi graças ao roteirista Lewis Meltzer que os dois atores puderam contracenar juntos pela primeira vez. Isso porque Protegida do Papai (Lady in Question, 1940) foi baseado no filme francês Mulher Fatal (Gribouille, 1937) e no original o filho do jurado, Claude, não tinha um papel tão destacado. 

Glenn Ford fotografando Rita Hayworth no set de filmagens de A Protegida de Papai (Lady in Question, 1940)
Lewis mudou isso e escreveu um substancioso papel para Glenn como Pierre e com várias cenas românticas entre os dois, que já era um dos queridinhos (entre Rita e William Holden) de Harry Cohn, chefe do estúdio Columbia. Foi aí que as carreiras de ambos começaram a decolar! 

Mas engana-se quem acha que essa foi a primeira vez que os dois se conheceram! Segundo a biografia Glenn Ford: A Life, de Peter Ford, o primeiro encontro de Rita e Glenn aconteceu muitos anos antes: 
Eu a perguntei: 'Você se lembra aquela vez que os Cansinos iriam se apresentar naquela barco de apostas, o SS Rex, há muitos anos atrás? [No começo dos anos 30, quando o barco foi inaugurado] Estava ancorado nas baías de Santa Monica. Você estava toda bem arrumada em seu figurino e você pegou o bonde veneziano para embarcar no táxi aquático em Santa Monica?' Rita relembrou e perguntou se eu havia assistido a performance. Eu a disse: 'Não, mas o jovem que dirigia o pequeno bonde que você pegou até o táxi aquático era eu.'" 
Como o destino é engraçado, não é mesmo? Apesar da amizade dos dois se desenvolvendo cada vez mais por trás das câmeras, no filme a atriz tinha grande dificuldade em beijá-lo, com vergonha de fazer tal intimidade em público. Charles Vidor, então, levou os dois astros para um restaurante perto do estúdio para tomarem algumas margaritas (Rita tinha 21 anos e Glenn tinha 24 na época). Depois disso, o beijo se tornou bem mais fácil de fazer. 

A Protegida do Papai (Lady in Question, 1940) marcou o começo da parceria muito bem-sucedida de Rita Hayworth e Glenn Ford nos cinemas, mostrando a química inegável entre eles, em uma comédia romântica leve, doce e bem despreocupada. Um filme tão subestimado quanto gostoso de assistir!

Gilda (idem, 1946)

Seis anos depois, Rita Hayworth e Gleen Ford se reencontraram para filmar sua segunda parceria no cinema - e a mais explosiva de todas: Gilda (idem, 1946). No segundo casamento, com o diretor Orson Welles, a atriz tinha acabado de dar à luz sua primeira filha, Rebecca Welles. Peter Ford, o único filho de Glenn, já estava com um ano de idade e Glenn havia recentemente voltado da II Guerra Mundial. 

Gilda (idem, 1946), aliás, não tinha um roteiro fixo - assim como Casablanca (idem, 1942), a película era reescrita dia por dia através da ideia de Virginia Van Upp sobre a história original de E.A Ellington. Virginia tinha produzido Modelos (Cover Girl, 1944), um dos filmes de maior sucesso de Hayworth e a atriz apenas concordou em protagonizar Gilda se Van Upp produzisse o filme também. Assim foi feito e Hayworth aceitou um dos papeis definidores de sua carreira e seu primeiro drama. 

Rita Hayworth e Glenn Ford em foto para Gilda (idem, 1946)
Gilda (idem, 1946) conta a história de Johnny Farrel, vivido por Glenn Ford (cujo papel foi oferecido, em seu rascunho inicial para Humphrey Bogart que o recusou por considerar o filme de "mulherzinha") um foragido que se torna um tipo de gângster com o apoio de seu chefe do Cassino na Argentina, Ballin Mudson, papel de George Macready. O problema é que Ballin se casa com Gilda, papel chave de Hayworth, com quem Johnny já teve um tórrido caso e assim a atmosfera sexy noir, com assassinatos, amor, ódio e revanches se desenrola nas telonas. 

A química entre Rita e Glenn, mais uma vez, prevalece durante o filme todo (Glenn foi escalado quando filme já estava começando) e o fato de que, na vida real, a atriz estava passando por uma crise no casamento com Orson Welles não ajudou em nada nos rumores de que os astros estariam vivendo um caso de amor, o que era realmente o que acontecia. 

Quando Harry Cohn soube que Rita e Glenn estariam passando tempo demais sozinhos no camarim, ele fez questão de grampear o local para escutar a conversa dos dois. O que ele não sabia, no entanto, era que os assistentes de som haviam avisado os astros sobre isso. Sobre isso, Rita afirmou para o New York Times: "Cohn via quando eu entrava e saia. Cohn tinha grampeado meu camarim. Sabe, quem gostaria de ficar nesses camarins horríveis?" 

Os dois, aliás, fizeram questão de provocar o chefe do estúdio, como Glenn conta: "Resolvemos então brincar com Cohn. No microfone dele, ensaiamos uma cena que nunca poderíamos fazer no filme. Eu começava a rosnar: 'Ah, Rita, vamos meu amor, vem com tudo' e Rita falava: 'Vamos meu amor', repetindo uma frase da canção de Gilda, Amado Mio: 'Ame-me para sempre e deixe para sempre ser hoje'. Harry nunca percebeu a brincadeira e às vezes tínhamos que sair correndo do camarim porque não conseguimos conter as risadas!" 

Se eles tiveram realmente um caso? Sim, Rita e Glenn tiveram um romance que durou por mais de quarenta anos, entre idas e vindas, namoros, casamentos e atribulações da vida. Os dois nunca deixaram de se amar como pode-se ver pela história de amizade deles.

Tanto que, na época das filmagens, Orson Welles estava tão possesso de ciúmes pelo caso entre Rita e Glenn que ele apareceu bêbado na casa do ator, com quem ele morava com Eleanor e seu filho, e ameaçou matá-lo com a arma que estava carregando. Ford conseguiu tranquilizar a esposa depois que Welles foi embora e negou o caso, mas o estrago já estava feito. Apesar disso, Powell apenas se separou de Ford em 1959. 

Os Amores de Carmen (Carmen, 1948)

O último filme de Rita Hayworth em Hollywood, antes de se casar com seu terceiro marido, o príncipe Ali Aga Khan, Os Amores de Carmen (Carmen, 1948) não aconteceu sem algumas atribulações. Primeiro, a presença dominante do pai de Hayworth, Eduardo Cansino para lhe ensinar os passos de dança da película e, depois, o senso de inadequação de Glenn Ford ao interpretar o soldado José. 

O filme foi uma adaptação de Carmen, livro de Prosper Merimeé, que conta a história da cigana Carmen, vivida por Rita Hayworth, que enfeitiça o soldado Don José e o leva, pouco a pouco, para a ruína do ódio e amor. Esse foi o primeiro filme de Hayworth que fez parte de sua produtora Beckworth Productions, após sua renovação de contrato com a Columbia. A produtora lhe garantiria mais lucros e mais poder sobre suas personagens. Infelizmente, logo depois de Carmen, Rita se "aposentou" da carreira e não aproveitaria os frutos da Beckworth Productions. 

Rita Hayworth e Glenn Ford em Os Amores de Carmen (Carmen, 1948)
Participando do filme por um pedido especial de Rita, Glenn Ford já admitiu que esse foi um dos seus piores filmes: "Foi um dos piores erros que já fiz na minha vida, constrangedor. Mas valeu a pena, apenas para trabalhar com ela novamente." Ele se considerava completamente fora do padrão do personagem e se sentia muito tolo ao usar as roupas da época. Rita Hayworth, aliás, não estava muito mais confortável do que ele: o estúdio, ao querer criar uma atmosfera mais "familiar" para o primeiro filme que Rita produziria, além de estrelar, chamou seu pai Eduardo e seu irmão Vernon para participar. Enquanto seu irmão teve um pequeno papel como soldado, seu pai a ensinava os passos, criados por outro profissional, algo que Eduardo ressentiu demais. 

Apenas contando um com o outro, Rita e Glenn continuaram seu tórrido caso de amor, mas a atriz tinha consciência de que ele não se separaria da esposa Eleanor Powell e nem queria, afinal não seria uma "destruidora de lares". Após o fim das gravações de Os Amores de Carmen (Loves of Carmen, 1948), Hayworth descobriu estar grávida! Peter Ford, filho de Glenn, afirma que Rita ficou grávida de seu pai e ela foi para Paris, na França para realizar um aborto depois do final das gravações, em fevereiro de 1948. Já outras publicações, sem fontes confirmadas, replicam a teoria que a gravidez foi de um caso de Rita com o magnata Howard Hughes, que não queria a criança. 

Seja como for, a verdade é que Rita teria mesmo realizado um aborto. Na revista Newsweek, edição de julho de 1948, foi reportado que ela ficou internada na ala de maternidade do Hospital Americano em Neuilly, na França para tratar de uma "misteriosa doença" e que apenas teria ficado naquela ala pois o hospital estava lotado. Muito suspeito, certo? Outros jornais deram a notícia de que ela estaria sofrendo de "anemia" e ficou alguns dias internada, recebendo uma transfusão de sangue (o suposto aborto teria ocorrido no final de maio de 1948). Isso só adiciona para confirmar um possível aborto de Hayworth. De qual dos dois, não se sabe, porém o mais provável é que seu filho era de Ford. Logo depois, Rita conheceu Ali Khan, tornou-se princesa e deu à luz sua segunda filha, Yasmin Khan. 

Apesar de todas essas tribulações por trás das câmeras, Os Amores de Carmen (The Loves of Carmen, 1948) reuniu o trio de sucesso que eram as estrelas e o diretor Charles Vidor e, apesar de não ser fiel ao livro, tem uma atmosfera bem gostosa de assistir, com a sempre inigualável química de Hayworth e Glenn (o que é motivo suficiente para assistir qualquer filme com eles). 

Uma Viúva em Trinidad (Affair in Trinidad, 1952) 

De volta para Hollywood, mas não por escolha própria, Rita Hayworth estrelou em seu primeiro filme após deixar seu príncipe: o Uma Viúva em Trinidad (Affair in Trinidad, 1952). Ela teve uma reunião com Glenn Ford, seu grande amigo, já que o estúdio Columbia queria tentar recriar, para sua volta, a mesma atmosfera de seu grande filme Gilda (idem, 1946).

Uma Viúva em Trinidade (Affair in Trinidad, 1952) conta a história da sedutora Chris, vivida por Rita, uma cantora de boate que descobre que seu marido havia se matado. Depois de investigações, descobre-se que ele, na verdade foi morto. É aí que entra seu irmão, Steve, vivido por Glenn Ford, que resolve investigar a morte sozinho. O que ele não contava é que se apaixonaria por Chris no processo.

Rita Hayworth e Glenn Ford se divertindo no set de filmagens de Uma Viúva em Trinidad (Affair in Trinidad, 1952)
O filme começou a ser gravado em 25 de janeiro de 1952 e todos sabiam que esse era um filme feito para apenas Rita. Juanita Moore, que interpretava a empregada de Rita na película, revelou em entrevista para Sam Staggs: "Eu era o azarão. Mas o Glenn também, de certa maneira. Todo mundo sabia que era o filme da Rita, então ele estava em segundo lugar, você poderia dizer." Deixou claro, no entanto, que tanto Glenn quanto Rita foram amáveis e se tornaram seus amigos durante as filmagens.

Depois de anos separados, Glenn apenas aceitou o filme para o bem de sua amiga, Rita e de acordo com a biografia Glenn Ford: A Life, ficou chocado ao notar a mudança em Hayworth:
"Eu não sei se foi o casamento ter acabado ou as brigas com Harry Cohn, ou apenas a passagem do tempo, mas ela tinha mudado. Ela ainda era uma mulher linda, mas o fogo não queimava nela como antes. Ela parecia cansada agora, com uma tristeza em seus olhos. Ela estava infeliz durante quase o tempo todo. Nós que a amávamos tentamos tirá-la disso, mas sem sucesso." 
Vicent Sherman, diretor do filme, também confirmou em sua autobiografia Studio Affairs: My Life as a Film Director que Rita começou o filme bem insegura: "Durante as primeiras semanas de gravação, ela estava nervosa, mas eu entendi e passei um tempo a mais treinando com ela. Sua confiança voltou e ela foi melhorando (...)Mas o que era incrível era ver como seus olhos brilhavam e seu corpo se movia eletricamente quando ela era chamada para dançar."

Uma Viúva em Trinidad (Affair in Trinidad, 1952) foi uma cópia menos bem-sucedida que Gilda (idem, 1946) e escrita por Virgina Van Upp com o propósito de imitar o antigo sucesso. A camaradagem de Rita e Glenn continuava, os dois ainda eram melhores amigos, mas a presença vibrante de Rita nas telonas não existia mais e isso prejudicou sua química sempre presente com Ford. Uma história fraca, sem suspense algum - a única coisa que brilhava na tela, como Sherman admite, era a dança de Hayworth. Isso nunca falhava em trazer o brilho em seus olhos. 

Dinheiro é Armadilha (The Money Trap, 1965) 

Em 1965, Rita Hayworth não estava mais casada: depois de seu último casamento com o abusivo produtor James Hill, ela decidiu dar um tempo e tomou a resolução de não se casar novamente. Pronta para voltar ao trabalho, a atriz decidiu aceitar uma oferta para trabalhar, novamente, com Glenn Ford no filme noir Dinheiro é Armadilha (The Money Trap, 1965). A oferta veio do produtor Max Younstein após admirá-la (e ler críticas favoráveis) em sua performance em O Mundo do Circo (Circus World, 1964).

No filme Dinheiro é Armadilha (The Money Trap, 1965) Rita Hayworth interpreta Rosalie Kenny, uma antiga amante e amiga de Joe Baron (Glenn Ford). É Glenn, desta vez, que tem o papel de protagonista: ele interpreta um policial, casado com a bela e jovem Lisa (Elke Sommer) e vivendo da herança do pai da moça. Mas quando o dinheiro começa a acabar e eles tem que enfrentar a realidade, um presente cai do céu: um dentista, interpretado por Joseph Cotten, impede um bandido de roubar sua fortuna e Joe vê aí uma oportunidade para ficar rico.

Rita Hayworth e Glenn Ford em seu último filme juntos- dessa vez para a MGM
O filme foi um dos últimos classificados "B", ou seja, aqueles que eram feitos apenas para dar apoio aos grandes lançamentos dos estúdios e não foi um grande sucesso de bilheteria. As performances de Glenn, Joseph e Rita foram muito elogiadas, com alguns maldosos críticos, inclusive da Time Magazine afirmando que "enquanto a beleza de Hayworth se esvaia, melhor ela se tornava como atriz."

Na época da filmagem, Glenn Ford estava namorando com sua futura esposa, Kathryn Hays, com quem ficaria até 1969 e o reencontro dos dois, nas telonas, não foi nada além de pura amizade. Superprotetor, Ford sempre defendia e atendia os desejos de sua amiga Rita que já estava, pouco a pouco se deteriorando (muitos pensavam ser pelo álcool, mas na verdade era o estágio inicial da doença de Alzheimer).

Assim, quando o casamento de Ford se deteriorou ele resolveu morar em uma casa adjacente a de Rita, no começo dos anos 60 (e sim as esposas de Glenn já sabiam dessa condição). A atriz até mencionou o fato em uma entrevista para o New York Times: "Ele é tão quieto que nem sei quando ele está lá." Foi neste momento que eles retomaram o romance e escreveram inúmeras cartas bem carinhosas um para o outro. Mas com a saúde de Rita se deteriorando, com Ford até a encontrando desmaiada em sua casa no final dos anos 70, a atriz recebeu uma ordem do juiz que deveria morar com sua filha, Yasmin Aga Khan e que a jovem seria responsável por seu tratamento e bem-estar.

Glenn Ford nunca a visitou quando o Alzheimer começou a avançar e apagar todas as memórias de Rita afirmando que não conseguiria vê-la naquela estado. Rita faleceu em 14 de maio de 1987 e até a morte de Glenn, em 2006, ele mantinha em sua cabeceira uma foto de Hayworth com uma rosa fresca todos os dias.


Uma das maiores e, mais icônicas, parcerias do cinema clássico, Rita Hayworth e Glenn Ford se amaram até o fim, assim como os personagens que deram vida nas telonas. O "ódio pode até ser uma emoção excitante", mas os dois atores provaram que amar assim é muito mais satisfatório. 
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